Tudo começou naquele dia.
Aquele maldito dia.
O ano era 2319 e o mundo havia mudado completamente. As estruturas de poder, os países, os territórios... tudo era diferente. A tecnologia avançara de maneiras que, séculos atrás, pareciam impensáveis.
Na cidade de Riart, localizava-se um campus universitário prestigiado, uma instituição tão renomada que pessoas de todas as partes do mundo sonhavam em estudar ali. A estrutura era praticamente uma cidade dentro de outra: salas de aula interativas, quadras, ginásios, piscinas e dormitórios modernos. Não bastasse isso, ao redor do terreno havia lanchonetes, mercados e até lavanderias, garantindo que nada faltasse para os alunos.
Naquele dia, um grupo de estudantes do primeiro ano do ensino médio visitava a universidade. Haviam atravessado praticamente o estado inteiro de ônibus para aquela excursão e agora estavam empolgados, andando de um lado para o outro, tirando fotos e conversando animadamente.
— Olha ali o campo de futebol, Sam! — disse Kaiden, dando uma cutucada no amigo ao seu lado.
Sam lançou um olhar rápido para o grupo, que parecia não notar nada, e sussurrou:
— Vamos lá, rápido!
Sem esperar resposta, ele correu na frente.
Kaiden riu e os dois se afastaram, correndo do grupo até chegarem ao campo de futebol. Ali, o time da universidade estava treinando, e os dois subiram até as arquibancadas para assistir.
Enquanto observavam o treino, Sam quebrou o silêncio:
— E então... quando você vai se declarar para ela?
— Quieto — respondeu Kaiden, visivelmente ofendido.
— O que foi? Já está ficando chato, sabia? Ou então parte logo para outra... — insistiu Sam, tentando ser direto.
— Certo, certo... — murmurou Kaiden, desviando o olhar.
Sam sorriu de canto e provocou:
— Sabe, é meio patético. Você é um dos melhores jogadores do nosso time de futebol. Encarar um time inteiro não te dá medo, mas você treme na frente de uma garota!
— Um dos melhores? — Kaiden arqueou uma sobrancelha, tirando os olhos do treino pela primeira vez.
— Claro! Afinal, o melhor sou eu! — respondeu Sam, estufando o peito com orgulho e caindo na gargalhada.
Kaiden olhou para ele, balançou a cabeça e não pôde evitar rir também.
Kaiden e Sam eram dois dos melhores jogadores da escola. Sam era o quarterback, famoso por seus lançamentos precisos e calculados. Kaiden, por outro lado, jogava como running back, destacando-se pelo condicionamento físico, velocidade e destreza. Juntos, formavam a dupla que levou o time a diversas vitórias na temporada. Não à toa, ambos estavam sendo cotados para bolsas de estudo em universidades de prestígio.
— E a Mary? Eu soube que ela ficou solteira. Por que você não investe? — perguntou Kaiden, provocando o amigo.
Sam coçou a nuca, desviando o olhar.
— Eu não sei, cara... Ela ainda tá sofrendo.
— Entendo… — Kaiden começou a responder, mas foi interrompido quando algo chamou sua atenção no campo.
— Uuuuuh... — exclamou ele, arregalando os olhos.
Dois jogadores haviam colidido violentamente no treino. Um deles caiu de maneira estranha, o corpo torcendo o pescoço em um ângulo impossível. Um estalo seco — crack — ecoou pelo campo.
Sam e Kaiden ficaram em silêncio, paralisados, assistindo ao desenrolar da cena. O jogador que havia caído permanecia imóvel no chão. Outros atletas começaram a cercá-lo, o treinador se aproximou rapidamente, tirando o capacete do aluno com cuidado. Ele parecia ter uns 21 anos, com cabelos negros curtos e olhos fechados.
— Ei, garoto! Acorda! — disse o treinador, dando alguns tapinhas no rosto dele.
Sem resposta.
— Alguém chama a ambulância, rápido! — gritou o treinador.
Um som baixo escapou dos lábios do jogador.
— Ughhh…
O treinador se inclinou, aproximando o ouvido da boca do rapaz, tentando entender o que ele murmurava. Os ruídos eram uma mistura assustadora de grunhidos e rosnados.
— Mas o que…? — o treinador começou a dizer, virando a cabeça.
— GRAAAAAAAAAAH!
PUSHHHHH!
O jogador se levantou do nada, soltando um rosnado monstruoso. Antes que o treinador pudesse reagir, o jovem cravou os dentes no pescoço dele, arrancando um pedaço de carne em um movimento feroz. O treinador gritou de dor, mas o atacante o segurou e começou a morder o rosto dele, dilacerando a pele, enquanto o sangue jorrava e manchava o campo.
— QUE PORRA É ESSA!? — gritou Kaiden, horrorizado.
Da arquibancada, Kaiden e Sam assistiram a tudo, petrificados.
Os outros jogadores entraram em ação, tentando afastar o colega descontrolado. Quando finalmente conseguiram, o treinador, agora com o rosto deformado e ensanguentado, se levantou. Sem aviso, ele se jogou sobre outro jogador, que havia virado as costas para ajudá-lo.
E então, começou.
Gritos de agonia e desespero ecoaram pelo campo, uma sinfonia caótica que parecia não ter fim.
Sam não aguentou.
— Bluurggg! — Ele se inclinou e vomitou ali mesmo, ao lado de Kaiden.
Kaiden, em choque, observava a cena. O campo, agora tingido de sangue, tornava-se um cenário de horror. Cada pessoa atacada caía, mas não por muito tempo. Em questão de minutos, eles se levantavam novamente, como se tivessem sido tomados por alguma força sombria. Um deles, afastado do grupo, olhou diretamente para eles.
— Sam, vamos! Ele está vindo! — Kaiden agarrou o braço do amigo.
Os dois desceram correndo das arquibancadas, fugindo do campo de futebol. Enquanto corriam, Kaiden avistou um pequeno galpão de equipamentos ao lado do campo.
— Ali! — gritou, apontando.
Os dois se lançaram para dentro, batendo a porta atrás de si e encostando as costas nela, tentando recuperar o fôlego.
Por um momento, ficaram em silêncio, os gritos lá fora abafados pelo som de suas respirações aceleradas.
— O que foi aquilo? — perguntou Sam, com a voz trêmula.
Kaiden olhou para ele, o rosto pálido.
— Zumbis...
— Zumbis? Não seja idiota! — retrucou Sam, ainda em choque.
Mas lá fora, os gritos não paravam.
Então, as pulseiras negras nos pulsos de Kaiden e Sam vibraram levemente. Os dois trocaram um olhar confuso e, ao tocarem nas pulseiras, uma tela holográfica se projetou à frente deles. Apenas eles conseguiam ver as telas.
Na imagem, apareceu senhorita Dayse, a professora responsável pela turma. Normalmente, ela era o retrato da elegância: ruiva, esbelta, e dona de uma postura que arrancava suspiros e desilusões amorosas dos alunos. Mas, no momento, ela estava irreconhecível.
O cabelo ruivo-laranja estava desarrumado, os olhos horrorizados e sua maquiagem impecável agora estava borrada, reflexo de lágrimas e desespero. Sua voz tremia de urgência.
— Meninos! Onde vocês estão? Vocês estão bem? — A voz dela veio rápida, ofegante.
— Sim, senhora. Estamos juntos. Nos escondemos no galpão do campo, — respondeu Sam, tentando parecer calmo.
A senhorita Dayse suspirou com alívio, mas seu rosto continuava tenso.
— Isso é bom! — ela disse, a voz enfraquecida.
Kaiden não segurou a pergunta:
— Senhora, o que está acontecendo?
— Eu não sei, — respondeu ela, quase em um sussurro. — Tudo o que sabemos é que vocês precisam se esconder e esperar a polícia. Fiquem seguros e não saiam de onde estão. Logo... logo isso vai acabar.
— Onde vocês estão? — perguntou Sam, preocupado.
— Na quadra. Fechamos as portas e estamos esperando. Só vocês dois estavam faltando, como sempre! — ela disse com um tom de irritação, mas o cansaço logo a venceu.
Ela fez uma pausa, passando a mão pelo rosto. Sua expressão parecia despedaçada.
— ...Aaaah... — ela suspirou, exausta. — Tudo bem, meninos. Apenas fiquem bem e esperem. Eu vou desligar agora, mas entro em contato em breve.
A tela desapareceu com um leve som eletrônico, deixando apenas o silêncio tenso entre os dois.
Kaiden não perdeu tempo. Ele começou a tatear o ar, navegando rapidamente pela tela holográfica à sua frente. Seu olhar se tornava mais tenso a cada clique. As notícias que surgiam não eram boas.
