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Chapter 2 - Volume 1 - Capítulo 1: O Refúgio de Lysoria

Após dois dias da fuga e chegada a Austin, Miguel finalmente abriu os olhos. O teto de madeira, simples e com algumas vigas expostas, era a primeira coisa que viu. O cheiro de madeira nova e um leve toque de ervas medicinais pairavam no ar, trazendo-lhe uma sensação momentânea de paz. Estava deitado em uma cama simples, coberto por lençóis brancos e macios. As vozes abafadas da rua e o som distante de passos o lembravam de que estava em algum lugar seguro.

Ele piscou algumas vezes, ajustando-se à luz suave que vinha da janela ao lado. Onde estamos?, pensou, enquanto as memórias das últimas horas antes de desmaiar começavam a voltar. O cansaço extremo da longa fuga, a dor do corpo e o medo... tudo parecia ter se dissipado, ao menos por um instante. Mas algo ainda pesava em seu coração.

Será que Aldermyst ainda existe? Miguel sentiu um vazio profundo ao pensar nisso. E os que ficaram para trás? Meus pais...

Ele fechou os olhos, relembrando os últimos momentos em sua terra natal, o caos, os gritos. A visão de sua casa sendo consumida pelas chamas e a dor de deixar tudo para trás. Sentia-se impotente, incapaz de fazer qualquer coisa para impedir o destino de Aldermyst. Uma angústia que não desaparecia, apesar da segurança temporária que sentia ali.

Um leve som chamou sua atenção. Ele virou o rosto e viu Elara na cama ao lado. Ela se mexia, ainda sonolenta, e logo abriu os olhos, piscando para ajustar a visão. Seus cabelos longos e pretos, agora bagunçados emolduravam seu rosto cansado, mas seus olhos brilhavam com a mesma intensidade de sempre.

"Elara..." sussurrou Miguel, incerto do que dizer.

Ela se levantou lentamente, apoiando-se nos cotovelos, e olhou em volta. "Miguel... onde estamos?" perguntou, a voz rouca pela longa ausência de uso. "Quanto tempo dormi?"

Miguel balançou a cabeça, ainda confuso. "Eu não sei. A última coisa que me lembro é de chegarmos aos portões da cidade... e depois tudo ficou escuro."

Elara passou a mão no rosto, tentando afastar o torpor do sono. "Eu me lembro... nós corremos por tanto tempo. E então... só me lembro de desmaiar. Estamos seguros agora?"

"Eu acho que sim," respondeu Miguel, ainda incerto. Mas por quanto tempo?

Antes que pudessem dizer mais, a porta do quarto se abriu, e Aron entrou, seu semblante sério, mas com um leve alívio ao ver que ambos estavam acordados.

"Finalmente acordaram. Já estava começando a achar que iam dormir para sempre", disse ele com um meio sorriso.

Miguel e Elara o olharam, sem saber exatamente o que dizer. Era como se o tempo tivesse parado para eles, enquanto Aron parecia mais focado e descansado, apesar das bandagens visíveis em seu braço e parte do peito.

"Quanto tempo dormimos?" perguntou Miguel, rompendo o silêncio.

"Vocês dormiram por quase três dias. Estavam completamente esgotados, eu mesmo precisei de um dia inteiro de descanso antes de conseguir levantar", explicou Aron, sentando-se em uma cadeira próxima à cama.

Elara franziu o cenho. "O que aconteceu depois que chegamos aqui? Não me lembro de nada."

"Depois que chegamos a Austin, alguns dos sobreviventes nos ajudaram e nos trouxeram até essa pousada. Por eu estar muito ferido, suplicaram para que o dono chamasse um curandeiro para cuidar de mim."

Miguel olhou surpreso. "Então ficamos aqui esse tempo todo...?"

Aron assentiu. "Sim. Quando acordei, segui as orientações do curandeiro e fui até a guilda dos aventureiros de Austin. Eles comprovaram minha identidade(Aron Ward), meu ranking(B) e classe(guerreiro). Contei tudo o que aconteceu — o ataque a Aldermyst por seres nunca antes vistos vindos da região não habitada do continente chamada por todos de "Terras desconhecidas"(Uma terra que não foi explorada por nenhum reino, não por falta de recursos, mas simplesmente por ser envolvida por uma grande névoa negra e espessa, onde a mana é totalmente densa e praticamente impossível para um ser humano comum lidar), nossa batalha contra esses "demônios" e por fim, a nossa fuga para cá.

