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Quebrando Recordes - Robóticas

Samanthasousa
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Synopsis

Chapter 1 - Capítulo 1: Amélia Pierce

Amélia Pierce nunca foi o tipo de pessoa que atrai olhares ou dominava conversas com seu carisma. Desde que se entendia por gente, parecia se mover em um plano paralelo ao das outras pessoas. Ela existia à margem, uma observadora curiosa, mas intocável.

A ciência fora seu refúgio. Enquanto crianças brincavam ao ar livre, ela montava circuitos rudimentares com sucatas que seu pai trazia para casa. A alegria de criar algo que funcionasse—um motor de ventilador improvisado, uma luz piscando no ritmo certo—trazia um senso de realização que nenhuma interação humana jamais conseguira igualar.

Porém, nem sempre fora assim. No colegial, Amélia tentara abrir a porta para outro tipo de conexão. Achava que tinha encontrado alguém que entendesse a melodia silenciosa de seus pensamentos. O garoto com quem dividia as tardes entre páginas amareladas de livros e risos abafados parecia se importar. Gostavam dos mesmos filmes, discutiam as nuances das personagens literárias e planejavam juntos os trabalhos escolares. Até aquele dia.

— Não, eu e você temos gostos diferentes — disse ele, após uma tentativa cautelosa de Amélia em transformar a amizade em algo mais. O sorriso dele era educado, mas os olhos mostravam desinteresse.

Ela congelou, incapaz de articular uma resposta, enquanto ele se afastava com o mesmo charme indiferente que a atraíra inicialmente. Não eram gostos diferentes, ela sabia. Ele simplesmente não a enxergava.

Os anos seguintes não foram diferentes. Os corredores da escola tornaram-se um território minado de lembranças amargas. Houve aquele dia em que uma garota, claramente ciumenta, a envergonhou diante de todos:

— Quero que fique longe do meu futuro namorado! — E, com essa frase, um balde de lixo encontrou seu caminho até Amélia.

Correu para longe do caos, lágrimas cegando sua visão, até esbarrar no mesmo rapaz que, em segredo, admirava de longe. Ele a encarou como se fosse uma mancha em sua camisa imaculada, desviou-se dela e seguiu sem olhar para trás.

A faculdade trouxe a promessa de um novo começo, mas Amélia percebeu rapidamente que era mais difícil escapar das barreiras invisíveis que pareciam cercá-la. Até mesmo o garoto que parecia nutrir algum interesse desapareceu sem explicações, deixando apenas mensagens não lidas e um lugar vazio no laboratório que costumavam dividir.

Assim, ela decidiu que bastava. Se o mundo insistia em afastá-la, ela o retribuiria concentrando-se no único terreno onde dominava: a tecnologia. Passou a mergulhar cada vez mais fundo no estudo das máquinas e sua capacidade de simular sentimentos, talvez porque sentia, secretamente, que as máquinas podiam dar o que as pessoas não conseguiam.

No presente, Amélia já era uma engenheira robótica renomada, conhecida por sua criatividade ao desenvolver soluções eficientes e modernas. Mas sua vida permanecia estranhamente estéril. As inovações que construía serviam para melhorar a interação humana e a comunicação em negócios; ainda assim, ela mesma era uma ilha isolada.

Naquela noite, no silêncio de sua oficina, seu celular vibrou, quebrando a concentração. Um anúncio surgiu, iluminando a tela: "Encontre seu namorado à distância! Quem sabe o amor não está mais perto do que imagina?"

Ela riu sozinha, desligando a tela com um movimento rápido. "Se nem perto funciona, imagine longe," pensou, com amargura. Mas a insônia já começava a corroer seu ânimo. Ela deitou no sofá improvisado e encarou o teto enquanto os flashes de memória da escola e da faculdade invadiam sua mente.

- Talvez o problema não esteja lá fora. Talvez esteja aqui dentro.

A ideia surgiu como um sopro. E se ela não precisasse do mundo para preencher o vazio? E se ela pudesse construir alguém?

Era absurdo, mas... tentador.

Naquela madrugada, enquanto desmontava peças sobressalentes e ajustava um sistema básico em sua bancada, um pensamento cristalizou-se: ela criaria algo. Não para as empresas, não para os mercados de tecnologia. Desta vez, criaria para si mesma.

— Certo, preciso focar no meu serviço em vez desses anúncios idiotas. — Amélia largou o celular na mesa, frustrada. Suspirou profundamente e voltou ao trabalho que tinha em mãos.

Dias e noites se passaram até que o projeto mais recente finalmente tomasse forma. Era mais uma corrida contra o relógio, mas também um alívio quando o resultado final estava em suas mãos. Na manhã da apresentação, ela entregou à empresa algo que sabia que impressionaria, mesmo já estando acostumada aos elogios.

— Ficou incrível, Amélia! Quando me passaram seu contato, nem acreditei que fosse capaz de trazer o projeto 35 à vida.

O Projeto 35 era diferente de tudo o que a empresa já havia encomendado. Um robô militar experimental para auxílio estratégico em conflitos bélicos. Vários engenheiros haviam falhado antes dela, entregando protótipos cheios de erros. Mas Amélia era metódica, incansável. Apesar de não depositar esperança total nos robôs militares, havia dado o melhor de si para que esse funcionasse.