— Sam... dá uma olhada nisso. — Kaiden copiou alguns links das matérias e os enviou para a pulseira do amigo.
Sam franziu o cenho ao abrir as matérias. Os títulos eram gritantes:
"Caos e ataques inexplicáveis se espalham pelo mundo"
"Fenômeno global: surtos violentos em várias cidades"
"Autoridades pedem calma enquanto tentam conter a situação"
Sam olhou para Kaiden, engolindo em seco.
— Isso... isso não é só aqui. É o mundo todo.
Kaiden assentiu, o olhar fixo na tela que começava a mostrar imagens de cidades em chamas, ruas tomadas por pessoas descontroladas e helicópteros militares sobrevoando áreas urbanas.
— As coisas estão ficando sérias, Sam. Muito sérias.
— Olha aqui, Kai. Olha esse vídeo... tá ao vivo! — Sam disse, apontando para sua pulseira. Uma pequena tela holográfica surgiu no ar entre eles, projetando as imagens trêmulas do vídeo.
Na tela, um homem mais velho, calvo com alguns fios ralos de cabelo grisalho, estava sentado em frente a uma câmera. Ele usava óculos grandes e parecia um pouco acima do peso. Seu rosto estava pálido e marcado pelo cansaço.
O título do vídeo brilhava no canto da tela:
"Transmissão Urgente: Informações sobre o Vírus"
O homem pigarreou e começou a falar, tentando manter a calma:
— Boa noite a todos que ainda estão vivos e assistindo a este vídeo. Meu nome é Dr. Norman, e estou aqui para trazer algumas informações cruciais.
Kaiden e Sam se inclinaram para frente, os olhos fixos na transmissão.
— Existe um vírus se espalhando rapidamente. A transmissão acontece pelo contato direto com o sangue ou... — o homem fez uma pausa, desconfortável, antes de prosseguir — ...por mordidas. Sim, vocês provavelmente pensaram a mesma coisa. Igual... a um zumbi.
Ele ajustou os óculos, o olhar perdido por um momento, como se não acreditasse nas próprias palavras.
— Os pacientes infectados estão... perdidos para sempre. Em questão de segundos, ocorre uma morte cerebral completa, e algo... primitivo toma o lugar. Algo que só quer se alimentar.
As palavras do Dr. Norman ecoaram no silêncio do galpão, cada uma mais pesada que a outra.
— Eles só podem ser detidos com dano direto ao cérebro. Se—
De repente, o vídeo travou. A imagem congelou no rosto preocupado do Dr. Norman, e então a tela ficou preta.
— O quê? Não! — Sam gritou, apertando desesperadamente a pulseira. — Perdi o sinal. Droga! Não importa o que eu faça, não conecta.
— Tenta de novo. — Kaiden murmurou, com a voz tensa.
Sam balançou a cabeça, frustrado.
— Não tem como, Kai. A rede caiu. A internet... sumiu.
Kaiden rapidamente começou a mexer em sua própria pulseira, mas o resultado foi o mesmo. Sem sinal.
Antes que pudessem dizer mais alguma coisa, ouviram batidas na porta atrás deles.
BUM! BUM! BUM!
— Alguém aí?! Abram a porta! Por favor, socorro! — gritou uma voz desesperada do outro lado.
Sam e Kaiden se entreolharam, os olhos arregalados. Um silêncio pesado tomou conta do galpão. As batidas continuaram, cada vez mais frenéticas.
— Por favor! Eu sei que tem alguém aí! Abram, eu tô sendo perseguido!
Sam abriu a boca para falar, mas Kaiden levantou a mão, pedindo silêncio.
— O que a gente faz? — Sam sussurrou, a voz trêmula.
Kaiden não respondeu. Ele olhou para a porta, a mente trabalhando rápido. A voz do Dr. Norman ecoava em sua cabeça:
"Pelo sangue ou pela mordida..."
Ele engoliu em seco. Abrir a porta poderia ser a diferença entre viver ou morrer.
— Eu não sei! — Kaiden respondeu, a voz carregada de ansiedade.
Sam olhou ao redor do galpão, o olhar nervoso vasculhando qualquer canto em busca de uma solução. Não havia muito ali — apenas caixas velhas e alguns equipamentos desgastados.
— Merda, Kai, o que a gente faz?
Kaiden não respondeu imediatamente. Seus olhos se fixaram em algo no canto do galpão: um cesto cheio de dardos de aço, usados pelo time de lançamento de dardos. Ele ficou em silêncio por um segundo, o olhar firme.
— Ali! — apontou para o cesto. — Pegue alguns desses. Vamos abrir a porta, mas estaremos preparados.
Sam franziu o cenho.
— Preparados? Você ficou maluco? E se for um deles?!
Kaiden virou a cabeça lentamente para encará-lo. Quando tinha aquele olhar — o mesmo olhar que mostrava no campo, momentos antes de fazer uma jogada arriscada e decisiva —, Sam sabia que não havia discussão.
— Se for um deles, não vamos deixar que encoste na gente. — Kaiden pegou um dos dardos do cesto e o segurou firme, sentindo o peso frio do metal. — Confia em mim.
Sam hesitou, mas acabou assentindo com seriedade.
— Ok. Vamos nessa.
Ele pegou dois dardos do cesto e os segurou como se fossem lanças improvisadas.
O som das batidas na porta ficou mais intenso.
BUM! BUM! BUM!
— Por favor! Eles estão vindo! Me ajudem! — gritou a voz do outro lado, desesperada e trêmula.
Sam e Kaiden se posicionaram de cada lado da porta, os dardos em punho. Kaiden olhou para o amigo e fez um sinal de contagem com os dedos:
Três... Dois... Um...
Sam girou a maçaneta, e Kaiden chutou a porta para abrir.
Ela se escancarou com um estrondo, revelando a figura de um rapaz ensanguentado e ofegante. Ele tropeçou para dentro, quase caindo, e virou-se rapidamente para olhar para trás, como se esperasse ser seguido.
— Fechem! Fechem a porta! Eles estão vindo! — ele berrou, os olhos arregalados de puro terror.
Kaiden e Sam reagiram no mesmo instante, batendo a porta com toda a força e trancando-a novamente.
— Quem é você? O que aconteceu lá fora?! — Kaiden perguntou, mantendo o dardo apontado para o rapaz.
O estranho respirava com dificuldade, o peito subindo e descendo. Seu rosto estava pálido, e havia um corte profundo em sua testa, do qual o sangue escorria lentamente.
— Eles... eles pegaram todo mundo. Eu vi... vi eles virando... monstros. Como se... — Ele parou, os olhos desfocados.
Sam deu um passo para trás, apertando o dardo com mais força.
— Kai, olha o braço dele.
Kaiden seguiu o olhar do amigo e viu: o braço do rapaz tinha marcas de mordida.
O sangue de Kaiden gelou.
— Você foi mordido?
O estranho pareceu hesitar por um momento, então olhou para o próprio braço e murmurou:
— Não... não é nada. Só um arranhão.
Kaiden e Sam trocaram um olhar.
A sala ficou em silêncio novamente, mas o som dos passos lá fora... não havia parado.
O estranho deu um passo à frente, erguendo as mãos em um gesto aparentemente tranquilo, mas Sam não abaixou o dardo. Ele usou a ponta para empurrar o peito do homem, mantendo-o à distância.
— Que palhaçada é essa? — o estranho rosnou, irritado, olhando para a arma improvisada.
— SE AFASTA! — Sam gritou, a voz falhando levemente com o nervosismo. O suor escorria por suas têmporas, e seus dedos tremiam ao segurar o dardo com firmeza.
Kaiden também ergueu o dardo, a ponta afiada brilhando na fraca luz do galpão. Seu olhar sério e frio parecia uma ameaça em si.
— Você ouviu ele. Se afasta. AGORA! — Kaiden ordenou, a voz grave, quase um rosnado.
O estranho hesitou, a expressão confusa. Ele abriu a boca para responder, mas algo mudou. Sua respiração ficou irregular, e ele cambaleou.
— O que... tem de errado... com vo—? — A frase morreu em seus lábios.
As veias sob sua pele começaram a escurecer, se tornando visíveis como linhas negras sinistras que serpenteavam por seu rosto e pescoço. Sua pele empalideceu em segundos, e seus olhos, que antes tinham vida, perderam o foco.
— Sam... — Kaiden murmurou, seus olhos arregalados de horror.
— Ele tá virando um deles! — Sam respondeu, dando um passo atrás instintivamente.
De repente, o estranho rugiu com um som gutural, animalesco:
— GRAAAHHHH!
