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O Vel das Sombras

🇧🇷Theo_Santos
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Chapter 1 - Capítulo 1: O Encontro nas Sombras

O bosque parecia respirar, como se fosse uma entidade viva e consciente. Cada árvore, com seus galhos retorcidos, lançava sombras que dançavam de forma errática com o vento, criando figuras que desafiavam qualquer entendimento lógico. O cheiro do musgo, úmido e metálico, impregnava o ar, tornando-o pesado e abafado. O solo, irregular e coberto por uma manta espessa de folhas caídas, parecia murmurar sob os pés de Lys, como se o próprio chão estivesse ciente de sua presença. A cada passo que ela dava, o bosque parecia se intensificar ao redor dela, engolindo-a lentamente, como se tentasse entender a natureza daquela alma que se atrevia a caminhar entre suas sombras.

Lys continuava sua jornada sem pressa, sabendo que a caminhada seria longa. Mas não era a distância que pesava em seu espírito. Era o sentimento inquietante de estar em um lugar onde os limites entre o mundo dos vivos e o dos mortos eram tênues demais para serem ignorados. Ela sabia que o bosque era mais do que apenas um espaço físico; era um ponto de convergência, onde as forças da natureza, do além e da própria morte se entrelaçavam. O bosque atraía os que, como ela, buscavam algo que não podiam encontrar em outro lugar "refúgio", sim, mas também algo mais profundo e perigoso.

A imagem de sua matriarca, uma figura imponente que sempre exercia uma autoridade esmagadora sobre ela, ressurgiu na mente de Lys. Ela se forçava a afastar esses pensamentos, mas era difícil. Afinal, sua linhagem não era apenas uma herança de poder, mas uma maldição que a atormentava, que a seguia como uma sombra, pesando sobre seu espírito como um fardo impossível de remover. Aqui, nesse bosque, ela esperava encontrar algum tipo de libertação, um intervalo da constante opressão que sentia em sua vida.

O silêncio do bosque, profundo e quase absoluto, foi interrompido por um som quase imperceptível — uma movimentação sutil, como se algo ou alguém tentasse se mover sem ser detectado. Lys imediatamente parou. Seus sentidos, apurados e sempre em alerta, captaram a presença de uma figura. Não era humana, disso ela tinha certeza. Havia algo ali, algo que não se encaixava com o restante do mundo que ela conhecia. Ela não viu nada de imediato, mas sentiu. O ar ao redor dela parecia tenso, carregado, e o som distante, quase inaudível, continuava.

Foi então que ela o viu. Uma figura entre as árvores. A princípio, ele parecia ser apenas uma extensão do próprio bosque. Seu corpo era impreciso, borrado, como se ele fosse feito de sombras, dissolvendo-se nas trevas. Ele se movia com a naturalidade das árvores e das folhas, como se fosse uma parte essencial daquele lugar. Lys permaneceu imóvel por um momento, sem saber se ele realmente estava ali ou se era mais uma visão que o bosque queria lhe mostrar. Mas então, os olhos dele brilharam na escuridão, dois pontos de luz intensa que fixaram nela, fazendo-a hesitar, mesmo estando preparada para a possibilidade de perigo.

A voz dele surgiu como um sussurro profundo, mas carregado de uma melancolia que parecia ter sido forjada pelas próprias árvores. "Quem é você que ousa caminhar por este bosque?"

Lys, com os sentidos aguçados, inclinou a cabeça, avaliando a figura à sua frente. Ele não era humano, isso estava claro. Sua presença emitia um frio sutil, algo que ela sentia frequentemente em seres sobrenaturais, mas com um toque diferente, um toque mais primal. Ele era, sem dúvida, um ser das sombras, mas não como qualquer um que ela tivesse encontrado. Ele parecia mais próximo da própria essência do bosque, como uma entidade que havia nascido ali.

"Quem pergunta?" ela respondeu, mantendo o tom firme, mas sem hostilidade. Era uma resposta cautelosa, uma maneira de medir a situação sem dar muito de si.

Ele avançou um passo, sem que seus pés tocassem o chão. Em um movimento fluido, sua figura parecia se dissolver nas sombras ao seu redor, como se ele fosse mais uma extensão da escuridão do que uma criatura independente. Isso deixou Lys desconfortável, pois ela não estava acostumada a sentir-se tão… deslocada.

"Alguém que pertence a este lugar mais do que você jamais pertencerá," ele disse, e suas palavras ecoaram na mente de Lys de maneira inquietante.

