— Espera! Ei! Os meninos não estão nos seguindo! — disse Halayna, ofegante, com o nariz se movendo.
— Não tem problema! Continue correndo, pois eles estão atrás de mim e não de vocês… — disse ela, diminuindo ligeiramente os passos e permitindo que Halayna passasse à sua frente. Olhando para trás rapidamente, com uma olhadela, percebeu o focinho do lobo devorador praticamente em cima de seus calcanhares. Em um giro rápido, desferiu um leve corte no rosto do animal, que grunhiu em um tom audível. — Siga em frente e não pare! Vamos adentrar esse fogaréu flamejante de luzes sem medo! Confie em mim!
O caminho que as duas pegaram na bifurcação era estreito; a folhagem das plantas batia em seus braços e mãos, deslizando no ar o hálito do aroma das mesmas, deixando na estrada percorrida uma trilha imperceptível de ser acompanhada.
Aquelas silvestres emaranhadas de folhas começaram a cobrir toda a trilha seguida pelas duas. Como uma névoa colorida, espessa e palpável, com um odor forte e incômodo, a respiração de qualquer criatura.
— Ai! — gritou. Os dentes longos e afiados da besta cravaram-se em milésimos de segundos no calcanhar de Kamélia, que chiou de forma aguda, trincando os dentes uns nos outros. Mas logo a fera a soltou nos instantes finais em que seu corpo adentrou um exame de minúsculas criaturinhas luminescentes. — Espera! Tia Halayna! Me ajuda… não consigo ficar mais em pé, um deles me atingiu fortemente.
— Você está bem?! — indagou, se aproximando quase sem fôlego, com suas pernas trêmulas. — Meu coração não para de bater, nossa! Pensei que iria morrer.
— Pelo espírito da luz! — exclamou, enxergando o rasgo na sola da sua bota de tom caramelado e escorrendo sangue. — Que lástima! Pensei que teria dado tempo suficiente para passar entre os vaga-lumes.
— Vaga-lumes? Mas eles são tão diferentes dos que conheço! — Halayna comentou, surpresa, levantando a cabeça com o queixo para cima, vislumbrando a intensidade das faíscas dos bichinhos que estavam rondando entre duas enormes árvores de aspecto listrado e tons amarelados.
— São vaga-lumes mágicos! Eles habitam esse arco de portal, protegendo o bosque das rosas elementais. Nenhum ser humano ou sobrenatural de coração maldoso é capaz de ultrapassá-los. Estamos seguras agora! — Kamélia explicou, eriçando os olhos quando tocou com os dedos a parte da carne machucada. — Pode me ajudar? Preciso que pegue uma rosa de cor azul-marinho, uma de cor do céu e uma de cor verde-esmeralda!
— Nossa! Que jardim lindo! Todo florido e repleto de cores diferentes… — elogiou, andando até um conjunto e pegando com as mãos. Eram variadas rosas de cores distintas e marcações únicas nas pétalas ao redor, em vários formatos. Halayna arregalou os olhos quando aproximou até seu rosto e inalou o cheiro.
— Concordo que a visão seja estonteante, mas você poderia se apressar em pegá-las. Estou sentindo que vou desmaiar em breve. Ai! — deu um gritinho de leve quando removeu o calçado repleto de lama. — Não creio que tenha sido meu dia de sorte, mas, pelo menos, conseguirei sobreviver a esta noite.
— Qual é o seu nome mesmo? Aqui estão elas! — disse, entregando as requisitadas.
— Kamélia. Me chamo Kamélia. Mas pode me chamar de Melia se quiser! — sugeriu, ao tentar se levantar devagar para ir até o saco de dormir que havia colocado antes de encontrar os três. — Não entendo o motivo de os dois não terem nos seguido. A rota que eles pegaram leva até uma casa abandonada e, posteriormente a ela, chega-se à saída da floresta.
— Acha que conseguirão escapar ilesos? Aquelas aberrações pareciam que não comiam há semanas! Me preocupo com eles. — disse, segurando o braço de Kamélia firmemente para ajudá-la a se deitar sobre a pelagem de urso no chão.
— Não precisa se preocupar, tia Halayna. Como disse, eles estavam atrás de mim; tenho certeza de que não terão interesse nos rapazes. Mas temo que eles dois esbarrem em serviçais do nosso inimigo. As terras de Urhian estão cheias deles — contou, fechando os olhos por alguns segundos e pensativa.
