Amélia Pierce nunca fora exatamente o tipo de pessoa que chamava atenção. Desde a infância, sua vida era marcada por um padrão silencioso: estar lá, mas ser quase invisível para os outros. Sempre existiu algo nela que parecia difícil para os outros se conectarem, embora tentasse desesperadamente ser parte do mundo ao seu redor.
No colegial, ela acreditava que finalmente havia encontrado alguém que enxergava além de sua quietude. Um garoto da turma de literatura com quem dividia gostos semelhantes — livros clássicos, filmes cult e tardes regadas a café enquanto trocavam ideias sobre as matérias escolares. Mas, ao reunir coragem para expressar seus sentimentos, veio a resposta que marcaria sua memória:
— Não, eu e você temos gostos diferentes. — Ele dissera de forma casual, quase fria.
Amélia ficou em silêncio, tentando processar o que havia de errado naquela afirmação. Gostos diferentes? Sempre fizemos tudo juntos. Será que ele nunca me enxergou realmente? Aquela dúvida acompanhou-a como um peso difícil de ignorar.
No último ano, um novo golpe. Tinha uma pequena esperança depositada em outro rapaz, alguém que parecia, pelo menos, corresponder aos sorrisos e breves olhares no corredor. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, foi interceptada por outra colega, cheia de ódio em seus olhos.
— Quero que fique longe do meu futuro namorado! — disse a garota, jogando sobre Amélia um balde de lixo como se estivesse se livrando de algo descartável.
A vergonha queimou no rosto dela. Em prantos, correu pelos corredores da escola, apenas para esbarrar naquele em quem havia depositado sua esperança. Ele parou, olhou para ela de cima a baixo com desprezo, e seguiu sem dizer uma palavra. Nem um gesto de compaixão, nenhuma tentativa de ajuda.
A universidade trouxe outra onda de solidão. Apesar de buscar um recomeço, algo parecia repelir as pessoas. Suas tentativas de criar laços logo se desfaziam, como se ela fosse uma peça fora de lugar. Um dia, um garoto com quem havia começado a se aproximar simplesmente desapareceu, mudando de faculdade sem avisos ou explicações.
Sozinha em sua jornada acadêmica e emocional, Amélia começou a se dedicar exclusivamente aos estudos e aos pequenos prazeres solitários. A leitura, as invenções e as horas no laboratório eram seu único refúgio. Cada rejeição, cada lembrança amarga, a empurrava ainda mais para um mundo em que ela não precisava enfrentar julgamentos. Ela era suficiente para si mesma, dizia a si própria. Mas no fundo, as noites ainda traziam ecos do passado.
Assim, os anos passaram. Amélia se tornara uma mulher extremamente focada e talentosa, mas ainda isolada emocionalmente. Talvez, se existisse alguém que não fosse humano... alguém que não a julgasse ou não pudesse magoá-la, a vida não pareceria tão dura.
Amélia encontrou na ciência sua única constante, algo que nunca a desapontava. Durante anos, dedicou-se a construir um nome sólido no ramo da robótica, projetando soluções que facilitavam a vida de pequenas e médias empresas. Sua capacidade de transformar ideias em realidade era admirada por muitos no setor, mas, ironicamente, a mulher que criava inovações para conectar mundos vivia desconectada das pessoas ao seu redor.
As noites passavam longas e silenciosas dentro de sua oficina. Era ali que ela sentia que tinha algum controle sobre sua própria existência, rodeada por cabos, circuitos e telas luminosas que nunca julgavam ou rejeitavam. Em uma dessas noites, enquanto revisava relatórios de projetos, uma notificação surgiu em seu celular, destacando o anúncio: "Procure seu namorado à distância! Quem sabe o amor não está onde menos espera?"
Ela riu baixinho e bufou, desligando a tela. "Como se fosse tão simples…" Pensou consigo mesma. Para alguém que não tinha sucesso nem com as pessoas próximas, parecia improvável encontrar algo verdadeiro em algo tão genérico e impessoal.
Era inútil tentar negar. A solidão, que antes parecia tolerável, começava a pesar de maneiras que ela não sabia explicar. A mente dela retornava às memórias de rejeições e olhares que haviam marcado seu passado. Com quem mais daria certo, afinal?
Foi então, naquela mesma semana, depois de outra noite mal dormida e imersa em códigos e ferramentas, que um pensamento inesperado a atingiu. No final das contas, se ela tinha habilidade para ajudar tantas empresas com suas máquinas, não poderia usar o mesmo talento para algo... pessoal? Para si mesma?
Os primeiros rascunhos surgiram no papel amassado ao lado do café que esfriava. "E se eu puder criar alguém?" murmurou. Não um cliente, não um robô comum programado para tarefas industriais, mas algo mais. Um companheiro. Alguém que fosse incapaz de machucar, julgar ou abandoná-la.
Naquela madrugada, ainda com olhos pesados pela falta de sono, Amélia iniciou uma jornada completamente diferente das que tinha feito antes. Ela, que sempre trabalhou para os outros, agora tinha um projeto que unia tudo o que sabia. Não apenas criar, mas criar para si própria. Um passo ousado, pessoal e inesperado: desenvolver sua própria definição de amor.
Os dias seguintes pareciam diferentes. Amélia começava a dedicar mais tempo ao novo projeto, ainda que mantivesse sua agenda com clientes. Nas noites, as ideias invadiam sua mente de forma incessante. Rabiscava esquemas e fórmulas em folhas dispersas pela mesa de trabalho, completamente imersa na possibilidade de construir algo que ela ainda nem sabia ao certo como descrever.
Entre os intervalos, uma pilha de manuais e artigos de inteligência artificial a aguardava no canto do quarto, que agora se assemelhava mais a um laboratório improvisado do que a um lar. As noites, que antes eram dedicadas a ajustes de projetos corporativos, tornaram-se espaço para um estudo mais profundo, quase obsessivo, sobre nuances de personalidade, linguagem corporal e expressões faciais.
Ela sabia que não era algo simples. A perfeição nunca era o objetivo, mas havia um equilíbrio delicado a ser alcançado. Seu "namorado" artificial precisava ser mais do que eficiente. Ele precisava ser compreensivo, ter traços que se aproximassem do humano e fossem capazes de preencher a lacuna emocional que Amélia havia carregado durante tantos anos.
Enquanto trabalhava, as lembranças insistiam em voltar. Era quase inevitável. As palavras que ouvirá no colegial, os olhares desdenhosos na faculdade, tudo se misturava à sensação de que talvez estivesse exigindo algo que o mundo real não era capaz de oferecer.
Num desses momentos de introspecção, ela encarou a máquina que começava a ganhar forma na oficina. A estrutura metálica ainda era só um esqueleto; os cabos se entrelaçavam como veias artificiais que aguardavam vida.
- Eu só preciso de alguém que não... me decepcione - ela murmurou em voz baixa, como se confessasse um segredo para as paredes.
Apesar do cansaço físico, Amélia encontrava nesse projeto uma faísca de algo que há muito lhe faltava: propósito pessoal. Não havia mais espaço para as dúvidas que vinham de outras pessoas, nem para a solidão que a perseguia. Se ninguém no mundo fosse capaz de oferecer o que ela buscava, então ela criaria algo – ou alguém – que pudesse.