Ela o observou atentamente, sentindo uma ponta de frustração. A palavra "pertencer" parecia incomodá-la profundamente. Ela mesma nunca pertencera a lugar algum, não desde que se viu marcada pela linhagem a que pertencia. A ideia de pertencimento, para alguém como ela, era uma ilusão, uma farsa imposta por aqueles que governavam o destino dos outros.

"Você me vê como uma ameaça?" Lys perguntou, mantendo-se calma, mas com a mão preparada para uma possível reação. Sua mente estava atenta, percorrendo rapidamente as possibilidades de ação, caso precisasse se defender.

Ele hesitou por um momento, sua expressão permanecendo inexpressiva, mas os olhos, aqueles olhos tão profundos e penetrantes. Pareciam examinar cada centímetro de sua alma.

"A ameaça não vem de você," ele respondeu finalmente, sua voz se tornando mais grave. "Mas do que carrega consigo."

Lys sentiu um frio subir pela espinha. Ela sabia exatamente do que ele estava falando, mas como ele poderia saber? O que ele sabia sobre a sua linhagem, sobre sua matriarca, sobre a marca que pesava sobre sua vida? Havia algo mais naquelas palavras. Algo que ela não conseguia entender totalmente.

"E você?" ela retrucou, sua voz mais firme. "Você parece mais parte deste bosque do que qualquer outra coisa. Isso me torna sua inimiga?"

Ele não respondeu de imediato. Durante um breve momento, sua expressão suavizou, e Lys teve a impressão de que ele estava lutando contra algo interno

uma dúvida, talvez, ou uma parte de sua própria existência que ainda o mantinha preso àquele lugar.

"Eu não escolhi estar aqui," ele disse, os olhos vagando pelas árvores que o cercavam. "Assim como você."

Lys o observou com mais atenção. Ela sentia que ele estava preso ao bosque de alguma forma, tão incapaz de escapar quanto ela estava de sua linhagem. Havia algo naquele ser, uma conexão com a escuridão ao redor, que parecia refletir sua própria luta interna.

"Se não é por escolha, então o que o mantém aqui?" ela perguntou, interessada, embora não sem uma pitada de cautela.

"Um pacto," ele respondeu, a palavra saindo de seus lábios com um peso que parecia contido em cada sílaba.

Lys franziu a testa. A palavra "pacto" a fez lembrar de histórias antigas, de pactos feitos entre criaturas imortais e forças além da compreensão humana. Pactos que amarravam almas para sempre, que concediam poder, mas também traziam maldição. Ela sentiu uma familiaridade perturbadora com aquilo. Havia algo em seu tom que a fez pensar que ele estava mais preso do que ela, mais marcado, mais perdido.

"O que quer que você seja," ela disse, cruzando os braços, o olhar fixo, mas não desafiador, "não parece estar em posição de me ameaçar."

Ele sorriu, mas o sorriso era vazio, desprovido de calor ou alegria. "Nem tudo precisa de ameaça para ser perigoso."

As palavras caíram sobre ela como uma lâmina afiada, e um calafrio percorreu sua espinha. Havia algo naquelas palavras que não soava como uma simples advertência, mas como uma verdade amarga. Ele parecia estar dizendo algo mais, algo que ela não queria ouvir, e, ainda assim, não sabia como escapar de sua própria curiosidade.

Enquanto isso, o bosque continuava a observá-los. Sua presença, fria e silenciosa, se fazia sentir em cada árvore, em cada brisa que balançava as folhas. O silêncio parecia estar se tornando mais opressivo, mais denso à medida que a conversa entre eles se desenrolava. O bosque, esse ser consciente e antigo, parecia estar atento a tudo, como se aguardasse o momento certo para intervir.

Lys olhou ao redor novamente, os olhos se estreitando enquanto ela sentia as sombras se tornando mais densas, mais vivas, como se o próprio bosque estivesse se fechando sobre eles. Ela sabia que aquele lugar não tolerava a presença de intrusos por muito tempo. O bosque tinha seus próprios caprichos, seus próprios desejos, e ela nunca havia sido bem-vinda ali.

"Se não somos ameaças um ao outro," Lys disse, quebrando o silêncio pesado, "então por que estamos aqui?"

"Essa é uma pergunta para o bosque," ele respondeu, quase como um sussurro, sua voz carregada de uma resignação que não passava despercebida por ela.

Lys percebeu que ele também estava tentando entender o motivo de seu encontro. Ambos sabiam que isso não era casual. Não era coincidência. O que o bosque queria deles? O que estava prestes a acontecer?