Ele se lançou contra Sam, os braços esticados, as mãos contorcidas em garras. Sam tentou recuar, mas o impacto foi forte demais. A ponta do dardo atravessou o peito do estranho com um som de carne rasgada, mas... não houve nenhum sinal de dor. O homem nem sequer hesitou.
— Merda! MERDA! — Sam gritou, tentando empurrá-lo de volta.
Kaiden agiu sem pensar. Ele avançou e deu um chute poderoso na lateral do estranho, arremessando-o para longe de Sam. O corpo do homem bateu no chão com um baque seco, mas ele já estava tentando se levantar.
— Kai! Ele não sente nada! — Sam ofegou, se afastando.
— Fica atrás de mim! — Kaiden rosnou, apertando o dardo nas mãos.
Quando o estranho ficou de pé, Kaiden não hesitou. Ele golpeou lateralmente com o dardo, mirando a cabeça. O metal afiado cortou a pele da têmpora, abrindo um talho profundo, mas não foi o suficiente. O homem não parou.
— Por que ele não cai?! — Sam gritou, o pânico crescendo.
O estranho virou o rosto lentamente para Kaiden. Sangue escorria pelo corte, mas os olhos vazios, sem vida, ainda focavam nele.
Ele rugiu de novo e avançou.
Kaiden respirou fundo.
— Vem então, desgraçado...
Antes que o zumbi pudesse avançar mais, Sam agiu rapidamente. Com a mão firme, ele pegou outro dardo do cesto e, com um movimento fluido, colocou o pé esquerdo à frente. Ele estufou o peito e, com uma precisão impressionante, arremessou o dardo, mirando rente aos olhos do inimigo. O impacto foi certeiro, atingindo a clavícula do zumbi. O corpo do homem estremeceu com o golpe e perdeu o impulso, caindo um passo para trás, cambaleando, antes de conseguir se equilibrar.
Kaiden, percebendo a chance que finalmente tinha, não perdeu tempo. A adrenalina ainda pulsava nas suas veias, tornando tudo mais claro. Ele sabia que esse era o momento para acabar com aquilo de uma vez.
Com rapidez e precisão, Kaiden mirou o zumbi e, sem hesitar, cravou a ponta do dardo diretamente no olho do monstro. O som de carne sendo perfurada ecoou pelo galpão, e o sangue espirrou, tingindo o ambiente de vermelho.
O zumbi grunhiu uma última vez, um rugido surdo, antes de cair de joelhos. Kaiden recuou, mantendo o olhar fixo enquanto o corpo do monstro desabava no chão. Ele estava finalmente morto.
A sala ficou em silêncio, com exceção da respiração pesada de Sam e Kaiden. Ambos estavam ofegantes, o som de seus corações batendo rápido ainda reverberava em seus ouvidos.
"Matamos um homem, matamos ele, Kai!" Sam disse, sua voz tremendo com a gravidade do que acabara de acontecer.
"Ele não era mais humano," Kaiden respondeu, a voz baixa, quase um sussurro, como se estivesse tentando convencer a si mesmo.
Sam olhou para o chão, sem conseguir processar direito o que tinham feito. Depois, sua voz saiu carregada de desânimo: "Kai, se isso estiver acontecendo no mundo todo…"
"Eu sei," Kaiden interrompeu, o olhar firme, mas a tensão visível em seus olhos. "Temos que nos preparar. Pegue uma ombreira e o capacete, vamos sair!"
"Sair!? Você ficou louco?" Sam retrucou, incrédulo. "E onde vamos? O que vamos fazer? Você viu o que aconteceu ali fora!"
Kaiden respirou fundo, tentando controlar a ansiedade que começava a dominar. "Pense, Sam! Ainda é só o começo. Se ficarmos aqui, logo ficaremos com fome e sede. Não trouxemos comida, e quanto tempo vamos durar? A polícia vai dar conta disso e nos resgatar? Quando?"
Sam ficou em silêncio, encarando Kaiden. A raiva e a frustração ainda estavam lá, mas ele sabia, no fundo, que o amigo estava certo. O sinal havia sido perdido, e a situação estava se agravando a cada segundo. Esses monstros não pareciam sentir dor, nem fraqueza. Eram uma força bruta, incontrolável, destruindo tudo que encontravam pela frente. Se ficassem ali, seriam mais uma presa fácil.
Com um suspiro pesado, Sam assentiu, reconhecendo que não havia escolha.
— Vamos nos preparar! — Kaiden disse, pegando uma armadura de lacrosse e a colocando com determinação.
— Aaahhh — Sam suspirou, exasperado. — Tudo bem, Kai! Vamos fazer do seu jeito, mas eu vou montar o plano!
— Tudo bem! — Kaiden sorriu, aliviado por ter convencido o amigo.
Eles se apressaram para se equipar. Vestiram ombreiras, capacetes e caneleiras, amarrando-as firmemente com fitas para garantir proteção extra. Pegaram bolsas de ginástica para carregar o essencial e encheram-nas com os dardos do cesto. O arsenal improvisado era o melhor que podiam fazer com os recursos disponíveis.
Depois de se prepararem, sentaram-se lado a lado, enquanto Sam começava a montar o plano. Ele tocou na faixa negra em seu antebraço, conhecida como Pulse. Essas pulseiras eram o substituto dos smartphones, altamente avançadas. Além de projetarem uma tela holográfica, eram acompanhadas por lentes de contato especiais, que permitiam exibir as informações diretamente na frente dos olhos do usuário. A interface era intuitiva, fácil de manipular com gestos simples.
Sam ativou sua Pulse e começou a abrir mapas locais e ferramentas que ainda estavam funcionando, tentando criar uma rota até o mercado dentro do campus que evitasse o caos do lado de fora. Kaiden observava em silêncio, confiando no amigo para traçar o próximo passo. A tensão era palpável, mas ambos sabiam que hesitar não era uma opção.
— Então, você entendeu? — Sam perguntou, com o olhar fixo em Kaiden.
— Sim, vamos! — Kaiden respondeu com determinação, firmando o dardo nas mãos.
Eles abriram uma pequena brecha na porta para avaliar os arredores. Era cerca de 15h, e o sol começava a se inclinar no céu. Faltavam poucas horas de luz, mas os gritos de agonia ecoavam por toda parte. Pessoas corriam desesperadas, perseguidas pelos infectados.
Com o plano traçado, saíram correndo em direção ao mercado, optando pelo caminho mais longo. Contornariam o dormitório feminino e a piscina antes de chegar ao destino.
Os primeiros zumbis logo os notaram. Kaiden tomou a dianteira, mirando com precisão e estocando o centro da testa de um zumbi. O monstro despencou como se tivesse sido desligado, o corpo caindo mole no chão. Kaiden puxou o dardo de volta com um movimento rápido, sem hesitar.
Os gritos atraíram mais zumbis. Sam agarrou Kaiden pela armadura, puxando-o para a parte de trás do dormitório feminino.
— Por aqui! — ele disse, apontando para um corredor estreito que permitiria enfrentá-los um de cada vez caso fossem cercados.
Ao chegarem ao corredor, viraram-se de costas um para o outro, cada um segurando firmemente seu dardo. O som de passos descoordenados e rosnados ecoava pelos dois lados. Os monstros começaram a amontoar-se, empurrando-se mutuamente na tentativa de alcançá-los.
Kaiden sentia suas pernas bambas, e seus ombros pareciam carregar o peso de toneladas. Cada passo dos zumbis em sua direção aumentava essa sensação esmagadora.
— Haaaa! — Kaiden soltou um grito baixo, quase como um rugido de determinação.
Com ambas as mãos, ele estocou o rosto do zumbi mais próximo. Assim que o monstro caiu, outro avançou por cima dele. Kaiden continuou, golpe após golpe, sua respiração ofegante e acelerada.
Sam, por outro lado, recuava enquanto lutava. Embora o plano estivesse sendo seguido, a situação estava saindo de controle. Os zumbis, mais selvagens e fortes do que o imaginado, formavam uma onda imparável. Os corpos caídos no chão começaram a ser empurrados para frente, criando uma montanha de carne morta que dava aos monstros altura e vantagem.
— Sam! Temos que escalar eles! Preste atenção nas suas costas! — Kaiden gritou, sem desviar o olhar dos inimigos.
O cansaço tomava conta de seu corpo. Ele nunca havia se sentido assim, nem mesmo após os treinos mais intensos. A adrenalina e o medo da morte o mantinham em movimento, mas suas mãos estavam dormentes e tensas. A margem para erro era inexistente.
Mesmo com os braços e pernas pesando como chumbo, Kaiden continuou. Cada golpe exigia todo o foco e força que ele conseguia reunir. Ele sabia que um único deslize seria fatal.
