Prólogo
Katsuo nunca imaginou que uma simples noite de tempestade mudaria sua vida para sempre. Com vinte anos, ele era um jovem comum, cujas preocupações mundanas não iam além de decidir qual seria seu próximo passo na universidade. Mas, naquela noite, um relâmpago não apenas iluminou seu quarto — pareceu rasgar a própria realidade.
Quando a luz se dissipou, Katsuo percebeu que não estava mais em seu quarto. O ambiente ao redor parecia saído de um sonho — ou pesadelo. Ele estava em um corredor interminável, com paredes de pedra que pulsavam como se fossem vivas, formando padrões que escapavam à lógica. Uma luz etérea iluminava o espaço, mas não havia nenhuma fonte visível. Era como se o lugar inteiro estivesse envolto em um véu de mistério antigo, onde a própria realidade parecia maleável.
A alguns metros à frente, uma única porta interrompia a monotonia do corredor. Parecia chamar por ele, como uma promessa de salvação... ou uma armadilha disfarçada. Sua superfície era marcada por runas finamente entalhadas, que brilhavam fracamente, pulsando como um coração ansioso.
Antes que Katsuo pudesse dar um passo, um som agudo ecoou pelo corredor. Garras arranhavam a pedra como pregos em um quadro-negro. Ele congelou, o coração martelando no peito, e lentamente se virou. O que viu roubou seu fôlego: uma criatura bestial, com olhos brilhantes de um vermelho faminto e dentes tão afiados que pareciam capazes de despedaçar ossos com um único golpe. Suas patas bateram no chão em um ritmo implacável, reduzindo a distância entre eles.
O pânico o congelou por um momento. Mas então, como se o próprio destino tivesse intervindo, a porta se abriu. Uma figura surgiu de dentro, uma garota com um olhar que carregava tanto mistério quanto o próprio corredor. Sem dizer uma palavra, ela estendeu a mão para Katsuo, puxando-o para dentro do apartamento e fechando a porta atrás deles, deixando a fera do lado de fora com um rugido frustrado.
Dentro do apartamento, a sensação era de confinamento, como se o mundo inteiro se limitasse àquele espaço. A garota, que se apresentou como Kira, explicou que este era seu mundo — o único em que vivia, mas não o único que existia.
A porta que Kira abriu era um portal para este corredor, um espaço entre os mundos, não sendo um mundo em si, mas um vínculo entre eles. Este corredor era um lugar de maravilhas e perigos, com labirintos que confundiam a mente, fontes termais que curavam ou enlouqueciam, cavernas cheias de segredos antigos, e monstros, como o que Katsuo acabara de escapar.
A jornada de Katsuo começava agora, ao lado de Kira, com o desconhecido estendendo-se além da porta, chamando-o para o limiar do infinito.
Capítulo 1 - O Limiar do Infinito
O Encontro
Katsuo ainda sentia o coração martelando no peito enquanto olhava ao redor do apartamento de Kira. Apesar do perigo recente, o lugar emanava uma estranha sensação de segurança, como uma ilha em meio a um mar tempestuoso. O ambiente era aconchegante, com uma decoração que parecia equilibrar entre o moderno e o acolhedor, mas a verdadeira natureza deste lugar ainda era um enigma para ele.
"Você está bem?" A voz de Kira era baixa, quase hesitante, mas carregava uma preocupação genuína. Seus olhos pareciam examiná-lo, procurando sinais de ferimentos ou algo pior.
Katsuo levou alguns segundos para responder, sua mente ainda tentando juntar as peças do que havia acontecido. "Eu... acho que sim." Ele engoliu em seco, desviando o olhar para a porta. "Mas... o que era aquilo? Aquele monstro?"
Kira suspirou, sua expressão misturando pena e exaustão. "Um dos muitos horrores do corredor. Eles não deviam estar aqui... mas desde que ela chegou, nada é mais seguro."
Katsuo franziu a testa. "Ela? Quem é ela?"
Kira hesitou, como se as palavras fossem difíceis de dizer. "A Kira Maligna. Pelo menos, é assim que eu e... outras Kiras a chamamos. Ela é diferente. Perigosa. Foi ela quem trouxe os monstros para o corredor."
Katsuo arregalou os olhos, surpreso. "Outras Kiras? Quantas existem?"
Kira desviou o olhar, seus dedos brincando com a barra de sua camisa. "Incontáveis", respondeu, com um leve dar de ombros, como se a resposta já tivesse perdido o impacto para ela. "Algumas muito parecidas, outras tão diferentes que você mal reconheceria."