Mas o bosque não daria respostas facilmente. Assim como as histórias contadas por aqueles que haviam se perdido em seus limites, o bosque só ofereceria o que ele decidisse. E, naquele momento, o bosque parecia mais uma presença distante do que uma força compreensível.

O som distante, como um rugido abafado, ecoou através do bosque, interrompendo seus pensamentos. Ambos pararam e olharam na direção do som, sem dizer uma palavra. O que quer que fosse, era grande e poderoso, e o som fazia as árvores tremerem.

Sem palavras, eles sabiam que o bosque não estava terminado com eles. O que quer que fosse, o próximo movimento do bosque era inevitável, e eles teriam que tomar uma decisão: seriam aliados ou inimigos? O bosque, como sempre, faria a escolha por eles.

Aqui está a segunda página do Capítulo 1, com a continuação e expansão do enredo e a profundidade nas interações entre Lys e Argel, além das descrições do ambiente e da atmosfera que os cercam.

O bosque, ainda envolto em sombras densas, parecia se expandir a cada segundo, como se estivesse se preparando para engolir tudo à sua volta. O silêncio era palpável, mas também inquietante. Lys sentia a pressão crescente, como se algo no ar estivesse mudando, como se o próprio ambiente estivesse reagindo à sua presença. Ela podia ouvir a leveza do vento, o sussurro das folhas, mas nada parecia real. Cada som, cada movimento, parecia um reflexo do próprio lugar, como se o bosque estivesse tentando se tornar mais vivo, mais consciente de sua existência.

Os olhos de Argel estavam fixos nela, mas não com a intensidade ameaçadora que ela imaginara. Havia algo mais profundo naquele olhar, algo que ela ainda não conseguia decifrar. Ele era uma sombra, uma presença que parecia tão inconstante quanto o próprio bosque, mas havia uma fragilidade em sua forma, algo que o tornava vulnerável, como se ele estivesse preso a algo maior do que ele mesmo.

"Você... você não pertence a este lugar, assim como eu não pertenço ao meu," disse Argel, sua voz suave, mas carregada de um peso que parecia transbordar de seu ser. Ele parecia mais humano, mais próximo da realidade quando falava, mas ainda assim, o ar ao seu redor não era normal. A sensação de estar em presença de algo que não se encaixava na lógica do mundo real estava se tornando insuportável.

Lys o observava com mais intensidade. "Eu não pertenço a lugar nenhum, mas isso não significa que eu tenha que me sentir desconfortável em qualquer lugar." Sua voz estava firme, mas havia uma leve hesitação. Ela não gostava de admitir que sentia alguma conexão com o ser diante de si. Ele, de alguma maneira, a fazia lembrar de sua própria prisão. Não física, mas mental, ligada à linhagem de sua matriarca. O pacto de sua linhagem a mantinha cativa, e agora, parecia que aquele pacto com o bosque a colocava à mercê de algo ainda mais indefinido e perigoso.

"Mas você sente, não é?" ele perguntou, e havia uma pitada de compreensão em sua voz. "Este lugar… esse bosque… ele conhece os que entram aqui. Ele sabe quem você é, o que você carrega."

Lys sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele estava certo. O bosque sabia. Ele sempre soubera, talvez mais do que ela mesma. Não era uma questão de ser vista ou reconhecida, era uma questão de destino. O bosque não a acolhia, não a aceitava, mas a vigiava. Observava. E ela sabia que aquele ser, Argel, também estava marcado por algo invisível, algo que o fazia tão presente e ao mesmo tempo tão distante.

"E você? O que o mantém aqui?" Lys questionou, tentando desviar o foco de sua própria vulnerabilidade. Ela não estava disposta a ceder às suas próprias dúvidas. Era melhor, mais seguro, manter o controle da situação. Mas havia algo naquela presença de Argel que a fazia sentir-se exposta, como se ele pudesse ver até os recantos mais profundos de sua alma. Ele estava, de alguma forma, mais conectado ao bosque do que ela jamais poderia ser.

Argel olhou para as árvores ao redor, como se buscasse uma resposta nas sombras que os envolviam. "O que me mantém aqui..." Ele fez uma pausa, como se as palavras fossem difíceis de encontrar, ou talvez fosse o peso da verdade que o impedia de continuar. "Eu sou parte deste lugar. Como se o bosque fosse minha prisão, e eu sua sombra."

A resposta não era clara, mas havia algo inquietante nela. Lys sentiu que ele estava escondendo algo, e um pressentimento percorreu sua mente. Ele não estava falando de um simples vínculo com o bosque, mas de uma conexão muito mais profunda, que talvez tivesse origem no próprio pacto que ele fizera.

