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Chapter 2 - Prólogo, cap 1 - Do céu ao inferno.

Enquanto a consciência de Lian flutuava no vazio, ele sentiu uma energia pulsante ao seu redor, como se estivesse sendo atraído por uma força maior.

Curioso e intrigado, Lian se deixou levar pela misteriosa sensação, seguindo em direção a um brilho intenso que se manifestava como um portal.

O momento da transição foi vertiginoso, uma mistura de zumbidos elétricos preenchiam seus ouvidos, enquanto uma corrente de energia percorria seu corpo, fazendo seus cabelos se arrepiarem. A sensação era estranha,calmo e pacífico, e Lian não podia evitar a curiosidade que o impelia adiante.

Então, de forma abrupta, como se tivesse sido puxado de uma realidade para outra, Lian abriu os olhos. Ele estava em meio ao caos. Destroços cobriam o chão, e prédios em ruínas erguiam-se como esqueletos contra o céu cinzento. A fumaça dos incêndios enchia o ar, sufocante, enquanto sirenes ecoavam ao longe.

Enquanto lutava para recuperar o fôlego, Lian sentia sua mente girar. Fragmentos do que parecia ser sua morte piscavam em sua cabeça como relâmpagos — o frio, o vazio, o silêncio. Mas agora ele estava ali, de pé, no meio de um lugar que ele não fazia a mínima ideia de onde ficava, ou o que diabos estava acontecendo.

Lian notou que ele próprio estava coberto de poeira e sujeira, suas roupas, aparentemente militar, estavam rasgadas e manchadas de sangue seco. Cicatrizes e ferimentos recentes marcavam seu corpo, como se ele tivesse sido violêntado por um cachorro na rua.

Lian nunca foi um cara atlético em sua outra vida, sendo um tremendo sedentário. Ele lembrava de dias passados em frente ao computador, negligenciando sua saúde física em prol de uma vida virtual.

Mas agora, diante daquele corpo marcado pela guerra e da exaustão que o consumia, ele percebeu o quão drástica havia sido a troca. O contraste entre sua vida anterior e a nova realidade em que se encontrava era gritante.

Então ele volta para realidade com um barulho ensurdecedor de uma bomba de atordoamento lançada pelos, aparentemente, inimigos. Em total estado de alerta, Lian foi abordado por um homem, provavelmente um superior militar, que gritou em sua direção, em meio ao barulho ensurdecedor.

O rosto do homem exibia traços de exaustão e tensão. Era evidente que a situação era desesperadora e cada segundo contava.

"Cabo, finalmente te encontrei!" exclamou o homem, com a respiração ofegante e o rosto coberto de suor e sujeira. Ele se aproximou de Lian com passos apressados, sua expressão refletindo uma mistura de urgência.

Lian o encarou, tentando decifrar alguma pista no semblante do homem, algo que pudesse acalmar a tempestade em sua mente. Mas nada fazia sentido. O corpo que habitava parecia estranho, as roupas que vestia não eram suas, e o caos ao seu redor era uma cena arrancada de um pesadelo.

"Quem diabos é você? O que tá acontecendo aqui? Onde eu tô?" Lian disparou, a voz cheia de pânico e desorientação. Suas palavras saíam em um tom mais alto do que pretendia, quase como um grito, enquanto seu olhar saltava de um lado para o outro, tentando entender o caos ao seu redor. "Por que tá tudo... assim? Que porra tá acontecendo comigo?"

O homem olhou para Lian com um misto de surpresa e preocupação. Era evidente que ele esperava uma reação diferente, talvez um reconhecimento imediato.

"Que merda é essa, cabo?! Não temos tempo pra isso agora! Acorda, caralho!" O tom do soldado era urgente e autoritário.

O soldado pegou Lian pelo braço, e começou a puxá-lo em direção ao pelotão aliado mais próximo. "Estamos quase cercados por aqueles filhos da puta! Temos que alcançar o esquadrão. Acorda, porra, vambora!"

Sem chance de questionar ou reagir, Lian se deixou arrastar, os pés mal tocando o chão enquanto seguiam apressados através do campo de batalha em ruínas.

Enquanto caminhava apressado atrás do homem, Lian reparava na tensão estampada nos rostos dos soldados que cruzavam seu caminho. Alguns pareciam à beira do colapso, seus olhos carregados de desespero, enquanto outros, com expressão firme, continuavam a se mover na esperança de conseguir sobreviver àquele inferno. O som incessante das armas de fogo, com estampidos que pareciam se multiplicar no ar, tornava o ambiente ainda mais opressor, formando uma sinfonia caótica.