— Sam, eu não sei se aguento mais! — Kaiden gritou, mas suas mãos ainda estocavam freneticamente, como se sua vida dependesse disso — e de fato dependia.
— Mas você vai aguentar, seu merda! Foi você quem me convenceu a sair daquele galpão, então agora vai aguentar! — Sam respondeu em meio aos gritos, cobrindo as costas de Kaiden enquanto escalavam a pilha de corpos que crescia a cada segundo.
— Olha a janela ali, Kai! Vamos entrar por ela! Abra caminho que eu cubro suas costas! — Sam gritou, apontando para uma janela aberta ao longe.
— Tudo bem, vamos lá! — Kaiden respondeu, ofegante, mas decidido.
O caos ao redor era sufocante. Os zumbis gritavam, avançando como uma onda impiedosa de carne e sangue, empurrando uns aos outros para alcançar suas presas. Kaiden golpeou mais um zumbi, pisando com força no rosto do cadáver caído.
— Vai! — gritou, puxando Sam pelo colarinho da ombreira. Com um impulso que usou até mesmo o rosto de outro morto como apoio, lançou Sam em direção à janela.
Sam se viu surpreendido pela força de Kaiden, mas não hesitou. Agarrou a borda da janela, apoiando-se no parapeito, e usou o cotovelo para quebrar o vidro, abrindo espaço para entrar. Dentro do quarto, que parecia ser um dormitório universitário, encontrou duas camas, alguns móveis e utensílios. Certificou-se de que o espaço estava vazio antes de se virar para ajudar Kaiden.
— Vamos, Kai! Pule, eu te pego! — Sam gritou, estendendo a mão.
Kaiden sentia cada músculo do corpo queimando, mas não parou. Pisou em um cadáver, impulsionando-se contra o muro da universidade. Com um último salto, estendeu a mão e conseguiu alcançar a de Sam.
Tap.
Sam segurou firme, puxando Kaiden com toda a força que tinha. Kaiden jogou o dardo para dentro do quarto antes de segurar a mão de Sam com as duas mãos. Após alguns segundos de esforço e adrenalina, ele finalmente conseguiu atravessar a janela.
Ambos caíram no chão do quarto, exaustos, respirando pesadamente.
— Ei, você foi mordido? — Sam perguntou entre suspiros ofegantes, olhando para Kaiden.
De repente, Kaiden começou a rir. Era um riso descontrolado, causado pelo alívio e pelo excesso de adrenalina.
— Hahahahaha! Sabe, a gente acabou de escapar da morte e você... Hahahahaha!
Sam franziu o cenho, mas não conseguiu segurar a risada também.
— Hahahaha, o que? Me responde logo, ou eu vou esfaquear sua cabeça!
Os dois continuaram rindo, o som ecoando pelo quarto enquanto o caos do lado de fora parecia, por um momento, distante.
Kaiden olhou pela janela e observou os zumbis parados, como se tentassem farejar algo no ar. Ele notou que, assim que entraram no quarto e fecharam a janela, os monstros pareciam ter perdido a pista por um momento. Mas, ao ouvir barulhos vindos de outros lugares, eles se dispersaram, atraídos pelo som.
— Acho que eles são atraídos pelo som e pelo cheiro — Kaiden comentou, ainda analisando a cena.
— Como você chegou a essa conclusão? — perguntou Sam, curioso.
Kaiden explicou o que havia observado, descrevendo o comportamento dos zumbis. Sam ouviu com atenção e concordou com a teoria dele.
— Faz sentido... Mas o que isso muda pra gente agora? — Sam perguntou.
— Nada... Só que acho que não consigo continuar. Não agora. Estou exausto!
— Eu também não — Sam admitiu.
Kaiden soltou um suspiro e se levantou, esfregando o rosto com as mãos.
— Vou me deitar, Sam. Mas, se você virar um zumbi e tentar me morder, eu te mato.
— Claro, claro. Eu também vou dormir. Estou caindo de sono — respondeu Sam com um meio sorriso.
Os dois se dirigiram às camas mais próximas, Kaiden ficando com a da direita e Sam com a da esquerda. Não houve mais conversas, nem distrações com seus Pulses. O cansaço extremo consumia cada pedaço de energia que tinham, e tudo o que seus corpos e mentes desejavam era descanso.
Durante o sono
Enquanto dormiam, algo incomum começou a acontecer. Seus corpos, já exaustos pela batalha, agora pareciam passar por mudanças drásticas.
Kaiden, atlético e robusto com seus 1,80 de altura, pele morena como trigo, cabelos pretos e curtos, maxilar bem definido e olhos profundamente negros, parecia estar em conflito interno. Seu corpo começou a aquecer de forma alarmante, como se uma febre monstruosa tivesse tomado conta dele. Seu sangue pulsava violentamente, cada batida do coração ressoando como um tambor de guerra.
A Pulse em seu braço começou a vibrar intensamente, emitindo alertas sobre sua temperatura e frequência cardíaca. Mas Kaiden, completamente inconsciente, não reagiu. O calor em seu corpo continuou a subir até atingir os 45 graus Celsius. Era uma temperatura que deveria ser fatal, mas ele permaneceu vivo, contra todas as probabilidades.
Do seu corpo, um vapor vermelho começou a subir, impregnando o ar ao redor com uma sensação densa e pesada, como se algo sobrenatural estivesse acontecendo.
Sam, em sua cama ao lado, também descansava profundamente. Ele tinha uma aparência um pouco mais refinada que a de Kaiden, com seus 1,77 de altura, cabelos loiros e longos que tocavam o maxilar, olhos azuis brilhantes e feições delicadas. Apesar de também ser forte e atlético, sua pele clara parecia imaculada, sem nenhuma imperfeição.
Embora não estivesse enfrentando o mesmo processo febril extremo que Kaiden, o corpo de Sam parecia se ajustar silenciosamente. Seus músculos relaxaram, mas um brilho quase imperceptível parecia passar por sua pele, como se houvesse uma energia contida prestes a ser liberada.
Ambos dormiam profundamente, alheios às transformações que estavam ocorrendo, enquanto o mundo lá fora continuava mergulhado no caos.
Na quadra da universidade.
Na quadra da universidade, a professora Dayse estava acompanhada de mais dois professores e suas respectivas turmas do primeiro ano do ensino médio. Além deles, alguns alunos universitários que haviam conseguido escapar do surto inicial estavam abrigados ali. A tensão era palpável, enquanto a noite caía e trazia consigo incertezas assustadoras. Os gritos e o caos do lado de fora penetravam as paredes, alimentando o medo e a ansiedade de todos.
O som constante das batidas na porta de metal da quadra reverberava pelo ambiente, misturando-se aos gritos de socorro que ecoavam na mente de cada pessoa presente. Entre eles, os professores e os treinadores de basquete e vôlei assumiram a liderança do grupo. Durante o pânico inicial, suas ações rápidas e decisivas os destacaram, conquistando a confiança dos demais.
Esses cinco líderes enfrentaram um dilema que nenhum deles estava preparado para resolver, mas que sabiam ser inevitável. Após uma discussão carregada de emoção, chegaram a uma decisão unânime — uma que pesaria para sempre em suas consciências.
A decisão era brutalmente simples: não abrir a porta sob nenhuma circunstância.
Eles sabiam que essa escolha significava ignorar os gritos e pedidos de ajuda vindos do lado de fora. Cada batida na porta parecia um golpe na moral de todos, mas os líderes estavam convictos de que abrir significaria colocar todos em risco.
Enquanto os sons do desespero continuavam lá fora, o grupo dentro da quadra permanecia em silêncio, lutando contra seus próprios medos e a culpa crescente pela escolha feita. A decisão foi necessária para garantir a sobrevivência, mas não deixou ninguém imune ao peso da responsabilidade.
Mary se aproximou da professora Dayse com passos hesitantes, como se cada movimento a colocasse mais perto de uma verdade que ela temia ouvir. Seus cabelos longos e dourados balançavam suavemente com o caminhar, enquanto seu olhar, marcado por preocupação, parecia implorar por respostas. Apesar da tensão que permeava a quadra, ela reuniu coragem para falar.
— Senhorita Dayse... — começou, sua voz quase um sussurro, trêmula como uma folha ao vento. — Sei que a senhora disse que os meninos estão bem, mas... se eles vierem até aqui, nós vamos abrir a porta para eles?
A pergunta pesou no ar como um fardo. Dayse sentiu os ombros tensos, e um calafrio percorreu sua espinha. Por um momento, tudo ao seu redor pareceu congelar: os gritos distantes, o som abafado de passos de zumbis do lado de fora, e até mesmo o murmúrio inquieto dos outros alunos na quadra.