"E o que é esse pacto?" Lys perguntou, mais uma vez se sentindo compelida a entender, apesar de saber que o preço do conhecimento naquele lugar poderia ser alto demais.

Ele virou-se lentamente para ela, seu olhar se tornando ainda mais penetrante. "Os pactos são mais do que promessas feitas. São correntes invisíveis que nos prendem, nos limitam. E às vezes, elas nos moldam de maneiras que nem sequer compreendemos. Eu fiz um pacto, mas agora é ele que me controla. O bosque, as sombras… tudo isso é parte de minha condenação."

Lys estava começando a entender o que ele queria dizer, mas não conseguia ver como aquilo a ajudaria. Ela sabia que, como ele, ela também estava marcada. Sua linhagem, sua matriarca — tudo aquilo que a tornava quem ela era, era também o que a prendia. Mas ela não era tão fraca quanto ele parecia ser. Ela não se submeteria a um destino sem lutar.

"Você parece… em paz com isso. Como se não houvesse saída," Lys disse, tentando esconder o julgamento em sua voz. Ela não podia entender como alguém poderia se resignar a um destino tão sombrio, sem tentar ao menos lutar contra ele. O pacto de sua linhagem, embora cruel, nunca a fez perder a esperança. Ou talvez tivesse perdido há tanto tempo que nem se lembrava mais.

Ele olhou para ela com uma expressão vazia, como se ela fosse um reflexo de sua própria luta. "O que você acha que acontece quando você perde tudo? Quando não há mais esperança, apenas a escuridão ao redor, o silêncio de um lugar que não lhe pertence? O pacto é uma prisão, mas uma prisão confortável, porque não há mais escolhas. Talvez, para mim, isso seja tudo o que restou."

Lys não sabia o que dizer. As palavras dele se alojaram em sua mente, fazendo-a repensar sua própria visão sobre o que estava enfrentando. Ela havia sido condicionada a lutar, a sempre buscar uma saída, a se rebelar. Mas e se a rebeldia fosse inútil? E se, no final, o destino fosse mais forte que sua própria vontade?

O som distante do bosque retornou, um ruído baixo e profundo que parecia ecoar do coração das árvores. Um som familiar e ao mesmo tempo ameaçador. Lys e Argel se viraram ao mesmo tempo, instintivamente sabendo que algo estava prestes a acontecer. Algo no ambiente havia mudado. O bosque não estava mais observando; ele estava se preparando para agir.

O que quer que fosse, o momento de decidir estava próximo. E Lys sabia, sem sombra de dúvida, que o bosque faria a escolha por ela, assim como escolheria por Argel. Eles estavam, de alguma maneira, entrelaçados no destino que o bosque decidira para eles. E agora, como todas as almas que ousaram adentrar aquele lugar, restava-lhes uma única questão: seriam aliados ou inimigos?

E, talvez, mais importante ainda: como poderiam sair de lá vivos?

O silêncio que se seguiu ao rugido distante parecia mais denso do que nunca, como se o próprio ar estivesse comprimido pela pressão invisível que agora os envolvia. Lys sentiu um calafrio percorrer sua espinha, e seu instinto, aquele que sempre a guiava em momentos de perigo, dizia-lhe que o bosque estava mais vivo do que nunca. Era como se ele estivesse observando, esperando a próxima jogada, com olhos invisíveis que podiam ver além do que qualquer ser humano poderia compreender.

Argel, por outro lado, permanecia imóvel. A tensão em seu corpo era palpável, como se ele estivesse lutando contra algo que não podia controlar. Lys percebeu que sua postura havia mudado ligeiramente, mais desconfiada, como se o som distante tivesse mexido com ele de uma maneira que ele não estava disposto a admitir.

"Você ouviu isso?" Lys perguntou, a voz mais suave agora, um reflexo da inquietação que começava a tomar conta de seu ser.

"Eu ouvi," respondeu Argel, mas suas palavras estavam pesadas, como se ele estivesse tentando processar o significado do que acabara de acontecer. "O bosque está nos testando. Ou talvez... nos chamando."

A resposta dele não trouxe a clareza que Lys esperava, mas algo em seu tom a fez sentir um desconforto profundo. Não era apenas o som do bosque que os estava desafiando, era a presença de Argel, e o que ele sabia sobre aquele lugar, que parecia ser mais do que ele queria revelar. A ideia de estar lidando com um ser que não apenas conhecia o bosque, mas parecia entender sua essência, a inquietou ainda mais.