Ele fez uma pausa, o peso das memórias estampado em seu rosto.

"E o que disseram?", perguntou Miguel, ansioso.

"Entraram em contato com a capital de Lysoria através de um dispositivo de comunicação mágica. Conseguiram uma autorização para enviar uma equipe de reconhecimento para avaliar a situação em Aldermyst", explicou Aron. "Mas pediram para que eu não me envolvesse diretamente, pelo bem de vocês. Não querem arriscar que sejamos alvos de novo."

Elara olhou preocupada. "E o que vamos fazer agora?"

Aron respirou fundo. "A partir de amanhã, posso começar a aceitar algumas missões da guilda para conseguirmos dinheiro. Precisamos de recursos para sobreviver aqui, afinal, comida e abrigo não caem do céu."

Miguel franziu a testa, ainda processando a ideia de missões. "Que tipo de missões?"

"Bem, há várias. Algumas são simples, como colher ervas medicinais na floresta de Austin ou caçar monstros de baixo nível. Existem missões de escolta de uma cidade para outra, mas essas pretendo aceitar apenas quando vocês completarem dez anos, assim poderei levá-los comigo como candidatos a aventureiros liberados pela guilda", respondeu Aron, traçando com o dedo um mapa invisível sobre a mesa. "Tem também missões de reconhecimento e outras em grupo para enfrentar monstros de nível médio. Depende muito do rank e da classe do aventureiro, mas no geral, essa é a rotina."

Elara parecia intrigada. "E... não podemos ajudar em nada?"

Aron balançou a cabeça. "Ainda não. Vocês são jovens demais e não têm experiência suficiente. A guilda só aceita candidatos a partir dos dez anos. Até lá, eu vou cuidar de tudo. Quando for a hora certa, podem começar a se envolver."

O quarto ficou em silêncio por um momento, com apenas o som distante da rua ao fundo. Miguel olhou para suas próprias mãos, sentindo a impotência crescer novamente. "Então... o que faremos agora?"

Aron se levantou, esticando os músculos. "Agora, vamos comer algo. Voces não comem há dias, devem estar morrendo de fome."

Elara assentiu, e os três saíram do quarto. Caminharam pelas ruas de Austin, passando por comerciantes, viajantes e cidadãos locais que realizavam suas tarefas diárias. A cidade estava movimentada, mas não tão lotada quanto as grandes capitais, e as pessoas pareciam envolvidas em suas próprias vidas, alheias à tragédia que ocorrera em Aldermyst.

Eles logo chegaram a uma taverna aconchegante, o cheiro de carne assada e pão fresco preenchendo o ar. Sentaram-se em uma mesa perto da janela, observando as pessoas passarem lá fora. Conforme os minutos passavam, Miguel notou algumas conversas ao redor. A queda de Aldermyst estava começando a ser mencionada, mas não de forma alarmante. As pessoas estavam preocupadas e chocadas, mas parecia que a notícia ainda não havia se espalhado completamente.

"Ouviram sobre Aldermyst?", disse um homem em uma mesa próxima. "Dizem que foi atacado por demônios."

"Demônios? Isso é sério? Eu pensava que demônios só existiam em lendas", perguntou uma mulher, com os olhos arregalados.

"Sim, mas ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Só estão dizendo que o reino foi devastado. Um dos três grandes reinos mágicos... quem imaginaria? Se for verdade, esses tais demônios devem ser assustadores", respondeu o homem.

Miguel apertou os punhos debaixo da mesa, o coração batendo mais forte ao ouvir as palavras. Ele trocou um olhar com Elara, que parecia igualmente incomodada.

"Não se preocupem com isso agora", disse Aron, percebendo a tensão nos dois. "Vamos nos focar no presente. Ainda temos muito a aprender antes de lidarmos com qualquer coisa relacionada a Aldermyst novamente."

Eles assentiram, embora as palavras de Aron não fossem suficientes para afastar o turbilhão de pensamentos que passava por suas cabeças. Enquanto comiam, o peso do futuro incerto pairava sobre eles, mas pela primeira vez em dias, pelo menos estavam juntos e a salvo.

Após o almoço na taverna, Miguel, Elara e Aron decidiram caminhar um pouco pela cidade. Apesar de tudo, o ambiente em Austin era acolhedor, com as ruas de pedra iluminadas pela luz suave do fim de tarde e os comerciantes encerrando suas atividades do dia. As barracas de tecidos coloridos, jóias e utensílios chamavam a atenção, e logo Elara se aproximou de uma das lojas de roupas, os olhos brilhando com curiosidade.