Dayse forçou um sorriso, aquele tipo de sorriso que tenta mascarar o medo.
— Não se preocupe, Mary. Eles estão seguros. Além disso, estamos falando do Kai e do Sam. Eles são espertos, sabem o que estão fazendo.
Mas a voz da professora falhou quase imperceptivelmente, e a garota à sua frente percebeu. Mary não insistiu. Apenas assentiu, embora o aperto em seu peito tivesse ficado ainda maior.
Enquanto as duas permaneciam em silêncio, uma movimentação começou a ocorrer no outro lado da quadra. Um grupo se formou ao redor de alguém que mexia freneticamente em seu Pulse. Fragmentos de uma transmissão ao vivo começaram a ecoar pelo espaço, atraindo a atenção de todos.
— O sinal voltou! Conseguimos recuperar a transmissão... por enquanto, pelo menos! — anunciou alguém no grupo.
Mary não perdeu tempo e abriu a mesma transmissão em seu Pulse. A tela holográfica piscou à sua frente, projetando a imagem de um homem conhecido: o doutor Norman. Sua expressão era grave, e o cenário atrás dele — um laboratório iluminado artificialmente — refletia o tom de urgência em suas palavras.
— Parece que o vírus não está apenas afetando humanos. Ele também está interferindo na atmosfera, criando distúrbios que afetam os sinais de comunicação e as redes de energia.
Atrás dele, uma cápsula de vidro absolutamente vedada continha uma criatura: um zumbi imóvel, mas claramente vivo. Norman ajustou seu Pulse, projetando uma imagem maior da criatura.
— Observem o espécime que temos aqui. Durante nossas pesquisas, confirmamos que essas criaturas não sentem dor. Elas não têm capacidade de raciocínio. Tudo o que buscam é devorar.
Norman ativou um vídeo. Nas imagens, cientistas expunham o zumbi a cortes profundos, que arrancariam gritos de qualquer humano, mas a criatura não esboçou reação. Continuou imóvel, os olhos vidrados e a boca entreaberta em um grunhido baixo.
— Além disso, descobrimos que eles são cegos. Não enxergam absolutamente nada. Porém, compensam isso com um olfato e uma audição extremamente apurados.
O vídeo seguinte mostrava um zumbi parado em um campo aberto, aparentemente inofensivo. Mas bastou o som sutil de um coelho saltando para que ele avançasse como um predador faminto. A velocidade e a precisão com que se moveu eram desumanas, deixando muitos espectadores boquiabertos.
Mary sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Seus dedos apertaram o Pulse, e ela virou-se para Dayse.
— Senhorita Dayse... eles... eles realmente vão ficar bem, não vão?
A professora não respondeu imediatamente. Seus olhos estavam fixos na projeção, mas seu pensamento estava longe. Um nó se formava em sua garganta enquanto ela lutava para acreditar nas próprias palavras de conforto que dissera momentos antes.
O silêncio de Dayse disse mais do que qualquer resposta poderia expressar.
Mary estreitou os olhos, determinada a absorver cada palavra que o doutor Norman dizia na tela do Pulse. O mantra que a guiava desde que tudo começara ecoava em sua mente: informação é tudo. O ambiente ao seu redor parecia desaparecer enquanto ela concentrava sua atenção nas revelações do cientista.
— Droga! — Norman exclamou, olhando para o lado, como se estivesse conferindo algo fora da câmera. — Acho que o sinal está oscilando novamente. Antes que caia de vez, preciso passar informações urgentes.
A expressão dele ficou ainda mais grave, e ele levantou um dedo indicador, enfatizando a importância do que estava prestes a dizer.
— Primeiro: dependendo do tipo de ferida ou da forma de contato com o vírus, o tempo de transformação pode variar. Não há um padrão exato.
Norman fez uma pausa breve, como se estivesse buscando as palavras certas.
— Segundo: após a morte de um zumbi, uma espécie de concentração do vírus é liberada no ambiente. Até agora, descobrimos que ela não causa nenhum dano aparente. Pelo contrário... — Ele hesitou, como se ponderasse se deveria continuar. — Algumas pessoas que entraram em contato com essa concentração desenvolveram... certas habilidades. Ainda não entendemos o mecanismo por completo.
O murmúrio entre os alunos que assistiam à transmissão aumentou, mas Mary manteve o foco na tela.
— Terceiro: os animais também podem ser infectados pelo vírus Z. Mas o mais alarmante é que esses infectados — tanto humanos quanto animais — podem evoluir. Então, por favor, tomem cuidado.
Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, o som foi substituído por um ruído estático.
— Shhhhhhhhhhhhhhhhhh
A transmissão caiu, deixando todos na quadra em silêncio absoluto. Mary fechou o Pulse lentamente, enquanto o peso das informações recém-descobertas afundava em sua mente.
Dayse, que também havia assistido, estava pálida. Seu olhar vagava, perdido em pensamentos sobre o que aquilo significava para o grupo e, mais importante, para os dois meninos que estavam lá fora.
Mary olhou para a professora.
— Se eles sobreviverem a isso... se encontrarem essa concentração do vírus... talvez eles tenham uma chance maior.
Dayse não respondeu. Apenas apertou os lábios, temendo que toda essa esperança não passasse de uma ilusão cruel.
Dormitório Feminino
O quarto onde Sam e Kaiden estavam parecia um forno. A temperatura aumentava gradativamente enquanto seus corpos passavam por transformações inesperadas.
Após cerca de três horas de sono inquieto, Sam acordou, os olhos embaçados e a mente ainda mergulhada na sonolência. Ele se sentia diferente. Algo estava mudando dentro dele, mas a ansiedade o tomou ao imaginar que talvez estivesse se transformando em um daqueles monstros. Ele examinou rapidamente seu corpo, mas não notou nenhuma alteração física evidente. Ainda assim, uma sensação estranha pulsava em suas veias: uma energia vibrante, crua e poderosa.
Curioso e apreensivo, Sam fechou o punho com força, observando como os nós dos dedos ficavam brancos. De repente, uma onda de energia percorreu seu corpo, concentrando-se em sua mão. Uma luz branca e leitosa, carregada de poder, emergiu, pulsando de forma quase viva.
— O que é isso...? — ele murmurou, maravilhado e assustado ao mesmo tempo.
Sam deu um soco no ar, e a energia explodiu à sua frente, gerando uma pequena onda de impacto que espalhou objetos pelo quarto. A explosão bagunçou as camas, derrubou cortinas e fez ecoar um estrondo abafado.
O som o trouxe de volta à realidade. Alarmado, ele olhou ao redor, procurando por Kaiden. Foi então que o viu... e congelou.
Kaiden ainda estava dormindo, mas algo aterrorizante e fascinante acontecia com ele. Sua pele, normalmente morena, agora estava completamente vermelha, como ferro incandescente. Uma rede de veias brilhantes cobria todo o seu corpo, pulsando de forma irregular. A temperatura ao redor dele era quase insuportável.
Sam pulou da cama, preocupado. Ele tentou se aproximar, mas o calor irradiado pelo corpo de Kaiden o fez recuar.
— Droga, Kaiden, o que está acontecendo com você? — Sam murmurou, a voz tremendo.
Kaiden era mais do que um amigo para Sam. Eles tinham crescido juntos, enfrentado dificuldades e se apoiado em momentos difíceis. Ver seu melhor amigo naquela condição e não poder ajudá-lo o deixava em desespero. Quando Sam estava à beira de entrar em pânico, o corpo de Kaiden começou a mudar novamente.
Lentamente, sua pele voltou ao tom normal, e as veias brilhantes desapareceram. A temperatura no quarto caiu gradativamente, permitindo que Sam finalmente se aproximasse. Ele agarrou os ombros de Kaiden e o sacudiu com força.
— KAIDEN! KAIDEN! — Sam gritou, tentando despertá-lo.
Kaiden abriu os olhos lentamente, piscando contra a luz fraca do quarto.
— O que é? Me deixa dormir... Eu tive um sonho louco... zumbis, calor, correria... — Ele parou de falar, franzindo a testa ao reconhecer o dormitório feminino. — Droga! Não foi um sonho?
— Não, não foi! — Sam respondeu, a voz carregada de urgência. — Acorda, eu preciso te mostrar algo!
Kaiden suspirou e esfregou o rosto, tentando se livrar da sonolência.
— Isso melhor ser importante... — ele murmurou, sem saber que sua vida havia mudado para sempre.
Kaiden esfregou os olhos, ainda meio confuso, enquanto Sam o puxava pelos ombros, claramente impaciente.
