Caminho até o meu carro, sentindo a chave fria do bolso enquanto dou uma última olhada na cafeteria onde Duarda e o irmão dela ainda estão. Me viro, o som da porta do carro se abrindo ecoa alto no silêncio da rua. Sento no banco, e antes de fechar a porta, o celular vibra, interrompendo a paz. Um suspiro automático escapa dos meus lábios. Não preciso nem olhar para saber: minha mãe. Ela não esquece disso de jeito nenhum.
Não quero, mas sei que vou atender. Pego meu celular do bolso rapidamente, vendo o nome no visor: "Sra. Gonçalves". Minha mãe. Não tinha como ser outra pessoa. Dou mais um suspiro, mais profundo agora, e deslizo o dedo pela tela, atendendo a ligação.
— Boa tarde, mãe, como a senhora está? — pergunto com um tom de voz sério, colocando o celular no viva-voz e encaixando-o no suporte do carro.
— Boa tarde, Theodoro. Não demore muito, precisamos conversar sobre a questão do seu casamento.
Minha mãe fala sério, sem perceber o quanto a palavra "casamento" me irrita. A simples maneira de como ela soa me faz apertar o volante com força, a tensão subindo enquanto me preparo para dirigir.
Começo a dirigir, ainda sentindo a raiva crescente dentro de mim, mas minha mãe...
— Theodoro! Por que não me responde? Você vai demorar? E eu também estou com saudades, não é somente compromisso, querido. — Ela interrompe meus pensamentos. Droga, não posso tratá-la tão duramente assim...
— Não vou demorar, mãe. Chegarei em 10 minutos para conversarmos sobre a questão do meu casamento... — confesso, já resignado. Não quero mais brigar com ela sobre isso. Ela nunca me escuta mesmo...
— Meu pequeno... Eu te amo, meu querido. Pode sempre dizer pra mim quando estiver desconfortável ou não quiser algo. Eu sempre te apoiarei. — Sua voz tenta me confortar, mas só me arranca um suspiro cansado.
— Certo, Sra. Gonçalves. Já escolheram minha noiva? — pergunto, indo direto ao ponto.
— Theodoro... Sim, sua noiva foi escolhida a dedo pelo seu avô. A Senhorita Sabrina Montenegro. Sua família tem controle de grandes terras agrícolas na Irlanda, voltadas principalmente para a produção de laticínios, e ainda são donos de uma famosa marca de cosméticos. São bem conhecidos na nossa área. Já deve tê-la visto. — Ela desaba informações sem pausa, e só consigo pensar na enrascada em que me meti. Por que, justamente, os Montenegro?
— Conversamos depois, mãe. Estarei aí em menos de 5 minutos. — Respondo rapidamente, encerrando a ligação. Solto um suspiro enquanto tento reorganizar meus pensamentos.
A estrada vai ficando menos visível à medida que me perco nos meus pensamentos, no legado da família, nas obrigações e regras que me prendem. Tudo isso é um saco. Tem vezes que eu realmente odeio ser um Gonçalves...
Me sinto preso e cansado. Essa obrigação que me impede de viver minha própria vida, o medo de decepcionar os Gonçalves, meu avô, o coração dos Gonçalves… Um dia, vou ser o coração, e isso me pesa.
Minha mente se perde, até que ouço o som do Nikita, meu passarinho cantando. Não tem como me confundir. Cheguei. Nem percebi que já tinha passado pelo portão.
Tiro o cinto, abro a porta do carro e finalmente saio. Piso na grama e meu coração acelera. Caminho rápido, passando pelo jardim, sem nem perceber, até a porta. Meu avô já deve ter sido notificado da minha chegada. Respiro fundo e empurro a porta pesada. Quando ela finalmente se abre, vejo o corredor — um luxo desnecessário, como tudo por aqui.
Vejo alguém caminhar em minha direção, possivelmente um dos funcionários.
— Théo, o senhor Gonçalves está te chamando na sala de reuniões, ele parece ansioso — diz o senhor já idoso, que rapidamente reconheço como, Enrico, o funcionário do meu avô. cumprimentando-me.
