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Eu me lembro como se fosse ontem, os ensinamentos do líder de clã, ou melhor, meu pai.
Ele dizia que o poder que possuíamos não era algo para ser exibido ou usado de forma descuidada. 'Kokoro no Jigen', a Dimensão do Coração, um poder que transcende a realidade, que manipula o tempo, distorce a percepção e cria mundos inteiros. Um poder tão grande que poderia destruir ou proteger tudo ao seu redor.
Neste mundo, há cinco elementos fundamentais: água, fogo, terra, vento e raio. Mas além deles, existem os Kekai, a mistura dos elementos, que forma poderes raros e valiosos. Como o nosso clã, Kurogami, que herdou a habilidade de manipular dimensões, uma força que deveria ser mantida em segredo para evitar os conflitos que poderiam surgir entre aqueles que a desejavam.
Para nós, o poder nunca foi algo para se orgulhar. Foi uma maldição, um fardo pesado demais para ser carregado por muitos. Nosso clã se ocultou, desaparecendo nas sombras, tentando viver em paz e evitar a destruição. Mas... agora, isso já era. Todos estão mortos.**
Quando o Incidente de Kokoro aconteceu, nem eu sabia que seria o fim. O fim do nosso legado. O fim de tudo o que um dia soubemos sobre nosso lugar no mundo. Vi meu pai cair, vi minha família ser consumida pelas chamas, enquanto eu... eu fiquei de fora, protegido por um poder que não sabia como controlar. A dor de perder tudo... não é algo que se esqueça."
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Mas esse momento já passou. Tudo o que restou de meu clã e de meu passado foi consumido nas chamas do Incidente de Kokoro, o evento que destruiu meu mundo. Agora, sou apenas uma sombra do que fui.
Após o massacre, eu vaguei sozinho por terras que não conhecia, com a alma dilacerada e a mente turva. O poder do Kokoro no Jigen já não tinha mais sentido para mim. Fui um espectador de minha própria destruição, incapaz de mudar o que aconteceu.
Foi nesse momento, quando eu estava à beira da loucura, que encontrei Kaori. Ela apareceu em meu caminho como uma figura estranha e serena, com um olhar que parecia ver através de mim, como se entendesse mais do que qualquer um jamais poderia. Eu sabia que ela não era qualquer pessoa, mas o que me chamou atenção foi que ela não me julgou. Não hesitou. Não teve medo de mim. Pelo contrário, me estendeu a mão.
— Você está sozinho, não está? — ela perguntou com uma voz suave, mas firme. Algo em seu tom me fez sentir, pela primeira vez desde o massacre, que alguém realmente se importava.
Eu apenas a olhei. Não sabia o que responder. O peso de tudo que havia perdido me calava, mas o que realmente me consumia era a raiva. A raiva contra aqueles que destruíram tudo que eu conhecia, e a raiva de minha impotência, minha incapacidade de salvar meu clã. Kaori, com seu olhar tranquilo, pareceu perceber tudo isso.
Ela fixou os olhos nos meus e, por um momento, houve um silêncio carregado. Então, ela falou, mais suavemente ainda:
— Eu posso ver a raiva nos seus olhos... — ela disse, sua voz tão calma que quase soava como uma brisa leve. — Eu entendo. Mas viver com ela não vai te levar a lugar nenhum. Você precisa decidir o que fazer com essa raiva.
Eu me sentia exposto, vulnerável. Nunca havia deixado ninguém ver o quanto estava consumido pela dor e pela raiva. Mas de alguma forma, Kaori conseguiu ver. E não me julgou. Ela não me afastou.
Kaori, então, começou a falar de uma terra distante, longe das sombras em que eu me escondia, um lugar onde as pessoas ainda podiam viver em paz, sem a constante luta por poder. Ela me falou sobre Hoshikawa, um país onde as tradições eram fortes, e onde ela acreditava que eu poderia começar a reconstruir o que havia sido perdido.
— Eu não sei se sou a pessoa certa para te ajudar... mas posso te levar a um lugar onde você possa encontrar um novo começo. — disse ela com uma confiança que, de algum modo, me tocou.
Eu não sabia o que fazer. Não sabia se deveria confiar nela. Mas algo me dizia que, por mais que o passado fosse imutável, o futuro ainda tinha algo para me oferecer.
Então, sem dizer uma palavra, eu aceitei. A dor ainda me consumia, mas Kaori parecia ter a chave para algo que eu nem sabia que procurava: uma chance.
Com o tempo, ela me guiou por caminhos desconhecidos até chegar em Hoshikawa, um país banhado pelas estrelas e pela serenidade de sua paisagem. Lá, fui apresentado a uma nova vida, longe da destruição que me acompanhava. Mas mesmo em Hoshikawa, não sabia se conseguiria deixar o passado para trás."**
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