Mas na mente de Lian, tudo estava turvo, um redemoinho de pensamentos sem sentido. Como diabos ele ainda estava vivo? Não fazia sentido algum. Como alguém que tinha morrido alguns minutos antes podia agora estar no meio de uma guerra, cercado por gente armada, sendo arrastado por um desconhecido em meio a uma carnificina? Ele tentou encaixar as peças, mas era como tentar juntar pedaços de um quebra-cabeça com imagens de diferentes mundos.

A mente de Lian vagou para longe, tentando agarrar qualquer coisa familiar. Mas ele nunca tivera experiência alguma com algo que se aproximasse de uma guerra. O máximo que conhecia de combate eram os jogos de FPS, onde a única coisa que ele tinha que fazer era apertar botões e atirar.

A única vez em que ele sequer tocou em uma arma de verdade foi quando ele se enfiou na casa de sua vizinha Raley — a contrabandista que todos no bairro, e ela tinha expostas algumas armas no balcão.

No turbilhão de lembranças, uma explosão com um som ensurdecedor da bomba ecoou como um trovão, abafando todos os outros sons e deixando seus ouvidos zumbindo, deixando-o desnorteado. O tempo parecia se esticar, e tudo ao redor parecia desacelerar, como se ele estivesse preso dentro de um filme em slow motion.

Mesmo com a audição prejudicada, Lian conseguiu captar os gritos angustiados dos soldados que testemunharam o impacto devastador. Seu olhar, ainda atordoado, dirigiu-se para o homem que estava a poucos metros dele. Ele havia sido atingido por destroços da explosão.

Seu rosto estava desfigurado. Seus lábios trêmulos tentaram articular palavras de socorro, mas a dor intensa dificultava sua comunicação. Em um grito quase sem vida, ele balbuciou, implorando por ajuda, suas palavras ecoando com dificuldade pela agonia que o consumia. "M-me a-juda c-cab...", e essa foram suas últimas palavras antes de dar seu último suspiro.

A cena diante de Lian o deixou petrificado. O rosto desfigurado e sofrido do homem clamando por ajuda ecoava em seus ouvidos. Uma onda de pânico tomou conta dele, acelerando seu coração e dificultando sua respiração.

"Boa caralho, que tiro lindo!" O grito estridente de um soldado inimigo cortou o ar, rasgando o silêncio pesado que dominava o campo de batalha. Aquelas palavras soaram como um golpe direto nos sentidos de Lian, arrancando-o do transe que o paralisava. Seu corpo reagiu por puro reflexo, virando-se rapidamente em direção à origem da voz, para encarar o homem que acabara de disparar a bazuca.

Os olhos do soldado inimigo brilhavam com um ódio visceral, misturado com um prazer sádico, como se fosse a coisa mais prazerosa que já experimentou. Seu sorriso torto, cheio de malícia, se espalhou no rosto, e Lian soube, sem precisar de mais nada, que ele estava apreciando cada segundo daquela destruição.

Os olhares de Lian e do soldado inimigo se encontraram. Em meio ao caos da guerra, o silêncio tenso se instalou, como se o tempo parasse. O odor metálico da pólvora impregnava o ar, mesclado à fumaça densa que embaçava sua visão. Explosões retumbantes preenchiam o ambiente, criando uma trilha sonora macabra para a batalha. A sensação arrepiante percorria sua espinha, lembrando-o constantemente da iminência do perigo que cercava cada movimento seu.

E então, a voz do soldado inimigo com uma frieza monstruosa, alertou a todos. "Ainda tem um vivo! Atirem nesse filho da puta!" A ordem saiu como um grito de guerra.

Lian disparou em desespero diante do grito do soldado inimigo. Mas ele conseguiu tomar uma decisão rápida, instintivamente se lançando em direção a uma pilha de escombros próxima. Ele se jogou no chão, sentindo as pedras e a sujeira arranharem sua pele, enquanto se encolhia o máximo possível para se tornar um alvo menos visível.

O som das balas cortavam o ar e as explosões próximas cercavam Lian, como se o mundo inteiro estivesse desmoronando ao seu redor. O zumbido das balas se misturava com o retumbar das explosões, criando uma sinfonia de destruição que parecia engolir o ar e apertar o peito.

Cada segundo se arrastava, uma eternidade em que Lian mal conseguia controlar sua respiração, tentando se manter o mais imóvel possível, como se esperar a sorte — ou a morte — fosse sua única chance de sobrevivência. Ele sentia a adrenalina pulsando em suas veias, o medo e a tensão gripando seus músculos, mas sua mente estava em frenesi, buscando um sentido para tudo aquilo.

