Companheira? Ela não sabia o que era, mas pela maneira como Vixtra respirou fundo no canto da sala era algo importante. Ela soltou o queixo do macho, sentindo-se descontente com a falta do contato pele a pele e não entendendo essa reação. Falhando em desviar a sua atenção totalmente do macho e da criança, ela continuou a estudar o seu rosto, avaliando a sua aparência e percebendo que ele era mais atraente de perto do que parecia à distância no prado. Nenhum deles desviou o olhar um do outro até que uma mãozinha tocou na bochecha do macho, chamando a sua atenção para a criança no seu colo.
" Papá? " - a voz da criança era tão doce como o seu cheiro e estava cheia de suplica - "Podemos comer agora?"
O pai suspirou, parecendo pronto para repreender a criança, mas em vez disso olhou novamente para Elvira, desespero e nervosismo fundo no seu olhar.
" Sinto muito, minha senhora" - ele começou, baixando levemente a cabeça e voltando o seu olhar para o chão novamente enquanto empurrava a cabeça da criança no seu peito- " Ela ainda não sabe como não falar fora de hora. Por favor, desculpe o comportamento dela." Elvira olhou para a criança novamente, ignorando o macho e o desconforto que o comportamento dele causava à sua magia.
" Qual é o teu nome, criança? " - ela perguntou à menina, com a cabeça levemente inclinada para demonstrar curiosidade e a voz carregando o máximo de gentiliza possivel que ela conseguia alcançar, que era quase nenhuma. O homem tremeu com o seu tom frio e apertou mais a criança no colo, afastando-se levemente dela. Não querendo que ele se afastasse mais, Elvira soltou um rosnado e o fio mais fino possível do seu domínio que foi o suficiente para congelar o homem no lugar, percebendo a ameaça no seu tom. Agora com o corpo todo a tremer, o homem soltou um soluço seco, o pavor pela sua filha enrolado no seu peito, mesmo que ele não se conseguisse mexer para escapar do domínio dela.O seu lobo chormingou, querendo estar mais perto da sua companheira, mas não gostando da atitude dela com a sua filha.
Lilia no entanto, não conseguia perceber a razão do pai temer tanto a mulher e estendeu uma mão para comprimenta-la com mais um sussurro tímido.
" Eu sou a Lília"- ela disse, apertando três dedos da mão estendida de Elvira na sua mãozinha.- " Quem és tu?"- o seu pai tremeu ainda mais violentamente com a atitude direta da filha, o que Elvira ignorou.
" O meu nome é Elvira, Lilia." - a mulher prateada retornou num tom ainda mais suave, querendo relaxar o seu macho - "Está à vontade para comer o que quiseres, foi preparado para a vossa chegada."
Um sorriso enorme apareceu no rosto da menina e o olhar do macho estalou para ela novamente, surpresa com as palavras dela.Lilia inclinou-se para a frente nos braços do pai com força, quase caindo antes que um braço prateado se estendesse e a apanhasse, repreendendo suavemente
" Cuidado, boneca" e sentando-a no sofá de três lugares mais próximo da mesa com a comida. O macho soltou um resmungo com o gesto, pronto para saltar em defesa da sua filha, mas parou quando percebeu que Elvira não a estava a magoar ou a ataca-la, mas sim a protegê-la e alimenta-la.
Tendo colocado a criança com segurança no sofá e distraindo-a com sucesso com o seu amor por comida, Elvira voltou a sua atenção para o macho novamente, recolhendo o seu domínio para dentro de si e deixá-lo mais confortável.
"E qual é o seu nome? " - a pergunta saiu num tom mais forte do que quando ela falou com Lilia, fazendo o macho estremecer antes de responder com uma leve reverência.
"Lúcios, minha senhora." a resposta foi suave e tímida, medrosa até, mas satisfez a mulher que gesticulou para que ele se sentasse.
"Sente-se, coma, beba. Tenho certeza de que está cansado da viagem até cá."
Aliviado pela receção de Elvira que ainda fria foi melhor do que o que ele esperava, ele sentou-se ao pé de Lilia, olhando para tudo nervosamente antes de timidamente alcançar um sanduíche para começar a comer. Elvira sentou-se na sua poltrona servindo-se de uma chávena de chá de menta, antes de oferecer algum a Lúcios que aceitou, e a Lília que optou por um copo de sumo de fruta em vez disso.
Eles comeram e beberam em silêncio.
Vixtra estava no canto da sala, próximo da porta a vigiar as costas de Elvira enquanto se perdia nos seus pensamentos. Lúcios era companheiro de Elvira. A sua senhora, o ser mais poderoso e dominante que Vixtra já conheceu era companheira de um Omega que não tinha domínio nem mesmo na unha dos dedos dos pés. Elvira era tão dominante que nem fazia parte do espectro Alfa, estando bastante acima disso e no entanto era acasalada com um macho sem nenhum domínio. Pior, Elvira demonstrou-lhe gentileza, preparando a vila para a sua chegada e garantindo que eles fossem alimentados e tivessem alojamento para passar a noite quando chegassem. Eles também não pareciam feridos ou muito desgastados. Cansados e com fome, sim, mas não pareciam ter enfrentado as bestas e monstros que habitavam a floresta como todos os outros habitantes desta aldeia tinham de fazer. Era assim que Elvira testava a dignidade, força e coragem das pessoas que queriam encontrar-se com ela. Vixtra passou quase três semanas no Coração da Floresta de Prata, fora os dois meses que levou para chegar lá. Ela estava a lutar contra bestas, ferida, ficando sem suprimentos e andando em voltas até que a floresta a julgou digna de conhecer Elvira. E quando chegou, Elvira olhou para ela, disse-lhe que podia encontrar um sitio para passar a noite no castelo, mas que na manhã seguinte começaria a trabalhar para ganhar o seu sustento em troca da sua proteção. Ela ganhou um pão com um pedaço de carne, um copo de água e uma peça de fruta. Estes visitantes não pareciam estar nesta viagem à tanto tempo, não pareciam estar a andar à nem mesmo uma semana e mesmo assim Elvira demonstrava-lhe gentileza que nunca dera a ninguém nesta vila. Ela conseguia entender a gentileza com a criança, Eliza nunca testava crianças, ela sempre as recebia e garantia que eram cuidadas, mas Lúcios? Será que a sua senhora já sabia que eram companheiros antes do macho chegar?