— Sam, o que foi agora? — Kaiden perguntou, a voz rouca e carregada de cansaço.
— Apenas olha isso! — Sam disse, levantando o punho e fechando-o com força.
De repente, uma energia branca, leitosa e pulsante começou a irradiar de sua mão, envolvendo-a como uma aura viva.
Kaiden arregalou os olhos, despertando completamente.
— O que diabos é isso? — ele exclamou, inclinando-se para frente para observar mais de perto.
Sam deu um passo atrás e, com um movimento rápido, desferiu um soco no ar. A energia que envolvia seu punho explodiu para frente, criando um estrondo ensurdecedor e bagunçando ainda mais o quarto. Cortinas voaram, objetos caíram das prateleiras, e uma das camas quase tombou.
— Tá vendo isso? Eu não sei o que aconteceu comigo, mas... — Sam parou, ofegante, olhando para suas mãos. — Eu me sinto... mais forte. Como se tivesse uma corrente elétrica correndo por todo o meu corpo.
Kaiden ainda encarava o estrago, tentando processar o que acabara de acontecer. Ele olhou para Sam, franzindo a testa.
— E você acha que isso tem algo a ver com aquele vírus?
— Acho que sim — Sam respondeu, ainda impressionado consigo mesmo. — Mas espera... Você não viu como você estava?
— Como assim? — Kaiden perguntou, confuso.
— Seu corpo estava... incandescente! Vermelho, como metal aquecido! Suas veias estavam brilhando, e a temperatura do quarto subiu tanto que eu mal conseguia chegar perto de você. Achei que você fosse explodir ou algo assim!
Kaiden piscou, atordoado. Ele olhou para suas mãos e, em seguida, para o próprio corpo, mas não viu nada fora do comum.
— Eu não sinto nada diferente — ele disse, levantando-se lentamente.
No entanto, enquanto fazia isso, uma sensação percorreu sua espinha. Algo quente e vibrante parecia pulsar dentro dele, crescendo em intensidade. Ele fechou os olhos por um momento, tentando se concentrar.
— Espera... Tem algo aqui... — Kaiden murmurou, enquanto o calor dentro dele se intensificava.
Antes que pudesse terminar de falar, um leve brilho avermelhado começou a emanar de sua pele. Não era tão intenso quanto antes, mas era o suficiente para que Sam desse um passo para trás, boquiaberto.
— Você tá brilhando, cara!
Kaiden olhou para si mesmo, os olhos arregalados. Ele levantou as mãos, e o brilho avermelhado aumentou, como uma chama controlada. Ele começou a sentir o sangue fluir de maneira diferente em seu corpo, como se pudesse manipulá-lo. Com um pensamento, ele estimulou o fluxo, e sua pele voltou a brilhar em vermelho incandescente.
— Isso é... insano — Kaiden murmurou, observando o estranho fenômeno.
A sensação de força e vitalidade que percorreu seu corpo era intensa. Ele fechou os punhos, sentindo uma energia pulsar em suas veias.
— Seja lá o que for, parece que a gente mudou — Sam disse, com um sorriso nervoso. — E, considerando o que Norman falou sobre o vírus, acho que a gente acabou sendo... sortudo?
Kaiden ergueu uma sobrancelha.
— Sortudo? Estamos presos num apocalipse de zumbis e você acha que isso é sorte?
— Ei, não tô dizendo que é perfeito — Sam retrucou, encolhendo os ombros. — Mas olha só: isso pode nos dar uma chance de sobrevivência.
Kaiden ficou em silêncio por um momento, olhando para o brilho que irradiava de suas mãos.
— Pode ser — ele disse finalmente. — Mas, antes de qualquer coisa, a gente precisa descobrir o que exatamente está acontecendo conosco.
— Concordo — Sam respondeu. — E, pra começar, vamos testar o que você consegue fazer.
Kaiden soltou um suspiro e balançou a cabeça.
— Certo, mas tenta não destruir o quarto dessa vez.
Sam deu uma risada.
— Sem promessas.
Kaiden balançou a cabeça com as palhaçadas de Sam, mas logo sua expressão ficou mais séria.
— Certo, Sam, o que você sente quando usa seu poder?
Sam parou por um momento, refletindo, antes de responder.
— Eu não sei explicar direito... É como se uma energia fluísse dentro de mim. Como se fosse parte de mim, entende?
Kaiden assentiu lentamente, observando sua própria mão ainda brilhando com aquele tom avermelhado.
— Eu entendo... Sinto algo parecido, mas no meu caso, a energia parece fluir pelo meu sangue — ele disse, sua voz carregada de curiosidade e cautela.
Sam franziu a testa, surpreso.
— Pelo seu sangue!?
— Sim... — Kaiden murmurou, perdido em seus pensamentos.
Ele se levantou de repente, fechando o punho e desferindo um soco no ar, imitando o movimento que Sam havia feito antes. O impacto não foi tão explosivo, mas Kaiden não parou por aí. Ele continuou desferindo socos, um atrás do outro, cada vez mais rápidos e poderosos, como se uma força sobre-humana o alimentasse.
Seus movimentos eram precisos e ininterruptos, a energia em seu corpo pulsava com cada golpe. Ele parecia incansável, como uma verdadeira máquina de guerra.
Sam observava, boquiaberto, enquanto Kaiden continuava a demonstrar uma resistência física impressionante.
— Cara, isso é... assustador e incrível ao mesmo tempo! — Sam exclamou, incapaz de esconder a empolgação.
Kaiden parou, ofegando levemente, mas um sorriso determinado surgiu em seu rosto.
— Seja lá o que está acontecendo com a gente, Sam, precisamos aprender a controlar isso.
Sam assentiu, o brilho em sua mão reaparecendo enquanto ele ergueu o punho.
— Concordo. Vamos descobrir até onde podemos ir.
— Sim, mas agora não! Ainda temos coisa para fazer, e eu estou com fome... — Kaiden comentou, cruzando os braços.
— Ei, tive uma ideia, Kai. Vamos tentar limpar o dormitório para usá-lo como base. Tentamos encontrar comida hoje, e amanhã a gente vai até o mercado para buscar mais suprimentos. — Sam sugeriu, com um sorriso confiante.
Kaiden ergueu uma sobrancelha.
— É alguma coisa, mas... como você sugere que limpemos o dormitório? Deve ter cerca de dez andares!
Sam sorriu, levantando a mão para interromper.
— Vamos dividir e conquistar. Estamos no primeiro andar, então limpamos esse andar primeiro e obstruímos as escadas e o elevador para impedir que mais zumbis desçam. Depois subimos para limpar o resto. Existem duas escadas, uma à direita e outra à esquerda. Cada um pega um lado, e nos encontramos no meio de cada andar. — Enquanto explicava, Sam desenhava rapidamente um esboço no holograma de sua pulseira.
Kaiden soltou uma risada curta.
— Você está confiante com seu novo poder, não é?
— Tsc, e você não está? — Sam retrucou, com um olhar desafiador.
Kaiden deu de ombros e suspirou.
— Tudo bem, vamos agir!
Ele pegou seu dardo prateado, ajustou a armadura de lacrosse que usava como proteção improvisada e esperou Sam se preparar. Assim que tudo estava pronto, Kaiden se posicionou à frente da porta.
Com movimentos lentos e cuidadosos, ele girou a maçaneta e abriu a porta, apenas o suficiente para espiar o corredor.
Grrrrrr.
Tak tak tak.
O som de grunhidos baixos e dentes batendo ecoou pelo corredor mal iluminado pelas luzes vermelhas de emergência. Kaiden estreitou os olhos, observando as sombras à frente. Dois zumbis estavam vagando no lado esquerdo.
Ele gesticulou para Sam, indicando a posição deles, antes de sair rapidamente. Em passos firmes e precisos, Kaiden avançou sobre os zumbis. Com um movimento fluido, ele usou seu dardo prateado para atingir o primeiro no crânio, derrubando-o sem dar chance de alarme. Antes que o segundo tivesse tempo de reagir, Kaiden já havia se posicionado e finalizado com outro golpe certeiro.
Os corpos caíram no chão com um baque surdo, e Kaiden respirou fundo antes de sinalizar para Sam.
— Dois a menos. Vamos continuar antes que o resto perceba.
Kaiden e Sam estavam agachados, analisando o corredor à frente. Sem a obstrução da porta, eles conseguiram ter uma visão mais clara: cerca de cinco zumbis perambulavam no lado direito.
Eles trocaram um olhar rápido e assentiram, compartilhando a mesma determinação silenciosa.
Depois do que aconteceu atrás do dormitório, os dois entenderam que não podiam permitir que os zumbis tivessem qualquer chance de gritar ou atrair mais inimigos. Em sincronia, eles se prepararam, ajustando os dardos nas mãos e avançando.