— Ainda está em fase de testes, mas podem me ligar sempre que precisarem de suporte. — respondeu com um sorriso discreto.

— Certo, vamos realizar os treinamentos conforme os manuais. Estamos confiantes no sucesso dessa vez! — Um dos diretores disse, apertando a mão dela com entusiasmo.

Mais um trabalho concluído, mais uma rodada de elogios que trazia um misto de orgulho e vazio. Ao sair da apresentação, Amélia seguia pelas ruas em direção à sua casa com uma expressão satisfeita, mas reservada.

As ruas estavam movimentadas, o fim da tarde enchia os parques com pessoas animadas, famílias rindo, casais trocando gestos de carinho. Uma parte de Amélia observava aquilo com melancolia. Seu passado repleto de rejeições e humilhações parecia ecoar em sua mente a cada cena de proximidade que via entre os outros.

Ela desviou o olhar, apressando os passos. Estava decidida a se concentrar naquilo que sabia fazer melhor: criar. Entretanto, algo chamou sua atenção enquanto passava por um centro comunitário. Uma grande movimentação de pessoas e um pôster exibido em letras brilhantes prenderam seu olhar.

"Concurso de Grandes Projetos - Mostre ao mundo a sua ideia revolucionária!"

Curiosa, aproximou-se lentamente e leu os detalhes. O concurso prometia ser o maior evento de inovação do ano. Participantes poderiam apresentar seus projetos mais ambiciosos, com jurados renomados do setor de tecnologia, ciência e design. Havia filas enormes de pessoas com protótipos nas mãos, ansiosos para inscreverem-se.

— Interessante... — murmurou para si mesma, enquanto retirava um dos folhetos informativos da prateleira lateral.

Ela estudou o documento rapidamente e o guardou na bolsa. "Talvez seja uma oportunidade. Quem sabe?", pensou. Porém, ao mesmo tempo, algo a fazia hesitar. Se inscrever naquele tipo de evento significava expor seu trabalho — e a si mesma.

Ainda pensativa, voltou para casa. Enquanto o céu escurecia, sentia um incômodo misturado à curiosidade. Havia chegado a hora de pensar em algo que fosse verdadeiramente único... Algo que fosse dela e para ela.

Em sua casa, Amélia tirou os sapatos junto à porta e pendurou o casaco no suporte da entrada, o folheto esquecido no bolso. O apartamento pequeno era silencioso, com uma iluminação amena que ajudava a aliviar a tensão dos dias longos de trabalho. Ela caminhou até a cozinha, que mantinha sempre impecável. Abrindo a geladeira, observou os recipientes organizados, cheios de refeições previamente preparadas e etiquetadas para facilitar sua rotina.

Pegou um pote com sopa de legumes e o colocou no micro-ondas. Enquanto esperava, dirigiu-se ao pequeno espaço de trabalho improvisado ao lado da sala. A bancada estava tomada por circuitos, cabos e ferramentas espalhados em uma organização peculiar, mas que só ela compreendia. Olhou rapidamente os projetos em andamento e passou os dedos por um modelo de drone em construção, mas afastou a ideia de começar algo novo naquela noite.

O apito do micro-ondas a trouxe de volta, e ela serviu a sopa em uma tigela antes de levar para a mesa da sala. Ligou a televisão em um canal de notícias, mas a programação logo foi trocada por um documentário sobre inovações tecnológicas. Entre colheradas da sopa, seus olhos fixavam-se na tela, acompanhando as histórias de outros engenheiros e cientistas que haviam feito descobertas revolucionárias.

Terminando a refeição, lavou a tigela e a colocou no escorredor, certificando-se de secar cuidadosamente o balcão da cozinha. Ainda com a cabeça cheia de pensamentos sobre o concurso e seu próximo passo, pegou um bloco de notas que mantinha no escritório. Sentou-se à mesa de trabalho, rabiscando ideias de possíveis projetos que pudesse desenvolver para algo mais pessoal, algo que fugisse da funcionalidade prática à qual estava acostumada.

O relógio marcava 23h quando se deu conta do tempo que havia passado ali, rabiscando e pensando. Sentindo o cansaço nos ombros, levantou-se, alongou os braços e dirigiu-se ao quarto. Antes de dormir, abriu o guarda-roupa e escolheu uma roupa simples para o dia seguinte, deixando-a preparada sobre a cadeira.

Encostando-se na cabeceira da cama, pegou o celular para verificar os e-mails do trabalho e as notificações que ignorara durante o dia. Foi quando lembrou do folheto no bolso do casaco. Embora hesitasse, decidiu buscá-lo. Pegou o papel e o olhou mais de perto.

"Concurso de Grandes Projetos..." murmurou enquanto lia novamente as informações. A premiação, o prestígio, e mais importante: a chance de apresentar algo único que pudesse realmente ser dela.

Dobrou o folheto cuidadosamente e o deixou sobre o criado-mudo. Apagou a luz do abajur, puxou os cobertores sobre o corpo e encarou o teto por alguns minutos antes de fechar os olhos, pensando: E se eu tentar algo que sempre imaginei, mas nunca tive coragem de fazer? Talvez esteja na hora.