Ele tentava encontrar alguma explicação, alguma lógica para aquela realidade distorcida. "Já morri uma vez. Como isso é possível? Por que diabos estou aqui de novo?", a pergunta ressoava dentro dele.

A morte, aparentemente certa, era algo que ele havia enfrentado — e agora, ali, no meio da guerra, ele se via de volta à beira dela, como se o destino estivesse zombando de sua vida e de sua morte. A angústia o consumia, e a linha entre o real e o surreal começava a se desfazer. Era um pesadelo sem fim? Uma tortura do além? Ou algum tipo de punição cruel que ele não entendia? Lian não sabia, e talvez nunca soubesse.

Na cabeça de Lian, o famoso ditado: "Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come", nunca foi tão literal. Era morrer lutando, ou morrer sem fazer nada.

Ele queria viver. Palavras surgiram como um grito de guerra em sua mente: "Que se foda, se eu vou morrer de novo aqui, que eu morra levando esse maldito comigo!" O medo ainda estava lá, mas agora era eclipsado por algo muito mais primitivo — a necessidade de lutar, de não ser um espectador passivo na própria tragédia.

Lian agarrou a arma mais próxima, seus dedos trêmulos envolvendo a metal gelado da pistola. O peso do objeto em suas mãos parecia absurdo. Nunca havia disparado uma arma antes, e a sensação de ser o responsável pela morte de alguém o aterrorizava.

Mas a adrenalina o empurrava para frente, e o pensamento de lutar - de resistir - se tornava a única coisa que lhe dava alguma coragem. Ele se escondeu atrás de uma pilha de destroços, aguardando o momento certo. O cheiro de pólvora e sangue no ar o fazia sentir-se enjoado, mas ele se forçou a se concentrar, a respirar de forma controlada, a esperar.

Os segundos pareciam uma eternidade, os sons da batalha ao redor diminuindo até se transformarem em um murmúrio distante. Então, logo em seguida veio o cessar-fogo, fazendo com que os soldados ao redor paracem momentaneamente.

Lian não sabia o que isso significava, mas sabia que era sua chance. O soldado inimigo, sem perceber sua posição, se aproximava, os passos pesados no chão ecoando. O suor escorria pela testa de Lian enquanto ele ajustava a arma, preparando-se para agir.

Com um movimento rápido, ele se levantou, e o instinto o guiou: o dedo pressionou o gatilho. Mas o clique que soou foi o som mais cruel que já ouviu; a arma estava descarregada.

O horror tomou conta dele num instante, uma sensação de impotência esmagadora, como se o tempo tivesse parado. O soldado inimigo reagiu instantaneamente, sacando sua pistola com uma agilidade mortal.

"Merda!" Lian pensou, mas não teve tempo para mais nada. O soldado disparou sem hesitar, quatro tiros seguidos, cada um soando como trovões. O primeiro acertou seu ombro, o segundo o peito, o terceiro rasgou sua barriga. O último foi o mais fatal, atingindo seu intestino.

Lian caiu para trás, seu corpo em estado de choque. A dor era insuportável, uma onda de fogo consumindo suas entranhas. Ele não conseguia respirar direito, cada suspiro era como se fosse uma facada. A visão começava a falhar, e a realidade parecia se distorcer mais uma vez, como se estivesse sendo puxado para longe de si mesmo.

O medo da morte era imenso, mas uma sensação de desespero tomou seu lugar. Ele queria gritar, mas só saia sons de gemidos abafados de dor.

O soldado inimigo se aproximou lentamente, seu rosto impassível, os olhos com uma expressão de desdém. Ele passou as mãos pelas roupas de Lian, vasculhando-o com precisão, buscando outras armas. Os olhos de Lian estavam pesados, a visão embaçada. Quando o soldado se afastou um pouco, ele olhou para Lian com um sorriso de canto de rosto.

"Isso é o que lixos como vocês merecem, otário", disse o inimigo, sua voz carregada de escárnio. O soldado cuspiu no seu rosto, a saliva escorrendo pela sua pele. Ele então ergueu a pistola mais uma vez, e sem mais palavras, disparou um último tiro fatal, diretamente no coração de Lian.

O impacto final foi absoluto. Lian sentiu uma onda de calor e escuridão tomar conta dele, e antes que pudesse compreender completamente o que acontecia, a consciência se dissipou como fumaça no vento. Ele morreu novamente.

E então, como um ciclo sem fim, ele se viu de volta ao ponto em que tudo havia começado, em um lugar que parecia o reflexo de sua morte anterior. A angústia o sufocava, e ele não sabia se seria capaz de suportar aquilo mais uma vez...