Kaiden ativou sua nova habilidade. Sua pele assumiu um brilho vermelho intenso, e sua velocidade aumentou drasticamente. Ele disparou pelo corredor como um borrão, ignorando os dois primeiros zumbis. Seus movimentos eram ágeis e precisos, e ele rapidamente alcançou o terceiro. Com um golpe firme, enfiou o dardo no crânio da criatura, atravessando-o com facilidade.
Sem parar, Kaiden puxou o dardo enquanto se movia, arrancando pedaços do crânio ensanguentado do zumbi. Ele continuou com o mesmo ímpeto, atacando o quarto inimigo da mesma maneira, um golpe direto e letal.
Ao chegar no quinto zumbi, ele mudou de tática. Com um movimento rápido e brutal, agarrou a nuca da criatura e a esmagou contra o chão. O crânio do zumbi estourou com um som seco, e seu corpo ficou imóvel.
Kaiden levantou o olhar, respirando fundo enquanto observava os dois primeiros zumbis que ele havia deixado para trás. Para sua satisfação, eles já estavam no chão, eliminados com facilidade por Sam, que limpava o sangue do dardo com um olhar satisfeito.
— Trabalho limpo — Kaiden comentou, olhando para os corpos no corredor.
— Não que tivesse dúvida, né? — Sam respondeu, um sorriso provocador no rosto.
Kaiden apenas revirou os olhos antes de gesticular para o corredor.
— Vamos continuar. Ainda temos muito chão pela frente.
— Certo, vamos começar a vasculhar os quartos, um por um. Não deixe nada passar — Sam disse com firmeza, olhando diretamente para Kaiden.
— Eu começo pela direita. Vá até os da esquerda — Kaiden respondeu, apontando para o outro lado do corredor.
Sam estalou a língua, claramente aborrecido, e se dirigiu para o outro lado, agachado e em silêncio. Apesar da irritação evidente, a tensão da noite continuava a pesar sobre ambos.
Enquanto avançavam pelos corredores, os sons que antes preenchiam o ambiente pareciam ecoar na mente de Sam. Ele ainda podia ouvir, como se estivesse acontecendo novamente, o caos que testemunhara: o som de passos apressados de pessoas correndo, os gritos desesperados pedindo ajuda, e os uivos horríveis de dor sendo interrompidos pelos estalos nauseantes de carne sendo dilacerada.
Sam fechou os olhos por um momento, tentando afastar aquelas lembranças. Era quase impossível ignorar o peso psicológico do que haviam passado.
Ele balançou a cabeça, afastando os pensamentos, e sussurrou para si mesmo:
— Foco, Sam... Você ainda está vivo.
Kaiden, do outro lado, parecia igualmente alerta, mas focado. O silêncio no corredor agora parecia opressor, quase sufocante, como se a noite estivesse esperando para engoli-los ao menor erro.
Eles sabiam que cada movimento precisava ser calculado, e que o terror não estava apenas no que já haviam enfrentado, mas no que ainda podia estar à espreita.
Kaiden sabia que precisava agir rápido. O térreo ainda estava infestado e, até que bloqueassem as escadas e o elevador, a sensação de segurança seria apenas uma ilusão. O plano era simples: limpar os oito quartos do andar e usar tudo o que encontrassem para barricar as escadas.
Ele girou a maçaneta do primeiro quarto, mas um clique indicou que estava trancado. Kaiden respirou fundo e bateu suavemente na porta.
— Tem alguém aí dentro? — sussurrou, mantendo a voz baixa. — O corredor está limpo. Vou entrar de qualquer forma, mas, se tiver alguém, não quero assustar você.
O silêncio do outro lado foi sua única resposta. Kaiden esperou alguns segundos, atento a qualquer movimento. Nada.
Sem perder mais tempo, ele abriu o painel de identificação ao lado da porta, puxando cuidadosamente dois fios — um vermelho e um azul. Com um leve toque, uniu as pontas, provocando um pequeno curto. Outro clique ecoou, liberando a tranca.
Kaiden abriu a porta lentamente, espiando o interior do quarto. Como esperado, estava vazio. O surto tinha começado durante o horário das aulas, e a maioria dos estudantes estava longe dos dormitórios.
Ele entrou, observando o ambiente familiar. O layout era quase idêntico ao quarto onde ele e Sam haviam se abrigado. A diferença estava nos objetos pessoais espalhados — memórias de um tempo que parecia distante demais. Kaiden ignorou tudo isso.
Focado, puxou os colchões e arrastou as estruturas metálicas das camas. Sua pele brilhou em tons avermelhados enquanto o calor pulsava em suas veias. A força recém-descoberta o ajudou a movimentar a cama inteira, deslizando-a com facilidade pelo corredor até a escada. Repetiu o processo com a outra cama e empilhou os móveis restantes, criando uma barreira sólida.
Kaiden parou por um momento, observando o trabalho. Do outro lado do corredor, Sam também arrastava uma cama.
O brilho branco e pulsante que irradiava do braço de Sam chamava a atenção. Kaiden sorriu de leve.
— Usando o novo poder de forma criativa, hein? — murmurou para si mesmo, admirado.
Sam empurrou a cama com um último esforço, finalizando sua barricada. Os dois se encararam por um instante, trocando um olhar cúmplice.
O dormitório começava a parecer um pouco mais seguro, mas ambos sabiam que aquilo era apenas o começo.
Kaiden e Sam vasculharam cada quarto, limpando os zumbis e revirando gavetas em busca de mantimentos. A tensão se arrastava em cada batida do coração, o silêncio do dormitório pesando como um manto invisível sobre eles. Foi só no segundo andar, no quarto número oito, que encontraram os primeiros sobreviventes.
Após limpar o corredor, Sam parou diante de uma porta semiaberta. Ele trocou um olhar rápido com Kaiden, sinalizando que entraria. Deslizou para dentro com cautela, os passos leves como se temesse que o chão pudesse trair sua presença.
Lá dentro, duas estudantes estavam encolhidas contra a parede. A luz fraca que vinha da janela cortava o quarto em sombras densas. A mais alta, com cabelos pretos e lisos, tentava proteger a amiga que tremia nos braços dela. O rosto firme da primeira contrastava com os olhos marejados da outra, que soluçava baixinho.
— Olá… — Sam disse em um sussurro suave, quase como se tivesse medo de quebrar o frágil equilíbrio do momento. — Meu nome é Sam. E vocês?
As meninas se sobressaltaram, seus olhos arregalados encarando Sam como se ele fosse uma miragem. A mais baixa, a que chorava, apertou o braço da amiga como se isso pudesse afastar qualquer ameaça.
— O que está acontecendo? Você… veio nos salvar? — a voz dela falhou no meio, os soluços retornando com força. — Eu… eu estou com fome… e com medo…
— Calma, Aline. Respira… Eu estou aqui com você — a outra sussurrou, alisando os cabelos da amiga.
Ela levantou o olhar e, com um suspiro, endireitou os ombros. Havia um cansaço visível em seu rosto, mas também uma centelha de determinação.
— Eu sou Camila. — A voz dela era firme, mas carregava o peso de horas de incerteza. — O que está acontecendo lá fora? Aline entrou em pânico. Eu não quis deixá-la sozinha, então ficamos aqui. Mas… eu não sei o que está havendo.
Sam inspirou profundamente, sentindo um aperto no peito. Aquela cena o atingiu em cheio. Ele reconhecia o medo no olhar delas — era o mesmo medo que quase o paralisou no galpão, antes que Kaiden o puxasse para fora.
— É um vírus… — disse com a voz baixa, como se falar aquilo em voz alta pudesse piorar a realidade. — É uma epidemia. Eu e Kaiden estamos tentando limpar o dormitório e torná-lo seguro. Estamos procurando comida, água… qualquer coisa que ajude a sobreviver.
Camila ficou em silêncio por alguns segundos, encarando Sam como se esperasse uma explicação mais reconfortante. Mas não havia nada de reconfortante a ser dito.
— Um vírus… — ela repetiu, pensativa. — Aqueles gritos que ouvimos… e as pessoas correndo. — Sua voz tremeu. — Eu vi pela janela. Achei que fosse um ataque terrorista ou algo assim.
— Talvez tenha sido… — Sam admitiu, passando a mão na nuca. — Mas se for, já saiu do controle há muito tempo.
Ele tirou o capacete devagar, revelando o rosto jovem e cansado. Camila e Aline o analisaram por um momento, a surpresa evidente.
— Você… você é um dos alunos visitantes? — Aline perguntou, limpando os olhos com as mangas da blusa.