"Chamar? Para quê?" Lys não conseguiu esconder a incredulidade em sua voz, mas logo a disfarçou com um suspiro, tentando manter sua postura de controle. Ela não podia permitir que ele percebesse o quanto aquele lugar estava abalando suas certezas. Não podia se dar ao luxo de se mostrar vulnerável, principalmente para um ser tão enigmático quanto ele.

Argel deu um passo à frente, como se a proximidade com ela fosse a única coisa capaz de fornecer-lhe alguma sensação de segurança. Mas ele não parecia realmente à vontade; seus olhos estavam focados em algum ponto distante, além das árvores que os cercavam.

"Eu não sei exatamente o que o bosque quer de nós," disse ele finalmente, sua voz mais baixa, carregada de uma sensação de impotência. "Mas isso... isso nunca é simples." Ele olhou para ela, como se medisse suas palavras antes de continuá-las. "O que quer que o bosque nos tenha reservado, não será sem sacrifícios."

Lys balançou a cabeça, frustrada. Sacrifícios? Ela já estava familiarizada com sacrifícios, com os fardos que sua linhagem lhe impusera. Mas não era isso que a incomodava; era a sensação de que algo maior do que qualquer um de nós poderia compreender estava se desenrolando ali, e ela não conseguia ver as peças do quebra-cabeça.

"Eu não sou nenhuma criança, Argel," disse ela, sua voz se tornando mais firme. "Eu não vou cair nas armadilhas deste lugar como você parece estar fazendo."

Aquela última frase a deixou com um gosto amargo na boca. Ela sabia que havia algo mais naquelas palavras, algo que ela própria não queria admitir.

Talvez ela estivesse tão perdida quanto ele naquele cenário. Talvez o que a incomodava mais não fosse o fato de estar diante de um ser desconhecido e sombrio, mas a percepção de que ela mesma poderia ser tão vulnerável quanto ele naquele momento.

Ele a olhou, mas não respondeu imediatamente. Seus olhos brilharam com uma intensidade que fez o ar ao redor deles parecer ainda mais frio. E foi então que Lys percebeu: ele não estava mais olhando para ela. Seus olhos estavam fixos em algo atrás dela, algo que ele parecia ter visto antes que ela sequer tivesse chance de se virar.

"Ele esta vindo," disse Argel, e, pela primeira vez, sua voz não soou tão confiante. "E não estamos preparados."

Lys virou-se rapidamente, seus sentidos alertas, enquanto a escuridão ao redor delas parecia se espessar. A sensação de ser observada, agora mais do que nunca, tomou conta de seu corpo. Ela sentia o peso da escuridão, como se o próprio bosque estivesse se contraindo ao seu redor, a cada segundo mais denso, mais intransponível. As árvores pareciam se curvar em direção a elas, como se quisessem engolir tudo o que fosse estranho, tudo o que não pertencesse ali.

A distância, entre as sombras das árvores, algo começou a se mover. Não era humano, e não era qualquer coisa que ela pudesse nomear. Era uma forma indefinida, uma silhueta que parecia misturar-se com a escuridão do próprio bosque. Lentamente, ela foi se aproximando, seus passos não fazendo som algum, como se estivesse se materializando a partir do nada.

Lys sentiu a pressão em seu peito aumentar. Aquilo não era um simples ser; era algo que ela nunca poderia esperar encontrar, nem mesmo em seus piores pesadelos. Era uma manifestação do próprio bosque, um reflexo de sua natureza sombria. Não era uma criatura. Era uma extensão do que aquele lugar representava...a escuridão, a confusão, o medo.

"Isso... isso não é bom," murmurou Argel, sua voz tremendo. Ele recuou um passo, seu corpo se tensionando, como se estivesse pronto para se afastar a qualquer momento.

Lys sabia que o momento de tomar uma decisão estava se aproximando. O que quer que fosse aquela coisa, ela não podia mais se esconder. Ela se preparou mentalmente, tentando reunir toda a força que lhe restava. Mas ao olhar para Argel, algo na expressão dele fez com que ela hesitasse. Ele não estava mais lutando contra a situação, ele parecia resignado, como se a batalha já estivesse perdida.

"E agora?" Lys perguntou, mais para si mesma do que para ele, a resposta escapando de seus lábios antes que ela pudesse sequer pensar no que estava dizendo.

O ser se aproximava cada vez mais, e uma sombra crescente, cada vez mais opressiva, começava a tomar conta de tudo ao redor deles. O bosque não estava mais sendo apenas um local, mas uma força ativa que parecia exigir algo. Lys olhou novamente para Argel, e pela primeira vez, soube que a decisão estava em suas mãos.