— Só agora percebi que você montou um acampamento inteiro aqui. Era pra cá, então, que desejava nos trazer, não é mesmo? Mesmo assim, fico pensando neles. Espero que fiquem bem… Espera! — gritou, levando as mãos à testa. — Onde estão as minhas relíquias?!
— Parece que suas lembranças estão retornando aos poucos. Qual a última coisa que se lembra antes de acordar no chão? — Kamélia perguntou, com os olhos arregalados e se apoiando sobre os cotovelos.
— Não! O Vilkus… o Vilkus morreu! — exclamou, caindo com os joelhos sobre o capim fino e fresco na terra. — Kelvisk? Ele também morreu! O que aconteceu?! Onde estamos? — questionou, aflita e desesperada, com as mãos sobre o rosto e chorando.
— Tia Halayna! Calma! Não chore. Tudo aquilo já passou. Agora estamos nas terras de Urhian! — revelou, tentando acalmá-la e segurando seu rosto, enxugando as lágrimas. — Muita coisa mudou desde que vocês desapareceram! Um mundo novo foi criado pelo espírito da luz, onde não existe deterioração das coisas criadas. Tudo é cheio de vida nas terras de Urhian! Os alimentos não apodrecem, não existem doenças e, o melhor, não envelhecemos!
— Como assim?! Isso é possível? — indagou, levantando-se rápido e abismada, com um olhar incrédulo para Kamélia.
— Posso explicar com calma, mas agora preciso que você pegue aquela vasilha e esprema as rosas que te pedi. A de cor azul marinho tem a capacidade de regenerar a minha pele da carne. A cor azul claro vai me colocar para adormecer e a verde removerá o veneno que está tomando conta do meu corpo. Se puder ser ágil no processo, agradeceria muito. Estou começando a ficar enjoada e meu estômago está se remexendo o tempo todo — disse, quase vomitando, com as bochechas da boca inchadas.
— Perdão! Vou prepará-las…
Halayna foi habilidosa no preparo. Depois de dez minutos, tudo estava pronto e, quando ela foi entregar a bebida para Kamélia, a mesma estava adormecida em um sono profundo. Mesmo assim, encostou o prato em seus lábios e despejou o líquido que tinha coloração transparente.
Terminando, ela a cobriu com um lençol grosso de pelagem macia e encaixou em seu pescoço uma almofada feita de lã. Depois, vasculhou o ambiente atenciosamente e encontrou comida, além de algumas pequenas jarras do que parecia ser suco. Pelo aroma doce e refrescante, ela podia jurar que era de groselha.
Depois de arrumar tudo e observar Kamélia por alguns minutos, pensando, ela decidiu, por fim, dormir e aguardar o dia raiar. O vento mal soprava naquele imenso e vasto lugar. As nuvens cinzentas vagavam lentamente pelo céu e traziam uma tranquilidade indistinta à sua mente. Agora, ela se encontrava deitada e perdendo-se em pensamentos e devaneios sobre o que poderia ter acontecido no fim daquela batalha horrenda e trágica.
Mas, ao amanhecer do dia, o sol brilhava pela metade, escondido pelas espaçosas e nevoentas brisas suaves de chuva. A queda d'água que beijava a vegetação ao redor exalava um calor aconchegante sobre o corpo das jovens. Quando, de repente, os pássaros começaram a cantar alto e torrencialmente, acordando as duas de belos sonhos tranquilos.
— Bom dia, tia Halayna! Estou melhor! Agora podemos ir atrás dos rapazes. Vem! Levanta! — saudou amigavelmente, toda alegre e sorridente, esbanjando sua felicidade com os braços abertos e inalando o aroma das rosas frescas. Seus pulmões se enchiam, abrindo e fechando com sua respiração intensa, deixando-a em um estado muito animador. — Preciso tomar um banho! Espero que não se incomode de se virar; gosto da minha privacidade. Com licença.
— Toda… — disse, arqueando as sobrancelhas e sentindo um cheiro desagradável no ar. — Quando terminar, tenho perguntas a te fazer; espero que tenha respostas para todas elas!
— Tudo bem! — assentiu com um gesto de aceno com a cabeça. Agora, seu semblante ficou rígido de repente, e sua mente foi perturbada com pensamentos pesarosos; sabia que não poderia escapar dessa.