Ou era por ele ser um Omega? Não havia mais nenhum Omega adulto na vila, embora houvesse crianças. Apenas betas e alfas. Incomodada pelos seus pensamentos Vixtra tentou olhar pelo lado positivo, Elvira não estava a demonstrar grandes sentimentos pelo macho, mantendo apenas uma leve curiosidade, embora demonstrasse cuidado para com a criança. Ela provavelmente não sentia os efeitos totais do vínculo de companheirismo.
Quando enfim acabaram de comer, já não havia mais sanduíches ou biscoitos na mesa , e Lilia sentia-se sonolenta, encostando a cabeça no braço do pai que estava sentado ao seu lado.
Vendo que a sua filha ia provavelmente adormecer em breve para uma sesta depois de ter a sua fome satisfeita, Lúcios pegou nela e deitou-a no seu colo, deixando-a relaxar e adormecer suavemente.
Elvira seguiu os seus movimentos, estudando a interação dos dois, mas não atrapalhou o momento, esperando que a respiração da criança se estabilizasse antes de começar a sua conversa sussurrada com Lúcios.
" Então Lúcios, diga-me" ela fez uma pequena pausa enquanto Lúcios levantava o seu olhar para o dela - " O que os traz à Floresta de Prata?"
Lúcios engoliu em seco, medindo a resposta na sua mente.
" Nós precisamos de ajuda... Eu preciso de ajuda" - suou a voz de caramelo derretido.
Sentindo-se curiosa em relação ao macho, Elvira perguntou porquê e Lúcios contou-lhe a sua história enquanto embalava a sua filha no seu colo. Ele explicou que era acasalado formalmente com a mãe de Lilia, fazendo Elvira soltar um rosnado sem se aperceber. Lúcios parou a sua história por um minuto, perguntando se esse era um bom lado para começar enquanto contava a história à sua companheira predestinada. Mas ele não tinha outra maneira de contar, então, quando o rosnado de Elvira se acalmou, ele explicou tudo sobre a família de Elisa, sobre o nascimento de Lilia, sobre o surgimento dos seus poderes e a sua natureza incomum e as ameaças e ataques. Ele contou-lhe sobre a morte Elisa, com dor surda no coração e explicou que embora os tivesse tentado proteger sozinho sabia que não era o suficiente.
" Então lembrei -me das histórias sobre a Floresta de Prata e sobre a mulher de prata. A floresta não fica longe da minha cabana e é apenas um dia de viagem até o prado da entrada da Floresta de Prata, e eu sabia que ninguém nos seguiria para cá. Ninguém se arriscaria."- ele respirou fundo, mais calmo agora que pode explicar a sua história -" Então eu decidi que nós o faríamos, e que a encontraríamos e lhe pediriamos refugio e proteção, minha senhora, enquanto a minha filha aprende a dominar a sua magia."
Elvira bateu as pontas dos dedos no braço da poltrona, pensando na história de Lúcios e de Lilia e digerindo as diferentes emoções que estalaram dentro dela.Ela sentiu um fogo ardente, então uma sede profunda, e agora havia uma chama gelada no seu peito, incitando-a a fazer algo.
" O que acha de fazer um acordo comigo, Lúcios? "- ela inquiriu levemente, com uma torção de lábios que para ela era um grande sorriso.
" Um acordo, minha senhora? "- questionou nervosamente- " Que tipo de acordo?"
" Tanto tu como a Lilia terão a minha proteção e estarão sobre os meus cuidados, e eu mesma ensinarei Lilia a controlar a sua magia... "- ela começou e Lúcios engoliu em seco, esperando saber o que ela quereria em troca - "e em troca, quero-te a ti."
Lúcios piscou, engoliu em seco e piscou novamente, nervos dançando na sua barriga.
" Q-quer-me? A mim? Quer que eu seja seu?" - ele perguntou- " Posso perguntar em que sentido quer que eu seja seu?"
" Eu quero que sejas meu, corpo, mente, alma, tudo o que houver, tudo que fizer parte de ti, é meu!" - ela declarou sem nenhuma exitação, os olhos dela focados nos dele com a força do seu domínio por trás dela - "Temos um acordo?"
Lúcios respirou fundo, e desviou o olhar, querendo negar sem ter uma resposta mais explícita à sua pergunta. Mas sabia que não tinha escolha, ou aceitava o acordo que ela lhe dava e garantia proteção para ele e para a sua filha ou recusava, afastava-se da sua companheira e perdia a chance de proteção que ela lhe oferecia e a sua filha nunca conheceria a felicidade de uma vida pacífica. Ele estendeu a mão para ela, amarrando-a na sua e deu a sua resposta.
" Sim! "