"Precisamos de roupas novas, certo?" ela comentou, olhando para Aron e Miguel.

Aron cruzou os braços, observando as crianças com um leve sorriso. "De fato. Vocês não têm nada além das roupas do corpo desde que fugimos." Ele deu uma olhada ao redor e viu uma loja de vestes próxima, com trajes simples, mas de boa qualidade. "Vamos dar uma olhada ali."

Ao entrarem, o cheiro de tecido novo e couro os envolveu. As prateleiras estavam cheias de roupas de todos os tipos, desde simples aventais de trabalho até túnicas de mercadores. Elara imediatamente se perdeu entre os tecidos leves e coloridos, enquanto Miguel, mais prático, foi em direção às capas e jaquetas.

Enquanto isso, um homem baixo e de olhos atentos, o dono da loja, os recebeu com um sorriso educado.

"Sejam bem-vindos! Procurando algo específico?"

Aron deu uma olhada rápida ao redor, hesitante. "Precisamos de algumas roupas novas para as crianças", respondeu ele, indicando Miguel e Elara com um aceno de cabeça.

Miguel olhou ao redor, sentindo-se um pouco desconfortável. As roupas que usava estavam desgastadas e sujas pela viagem, mas não queria parecer ingrato. Elara, por outro lado, se animou ao ver os diferentes tecidos e cores à disposição.

"Escolham o que precisarem", disse Aron, cruzando os braços. "Não vamos ficar muito tempo."

Enquanto as crianças se dispersavam para examinar as roupas, o vendedor se aproximou de Aron e começou a conversar em voz baixa. "Pelo que vejo, você parece um aventureiro. Suponho que esteja familiarizado com o sistema de pagamento da região?"

Aron assentiu, embora soubesse que Miguel e Elara poderiam não entender muito bem. "Sim, claro."

O vendedor sorriu e explicou de maneira breve, talvez por costume. "Aqui em Lysoria, trabalhamos com moedas de bronze, prata e ouro. Cem moedas de bronze valem cinco de prata, e dez de prata valem uma de ouro. Tudo fica mais simples assim, especialmente em cidades movimentadas como Austin."

Aron agradeceu com um leve aceno e olhou para as crianças, que ainda escolhiam com cuidado. Ele sabia que precisava economizar. Tinha trazido algum dinheiro consigo, incluindo a quantia que os pais de Miguel haviam confiado a ele. Ainda assim, não podia se dar ao luxo de gastar descontroladamente.

Logo, Miguel apareceu com uma túnica simples de cor verde, e Elara segurava um vestido leve de tom azulado. "Acho que esses são bons", disse Elara, com um sorriso de aprovação para Miguel.

Aron analisou rapidamente as peças, assentindo. "Muito bem, está ótimo."

Quando ele fez menção de se afastar para pagar, Elara olhou para Aron com uma expressão séria. "E você? Não vai pegar nada?"

"Eu estou bem com o que tenho", respondeu Aron, descontraído, apontando para suas roupas simples, mas funcionais.

Elara não aceitou essa resposta. Com um olhar determinado, caminhou até uma prateleira próxima e pegou uma capa marrom escura com detalhes discretos em couro. "Essa aqui combina com você", disse, entregando a peça para Aron. "Você também precisa se cuidar, não tem que se preocupar só com a gente."

Aron hesitou, mas a convicção no rosto de Elara o desarmou. Ele pegou a capa, um sorriso leve surgindo em seu rosto. "Está bem, você venceu."

Elara sorriu de volta, satisfeita com sua pequena vitória.

O vendedor logo calculou o valor total. "Vai ficar em 70 moedas de bronze pelas roupas das crianças e mais 30 de bronze pela capa. Um total de 100 moedas de bronze, ou cinco de prata, se preferir."

Aron tirou algumas moedas de prata de sua bolsa dimensional e as entregou ao vendedor. "Aqui estão cinco de prata."

Miguel olhou curioso para a bolsa nas mãos de Aron, reconhecendo que ela era mais do que uma simples bolsa comum. "Você trouxe isso de Aldermyst?" perguntou ele, intrigado.

Aron assentiu. "Sim. Trouxe o que pude antes de partirmos. Dentro dessa bolsa, tenho alguns itens que podem nos ajudar, inclusive esse dinheiro que seus pais deixaram para garantir que vocês tivessem o necessário."