Lys ficou imóvel, seus olhos escuros fixos na figura que surgia das sombras. Ela sentia o vento frio acariciar sua pele, puxando seus cabelos de ébano para trás, como se o bosque estivesse tentando prendê-la ali, como uma marionete das próprias trevas. Seus dedos, longos e ágeis, apertaram a empunhadura da lâmina escondida em sua cintura, um gesto automático, quase instintivo. A lâmina, um artefato ancestral que ela carregava desde que se lembrava, era mais do que uma arma; era uma extensão de si mesma, uma defesa contra o desconhecido, contra a escuridão que sempre a perseguia.

A criatura à frente deles continuava a se aproximar, o som do seu movimento inaudível, como se o próprio bosque a engolisse e a regurgitasse, misturando-a com o vento e as sombras. Lys não sabia o que esperar. O que quer que fosse aquela presença, ela não estava disposta a esperar pacificamente que se revelasse. Seus músculos se tensionaram, mas ela sabia que precisava se manter calma, precisa calcular cada passo, cada movimento.

"O que é isso, Argel?" ela sussurrou, sua voz baixa, carregada de um temor sutil, mas controlado. Ela não queria que ele soubesse o quanto estava assustada, mas sua mente gritava por uma resposta. Algo em sua mente dizia que aquela criatura não era apenas uma defesa do bosque, mas uma manifestação de seu próprio medo.

Argel, de pé ao lado dela, não respondeu imediatamente. Ele olhou para o ser que se aproximava com uma expressão de indecisão. Lys percebeu a tensão em seus ombros e na forma como seus olhos cintilavam na penumbra, refletindo a luz das sombras como se ele estivesse observando uma calamidade iminente. Mas havia mais do que medo em seu olhar. Havia uma resignação, como se ele já soubesse o que estava por vir, como se estivesse preso em um destino que não poderia mais escapar.

O ar ao redor deles ficou mais pesado. Lys sentiu a opressão da atmosfera crescer, quase como se o próprio bosque estivesse se fechando em torno de seus corpos. As árvores, antes apenas sombras em movimento, agora pareciam torcer-se e se entrelaçar, formando um labirinto de madeira e folhas que os isolava de qualquer fuga. A luz da lua parecia mais distante, como se o próprio céu estivesse afastando-se deles.

"Você sente isso?" Lys perguntou, seus olhos se movendo rapidamente de um lado para o outro, tentando avaliar o que poderia estar acontecendo ao seu redor. As sombras, mais do que nunca, pareciam se mover com uma intenção própria, como se estivessem observando, esperando.

"Sim," respondeu Argel, sua voz baixa, carregada de uma tristeza antiga. "Eu sinto."

Lys o observou mais de perto, seus olhos rastreando sua postura rígida. Ele estava um pouco mais afastado, seu corpo tenso, mas algo estava diferente nele. Seus cabelos, antes desordenados pelo vento, agora estavam perfeitamente alinhados, caindo sobre seus ombros em ondas suaves. Ele não parecia mais uma sombra entre as árvores, mas algo mais... real. As sombras, antes parte de seu ser, pareciam agora mais distantes. Ela sentiu uma mudança, uma quebra na fusão entre Argel e o bosque.

"Você..." Lys começou, mas as palavras se perderam quando ela percebeu que ele estava começando a se desvincular da presença do bosque, como se a sombra que o cercava estivesse finalmente se dissipando. Seu olhar, que antes era vazio e distante, agora parecia mais humano, mais focado. Ela não soubera até aquele momento que ele tinha algo de irreal, algo intangível em sua essência. Agora, com as sombras se afastando dele, Lys podia ver mais claramente.

Ele tinha um olhar penetrante, de um azul profundo como o céu de uma noite sem estrelas. Seu rosto, antes indistinto, agora mostrava traços finos, quase etéreos, mas com uma força silenciosa em sua expressão. As linhas de seu rosto eram nítidas, e seus lábios, ainda que pálidos, formavam uma expressão séria, como se ele estivesse ciente da gravidade do momento.

Seus ombros eram largos, sua postura mais sólida, e havia algo de imponente em sua presença agora. Ele não estava mais apenas uma sombra flutuante, mas algo mais concreto, mais presente. As sombras do bosque se afastavam dele, como se temessem sua própria natureza, e Lys percebeu, com um arrepio, que ele não era uma vítima do bosque,ele fluia com a energia do bosque,ele era uma parte essencial dele. Talvez até mais do que ela queria admitir.