Ele olhou para a porta, sentindo uma mistura de medo e fascínio. "E essa porta sempre leva ao corredor?"
"Sim, mas o corredor é... imprevisível. Ele leva a diferentes mundos a cada vez. Você precisa estar preparado para o que pode encontrar."
Katsuo sentou-se no sofá, passando as mãos pelos cabelos enquanto tentava processar tudo. "Então... este é o seu mundo? O apartamento?"
Kira sorriu, mas havia algo triste em sua expressão, um peso invisível que parecia enterrado nas dobras do tempo. "É o que eu posso chamar de mundo. Mas existem outros. Muitos outros. Todos conectados pelo corredor. Cada um com uma versão de mim."
Katsuo absorveu essa informação em silêncio. Finalmente, ele se levantou e caminhou até a janela. Do lado de fora, não havia paisagem, apenas um vácuo estrelado que parecia infinito, como se o apartamento flutuasse no cosmos. Algo sobre aquilo o fez sentir tanto maravilha quanto um terror silencioso.
"E agora?" ele perguntou, sem desviar o olhar. "O que acontece comigo?"
Kira caminhou até ele, parando ao seu lado. "Agora... você decide. Pode ficar aqui, em segurança, enquanto tentamos entender como te levar de volta. Ou... pode abrir aquela porta e enfrentar o desconhecido."
Katsuo olhou para Kira, seus olhos refletindo uma mistura de medo e determinação. Ele não sabia o que escolher ainda, mas uma coisa era certa: sua vida jamais seria a mesma.
O Conflito
Enquanto Katsuo e Kira conversavam, tentando entender o lugar um do outro no universo, uma névoa escura começou a se formar no centro da sala. A temperatura pareceu cair, e o ambiente antes acolhedor tornou-se carregado de tensão. Dentro da névoa, uma silhueta se delineava, claramente feminina, com contornos que lembravam muito os de Kira.
A silhueta se virou para Katsuo, e uma voz, idêntica à de Kira, mas com um tom possessivo e ameaçador, ecoou pela sala. "Te encontrei," disse a voz, fazendo com que Katsuo ficasse paralisado. "Você acha que pode escapar?"
Ela então olhou para Kira, e o desdém em sua voz era palpável. "Ah, você de novo?" disse, com um riso que não tinha humor. "Não me atrapalhe, garota. Ele é meu, eu o trouxe."
Enquanto a névoa começava a se dissipar, a voz terminou com uma ameaça clara: "Me devolva, isso não é um pedido."
Katsuo, ainda atordoado pelo que tinha acabado de presenciar, olhou para Kira, que parecia lutar com uma mistura de medo e raiva. Ela balançava a cabeça repetidamente, murmurando, "Não, não, de novo não."
"O que foi aquilo?" perguntou Katsuo, a voz trêmula de pavor.
Kira respirou fundo, tentando se recompor. "Aquela... era a Kira Maligna," explicou, resignada.
Katsuo sentiu um calafrio percorrer sua espinha. "Ela... ela disse que me trouxe aqui."
Kira concordou com a cabeça, com um olhar preocupado, seus olhos refletindo uma batalha interna. "Ela tem essa habilidade, de algum modo. Manipula o corredor, os mundos, e às vezes... leva pessoas. Eu não sei ao certo como ela faz isso."
Ele olhou para a porta que levava ao corredor, agora um lugar ainda mais ameaçador. "E agora? O que fazemos?"
Kira caminhou até a porta, olhando-a com uma mistura de determinação e desespero. "Eu preciso te proteger. Mas também..." ela hesitou, "talvez a única saída esteja no mundo dela, mas isso é muito perigoso. Ou..." Ela se virou para Katsuo, "ou você fica aqui, comigo, até encontrarmos uma solução mais segura."
Katsuo sentiu o peso da decisão. Ficar significava segurança, mas também significava abandonar sua vida. Ir atrás da Kira Maligna era um risco incalculável, mas poderia ser sua única chance de voltar para casa.
Kira olhou para a porta, parecendo perdida em pensamentos. Ela queria proteger Katsuo, mas também sabia que precisava encontrar um jeito de devolver a vida dele ao normal. O medo do que a Kira Maligna podia fazer estava sempre ali, como uma nuvem pesada, deixando tudo ainda mais incerto.