Elara, que esbanjava felicidade por finalmente ter comprado um vestido novo depois da dura jornada até ali, olhou para a bolsa com admiração. "Então... nós estamos bem por enquanto?"

Aron sorriu. "Sim, por enquanto estamos. Não é muito, mas é o suficiente para nos mantermos até conseguirmos mais recursos. É por isso que preciso começar a aceitar missões da guilda o quanto antes. Mas agora, vocês precisam descansar, vamos voltar antes que fique muito tarde. Deixem esses assuntos complicados para os adultos."

"Perfeito", respondeu o homem, pegando o pagamento com destreza e colocando as roupas em um saco de tecido. "Voltem sempre que precisarem!"

Com as compras feitas, eles saíram da loja, sentindo-se mais confortáveis, como se tivessem recuperado uma pequena parte de sua dignidade perdida.

Enquanto caminhavam de volta à pousada, o céu já estava escurecendo, e a cidade começava a acender suas lâmpadas de rua. Aron observava as crianças à sua frente, agora equipadas com roupas novas, mas ainda tão jovens e frágeis diante do que haviam enfrentado.

"Nós vamos conseguir", murmurou ele para si mesmo, apertando a bolsa mágica em sua cintura. "Eu prometo."

Após a breve caminhada pelo centro de Austin, os três finalmente retornaram à pousada. O ambiente estava mais tranquilo do que durante o almoço, com alguns clientes a menos e o som baixo de conversas dispersas. As crianças, agora vestidas com roupas novas, pareciam mais relaxadas, mas o cansaço nos olhos delas era inegável.

"Hoje foi um bom dia," comentou Elara, esticando os braços acima da cabeça. "Pelo menos, conseguimos descansar um pouco."

Miguel apenas assentiu, seus olhos fixos na bolsa que Aron carregava, ainda intrigado com tudo o que tinham discutido antes.

"Sim, foi," Aron respondeu, dirigindo um breve sorriso às crianças. "Mas ainda temos um longo caminho pela frente."

Ao subirem as escadas de madeira para os quartos, os sons da cidade começavam a diminuir, indicando que a noite se aproximava. Eles chegaram aos aposentos que Aron havia reservado anteriormente — um pequeno quarto compartilhado para Miguel e Elara, e outro ao lado para ele.

"Vocês devem descansar bem esta noite," disse Aron, abrindo a porta para os dois. "Amanhã será um novo dia, e eu precisarei ir à guilda resolver algumas coisas."

"Você vai aceitar missões?" perguntou Miguel, um pouco ansioso.

Aron olhou para o garoto por um momento, ponderando sua resposta. "Sim, mas vocês não vão se envolver nisso. Ainda são jovens e precisam se fortalecer antes de pensarem em aventuras."

Elara se jogou na cama, soltando um suspiro aliviado. "Estou exausta… mas é bom ter um lugar seguro para dormir."

Miguel permaneceu em silêncio por alguns instantes, refletindo sobre as palavras de Aron. "Vamos ficar bem, não vamos?"

Aron fez uma pausa, observando o jovem Miguel e sentindo o peso das responsabilidades que agora recaíam sobre seus ombros. Ele se aproximou e pousou a mão no ombro do garoto. "Sim, vamos. Eu prometi aos seus pais que cuidaria de vocês, e vou cumprir essa promessa. Mas precisamos ser pacientes."

"Eu confio em você," respondeu Miguel, com um olhar determinado, embora cansado. Aron reconheceu a mesma chama de vontade que ele havia visto tantas vezes nos olhos de Roderick.

Com isso, Aron se levantou e caminhou até a porta. "Descansem. Amanhã veremos o que o futuro nos reserva." Ele deu uma última olhada nas crianças, que agora começavam a se aconchegar nas camas, e fechou a porta atrás de si.

De volta ao seu quarto, Aron sentou-se na cama dura, soltando um suspiro pesado. Ele pegou a bolsa mágica e a colocou ao lado. Seus pensamentos voltaram para os dias antes da queda de Aldermyst, para os amigos e companheiros que ficaram para trás. Mas agora não havia tempo para se afundar na dor. Ele sabia que, para proteger Miguel e Elara, precisaria se manter firme, não importa o quão incerto o futuro fosse.

Do lado de fora, as luzes da cidade começavam a apagar, e o silêncio da noite envolvia Austin. Aron deitou-se, fechando os olhos por um momento, murmurando para si mesmo:

"Um dia de cada vez..."