"Eu... não sabia que você era..." Lys murmurou, mas parou ao perceber o que isso implicava. Ela se afastou um passo, seus olhos fixos no que antes parecia ser uma mera figura espectral, mas agora se mostrava algo mais sólido, mais perigoso.

"Não sou mais parte deste lugar, também não devo nada a você," Argel respondeu, sua voz mais forte agora, mais determinada. Ele deu um passo à frente, os pés firmemente tocando o solo. Lys observou como ele parecia em sintonia com a terra, como se a energia do bosque ainda fluísse através dele, mas agora de maneira diferente, mais controlada. Como se ele fosse agora algo mais do que uma marionete das sombras, algo mais do que uma extensão do medo do bosque.

A criatura à frente deles parecia hesitar, seus movimentos desacelerando. Era como se o ser que vinha em direção a eles estivesse avaliando as mudanças ao redor. Lys percebeu que a presença de Argel havia alterado o equilíbrio. Ele não era mais uma ameaça indireta, mas um ponto de resistência ao que se aproximava.

"Você sabe o que é isso?" Lys perguntou novamente, sua voz mais firme, mas ainda cheia de curiosidade. Ela não podia mais ignorar a estranha conexão que se formava entre ela e Argel. Algo no ar tinha mudado, algo que ela não podia mais ignorar. O bosque, em sua essência, agora parecia tomar consciência do que acontecia.

"Eu sei," Argel disse finalmente, virando-se para encarar Lys com um olhar mais direto. "Mas não posso explicar. Não agora."

A criatura diante deles, ao ouvir as palavras de Argel, recuou por um momento, como se estivesse se avaliando. E foi nesse momento que Lys notou, pela primeira vez, que ela mesma estava se sentindo diferente. Sua percepção do mundo parecia alterada, como se ela estivesse se distanciando da realidade, como se o lugar ao seu redor estivesse começando a se distorcer de maneiras que ela não podia controlar.

Ela olhou para as árvores ao seu redor, vendo as formas se torcerem e se contorcerem, mas agora de maneira mais fluida, mais sensível. A natureza do bosque parecia reagir a ela e a Argel, como se ambos fossem uma parte essencial de sua própria existência. E ao mesmo tempo, ela sentiu que a linha entre o que era real e o que era apenas uma ilusão estava começando a se borrar.

O som do vento que balançava as folhas parecia mais distante agora, mais abafado. E quando Lys olhou para Argel, algo dentro dela se acendeu, uma compreensão silenciosa. Eles estavam em um impasse, um ponto crítico onde as escolhas que fizessem agora moldariam não apenas o destino deles, mas também o destino do próprio bosque.

"A criatura…" Lys começou, mas sua voz falhou ao tentar encontrar as palavras certas. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas podia sentir que algo estava se aproximando, algo que mudaria tudo. Eles não estavam mais sozinhos, e a presença do bosque não era a única coisa a ser temida. Havia algo mais no ar, algo que se aproximava, silencioso e ameaçador, e ela não sabia o que faria para enfrentá-lo.

Argel deu um passo à frente, como se finalmente tivesse tomado uma decisão. "Prepare-se."

Lys permaneceu ali, imóvel, seus olhos fixos na criatura que ainda os observava, aguardando o momento certo para atacar ou recuar. Argel observava-a com um olhar mais atento agora, absorvendo cada movimento, cada nuance de sua postura. Havia algo sobre ela que ele não conseguia desvincular de sua própria essência — algo que o atraía, mas ao mesmo tempo o fazia recuar, como se sua presença fosse mais do que o corpo de uma simples morta-viva. Seus traços eram graciosos, mas sua aura estava imersa em algo mais sombrio, mais denso. Ele notava o brilho do cabelo escuro que dançava com o vento, os fios soltos que caíam sobre seu rosto, parcialmente ocultando os olhos, mas sem esconder sua intensidade.

Seus olhos, aqueles olhos negros que pareciam absorver toda a luz ao seu redor, refletiam algo distante e profundo. Argel percebeu que ela não estava apenas reagindo às situações como ele próprio, mas carregava algo interno, uma energia que se entrelaçava com sua essência vampírica, algo que ele começava a entender, mas que não conseguia colocar em palavras. Havia uma força nele, sim, mas a força dela parecia se manifestar de maneira mais silenciosa. Ela tinha algo como um presságio de força que não precisava de palavras. Como se o próprio bosque soubesse o que ela era capaz de fazer, e talvez por isso se comportasse da maneira como estava.