— Obrigado por avisar, senhor Enrico. Eu es... — não termino a frase quando sou interrompido.
— Ei! Seu funcionário meia-boca! — grita Sabrina, aquela judas, com aquele tom irritante que já conheço bem.
— Senhorita Sabrina Montenegro — diz Enrico, educado, cumprimentando-a.
— Como se atreve a dizer meu nome? Não, como se atreve a falar informalmente com meu noivo e futuro marido? Quem te deu permissão? — ela dispara, com aquele tom irritante, fazendo minha paciência se esgotar rapidamente. Rude, estúpida, a cada palavra que ela fala, eu perco mais a vontade de ser educado.
Me coloco na frente do funcionário, já irritado, por ela achar que tem o direito de agir assim com meus funcionários. Não perco tempo e me dirijo a ela:
— Sabrina, isso não te diz respeito. Como meus funcionários se dirigem a mim não é da sua conta. E você não tem o direito de gritar com eles ou dar lição de moral. Então, abaixe o tom agora — falo com frieza, sem rodeios, minha irritação transparecendo.
— Como pode falar assim com a sua noiva, Theodoro!? — grita meu avô, caminhando em minha direção, com sua voz imponente, me fazendo lembrar da minha própria voz. Volto à realidade e percebo instantaneamente a gravidade da situação.
— Boa tarde, senhor Gonçalves - Cumprimento-o formalmente, virando-me para ele e o olhando nos olhos.
— Theodoro, aonde está seu respeito? — meu avô fala duramente, esperando uma resposta.
— Avô, eu já tenho uma noiva, pela qual estou completamente apaixonado, e jamais aceitarei me casar com outra mulher que não seja ela — falo, sem saber a merda que acabei de soltar para me livrar de outra merda.
— O quê!? — Sabrina diz, surpresa, possivelmente pensando que ouviu errado.
As expressões surpresas no rosto da minha família mostram que estou nessa encrenca até o pescoço.
— E qual é o nome dela? — meu avô pergunta, seu tom já desconfiado.
Nome? Isso...
— O nome dela é Duarda. Duarda Kalihay — O que!? Que merda que eu acabei de falar? Por que ela? Por que o nome dela?
— E ela seria uma cidadã comum, Theodoro? Você sabe das regras da família, pense bem na sua resposta — meu avô fala com desconfiança, claro de que posso estar me metendo em algo sem volta.
— Não importa, ela é a mulher que eu amo, avô, ninguém é capaz de substituí-la, ela é a mais linda — respondo, com um tom firme e decidido, tentando convencer a todos, mesmo sabendo que estou mentindo em cada palavra.
— Theodoro! Você sabe que isso é impossível! Acabe com isso agora mesmo! Te darei apenas dois dias para terminar com esse relacionamento e seguir com o noivado com Sabrina — meu avô fala com raiva, me lançando um olhar cheio de desapontamento.
— Não, avô, não farei isso. Não me casarei com ninguém se não for com ela — falo, fixando o olhar nos olhos do meu avô, como se estivesse completamente convencido.
— Duarda Kalihay? Está falando da minha amiga, Théo? — Marcel pergunta, surpreso ao reconhecer o nome.
— Isso, Marcel. Eu realmente gosto muito dela, e nunca me senti assim antes — falo, lançando um olhar cúmplice para ele, que entende imediatamente.
— Ela é realmente muito boa e inteligente, vocês formam um belo casal, talvez o mais perfeito — Marcel fala, se colocando ao meu lado e lançando um breve olhar frio para nossos pais.
— Se casar com essa moça não é uma opção, Theodoro. Agora, vá já para o seu quarto e pense em uma forma de terminar tudo com essa mulher — meu avô fala com raiva, claramente decepcionado comigo. Nem preciso olhar para os rostos dos meus pais para saber que estão indefesos e ao lado dele neste momento, e isso me dá ainda mais raiva.
— Você vai junto com ele, Marcel. Enrico, os acompanhe até seus quartos — meu avô ordena, fazendo com que eu e Marcel sejamos levados para nossos respectivos quartos.