O som do vento, aquele sussurro suave e constante, tornou-se mais alto enquanto Argel continuava a estudar Lys. Ele viu o modo como seu corpo, embora esguio, estava tenso, como se uma tensão não resolvida estivesse sempre prestes a explodir. Ela não era apenas uma criatura de sombras, uma vampira. Não, ela carregava a maldição da linhagem, uma linhagem que, por algum motivo, parecia mais forte do que qualquer maldição que ele mesmo carregava. Seu olhar, aquele olhar intenso, não buscava refúgio. Não estava fugindo, como tantas criaturas de seu tipo o fariam. Ela encarava as sombras com uma audácia peculiar, como se fosse dona de cada espaço, de cada lugar que tocava.

Argel sentiu algo desconhecido mexer dentro dele, algo que nem o pacto que o prendia ao bosque conseguia dissolver. Algo que ele estava começando a aceitar, mas não compreendia completamente. Ele havia visto muitas coisas ao longo de sua existência, mas nunca uma criatura como Lys. Nunca alguém tão marcada pelas sombras e, ao mesmo tempo, tão conectada com a luz que se escondia dentro delas.

Ela não se movia. Não se afastava, como ele imaginava que faria. Em vez disso, estava pronta. As mãos de Lys estavam relaxadas, mas Argel sabia que cada músculo de seu corpo estava preparado para reagir. Ela tinha uma agilidade inata que parecia ir além de qualquer treinamento ou experiência. Ele podia ver os reflexos de suas memórias de combate, os ecos de uma guerreira que já enfrentara a morte muitas vezes. Seus lábios estavam ligeiramente curvados, mas não com um sorriso. Era mais uma expressão de quieta concentração.

Ela era bela, sem dúvida, mas não uma beleza qualquer. Era a beleza de uma tempestade, algo arrebatador, selvagem, mas com um controle inato sobre o caos que criava ao seu redor. Sua presença impunha respeito, e a magia que a seguia parecia se curvar a sua vontade.

Enquanto o vento continuava a sussurrar, os galhos das árvores mais próximas pareciam vibrar levemente, como se estivessem se preparando para algo. O bosque, com suas sombras que agora pareciam mais densas, começava a reagir à presença deles dois, e Argel podia sentir isso claramente. Algo estava para acontecer.

Ele olhou para Lys uma última vez antes de desviar o olhar, sentindo o peso de uma escolha que estava prestes a ser tomada. O bosque não toleraria a hesitação. Ele sabia disso. E ainda assim, por um momento, ele desejou que não fosse apenas sobre a sobrevivência. Não sabia por quê, mas havia algo nela que o fazia sentir... mais. Mais do que o pacto que o prendia, mais do que o vazio de sua existência antes de encontrá-la. O desejo por algo desconhecido, algo que ele havia perdido há muito tempo, começou a crescer dentro dele, como uma chama moribunda que começava a reacender.

A criatura à frente deles emitiu um som baixo, quase inaudível, um murmúrio que parecia pertencer à terra em si. Lys franziu a testa, claramente alertando-se. Algo estava acontecendo. Algo estava prestes a se revelar. O ar parecia espesso, denso de expectativa, como se o próprio bosque os estivesse observando, esperando que eles decidissem o que fazer a seguir. A tensão no ar era palpável.

Lys deu um passo à frente, suas botas negras com veias vermelho sangue, pesando levemente sobre o solo macio, mas a pressão no ambiente aumentou, tornando cada movimento mais complicado, como se o próprio espaço ao seu redor estivesse sendo comprimido. As árvores ao seu redor começaram a se mover, mas não de forma natural. As sombras se estendiam, os galhos se torciam e se dobravam, como se estivessem cientes de cada respiração que ela dava.

Argel deu um passo atrás, seu corpo instintivamente se afastando, como se ele soubesse que o momento se aproximava. O bosque estava prestes a reagir. A decisão deles não poderia mais ser adiada.

Ele olhou novamente para Lys, e por um momento, sentiu um profundo pesar por tudo o que os unia... e os separava. Ele não sabia se poderia confiar nela, mas uma parte de seu ser já estava envolvida de maneira que não poderia mais retroceder.

O som do movimento das árvores ficou mais forte, mais frenético, e Lys se preparou. O que quer que fosse que se aproximava, ela não iria ceder sem lutar.

"Estamos prontos?" ela perguntou, sem olhar para Argel. Ela sabia que ele não tinha respostas, mas a pergunta precisava ser dita.

Antes que Argel pudesse responder, o bosque se abriu diante deles com um estrondo, e uma sombra maior que todas as outras emergiu das profundezas, vindo em sua direção.

Lys foi a primeira a reagir.

Fim do Capítulo 1

Próximo capítulo: O Sussuro da Maldição.

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