— Sim. Eu e Kaiden estávamos no centro da universidade quando tudo começou. — Sam se apoiou na moldura da porta, observando o corredor escuro. — Mas tem uma coisa que não faz sentido. Mesmo que o surto tenha começado em horário de aula, deveria ter mais gente aqui no dormitório.
Aline hesitou, mordendo o lábio.
— Quando a confusão começou… muitas meninas foram para o quinto andar.
— O quinto andar? — Sam franziu o cenho.
— Sim. Lá tem uma sala de lazer. Elas acharam que seria mais seguro ficar juntas — Camila completou, cruzando os braços.
Sam piscou, tentando processar aquilo.
— E por que vocês não foram? — A pergunta saiu antes que ele pudesse pensar.
Camila deu de ombros, o tom dela era quase cínico.
— As pessoas estavam surtando… comendo umas às outras. — Seus olhos se estreitaram. — Você acha que eu queria ficar presa com um monte de gente assim?
Aline abaixou a cabeça, visivelmente desconfortável. Sam coçou a cabeça, sem saber como responder. Fazia sentido. Se ele estivesse no lugar delas, talvez tivesse tomado a mesma decisão.
— Tá certo… — Ele suspirou, recolocando o capacete. — Fiquem aqui. Trancem a porta e tentem descansar. Eu volto quando for seguro.
Ele fechou a porta devagar, o clique da tranca ecoando no silêncio do corredor. Por um instante, Sam apenas ficou parado, encarando o nada.
A noite ainda estava só começando.
Camila e Aline permaneceram em silêncio por um momento, seus olhos fixos na porta que Sam acabara de fechar. O som suave do clique da fechadura ecoou no quarto escuro, e a sensação de solidão voltou a se instalar como uma manta pesada.
— O que você acha dele? — Camila quebrou o silêncio, sua voz um sussurro quase inaudível.
Aline ergueu o olhar, seus olhos ainda marejados, mas a ansiedade em seu rosto havia diminuído um pouco. Ela se aconchegou nos braços da amiga, buscando conforto em sua presença constante.
— Eu não sei… — Aline respondeu lentamente, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. — Ele parece estar seguindo os instintos dele.
Camila franziu o cenho, fitando a porta com um olhar distante.
— Eu sinto o mesmo. Mas não sei se isso é bom ou ruim.
Aline respirou fundo, finalmente soltando um pouco do peso que parecia pressionar seu peito.
— Eu acho que, no fundo, ele está tentando fazer a coisa certa… Mas isso não significa que ele saiba o que está fazendo.
Camila esboçou um sorriso breve, mas sem humor.
— Talvez ninguém saiba.
O silêncio caiu entre elas de novo, mas dessa vez não era tão sufocante. Elas estavam juntas, e isso, por enquanto, era o suficiente.
Voltando ao corredor, Sam e Kaiden se encontraram no ponto de encontro, suas respirações pesadas ecoando nos arredores silenciosos.
— Elas te falaram? Sobre o quinto andar? — Kaiden perguntou, mantendo a voz baixa, mas seus olhos não escondiam a preocupação.
Sam assentiu, seus dedos brincando nervosamente com o dardo prateado em sua mão.
— Sim… o que você acha disso?
Kaiden estreitou os olhos, olhando para o fim do corredor como se esperasse que algo emergisse da escuridão.
— Acho que precisamos estar prontos. Não importa o que for.
O olhar determinado de Sam cruzou com o de Kaiden, e por um breve instante, ambos souberam que estavam na mesma sintonia. Eles não podiam recuar.
Kaiden tomou o caminho pela escada da direita, enquanto Sam subiu pela esquerda. O terceiro andar os recebeu com um silêncio sepulcral. Nenhum zumbi à vista. Mas havia algo errado.
Kaiden parou no último degrau, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. O ambiente estava diferente. O ar parecia denso, quase palpável, e a luz vermelha que piscava fracamente ao longo do corredor parecia mais escura, como se o próprio prédio estivesse respirando junto com ele.
Ele ergueu os olhos e encontrou Sam do outro lado, parado no final do corredor. Sam olhava ao redor, sua expressão tensa. Ele sentia a mesma coisa.
Kaiden levantou as mãos, fazendo sinais silenciosos — o mesmo código que usavam durante os jogos, um lembrete de que precisavam se manter alertas. Sam repetiu o gesto em confirmação e os dois começaram a avançar, um de cada lado do andar.
A primeira porta à direita estava arrombada.
Kaiden franziu a testa. Ele deslizou a mão ao longo da moldura da porta, sentindo os estilhaços de metal torcido e madeira lascada.
— Que diabos conseguiria arrombar uma porta dessas…? — murmurou para si mesmo.
Com cautela, empurrou a porta, que rangeu em protesto.
O cheiro o atingiu primeiro.
Era um fedor pútrido, espesso e nauseante, como se a própria morte estivesse impregnada no ar. Kaiden levou o braço ao nariz, mas o gesto pouco ajudou.
Dentro do quarto, duas silhuetas jaziam no chão.
Corpos. Dilacerados.
Os restos estavam espalhados de forma grotesca. Entranhas se arrastavam pelo chão, manchando a madeira com um vermelho escuro e viscoso. Uma das cabeças — separada do corpo — estava caída no canto, os dentes ainda trincando no vazio, como se tentasse morder algo que já não estava lá.
Kaiden prendeu a respiração, mas a visão do braço decepado e torcido ao lado de sua bota o fez estremecer. A pele estava azulada, inchada, morta.
Ele não conseguiu segurar.
— Blurggg! — Seu corpo se curvou em espasmos, o vômito escapando sem controle.
Kaiden respirou fundo, tentando limpar a mente. Suas mãos tremiam. Ele se apoiou contra o batente da porta, o suor frio escorrendo pela testa.
Mas antes que pudesse se recompor — algo o agarrou.
Um braço gélido e podre emergiu das sombras do quarto, puxando-o com força para dentro.
Kaiden tropeçou, seus olhos arregalados capturando a cena em frações de segundos. Os dentes — encharcados em um líquido negro — vinham em sua direção, abertos e famintos.
Ele tentou gritar, mas o ar parecia ter sumido de seus pulmões.
O que estava à sua frente não era um zumbi comum.
A coisa tinha mais de dois metros e meio de altura, uma massa grotesca de gordura e músculos cobertos por uma pele doentia. O monstro arfava, os olhos escuros fixos em Kaiden como se o devorasse com o olhar.
Kaiden franziu o cenho, o coração acelerado.
— Mas que merda é essa…?
Antes que pudesse dar um passo para trás, a criatura avançou.
Um único puxão.
A mão imensa se fechou em torno do braço de Kaiden como uma corrente de ferro. A dor foi imediata — uma pressão brutal que ameaçava arrancar o ombro do lugar.
— AHHH!
O dardo que ele segurava na mesma mão tremeu, mas o monstro o imobilizava, esmagando seus ossos a cada segundo.
Kaiden gritou, o coração batendo tão forte que parecia ecoar no peito.
E então… algo dentro dele despertou.
O sangue ferveu em suas veias, respondendo ao perigo iminente.
Seu corpo esquentou em um instante, a pele brilhando em tons avermelhados.
Ele não pensou — apenas reagiu.
A outra mão de Kaiden se lançou à mandíbula do monstro, empurrando-a para trás enquanto a guilhotina de dentes estalava a poucos centímetros de seu rosto.
— TAAK!
A criatura se debatia, e Kaiden sentiu a força do monstro empurrá-lo para trás. Ele tentou se equilibrar, mas as pernas vacilavam sob o peso que o puxava.
"Droga, o dardo…!"
Ele tentou girar o pulso, mas a garra grotesca apertava mais, forçando o dardo a cair de sua mão.
— Não…!
Antes que Kaiden pudesse reagir, o braço grosso da criatura o puxou, prendendo-o em um abraço esmagador.
Era como se o mundo se comprimisse ao seu redor.
A força do monstro apertava seu torso, suas costelas rangendo contra o peso esmagador.
Kaiden rugiu em desespero.
— NÃOOOOOOOO!
Seu corpo fumegava. O calor emanava dele em ondas, vapor subindo de sua pele.
A criatura não recuou nem por um segundo, o aperto não cedia.
— EU NÃO VOU MORRER AQUI!
Os olhos de Kaiden brilharam como brasas vivas. Ele agarrou o queixo da criatura, forçando-o para trás com uma fúria crescente.
A cabeça do monstro se contorcia tentando se libertar das garras de Kaiden que tentava desesperadamente mante-la afastada de si mesmo.
— VOCÊ VAI… MORRER!
A temperatura ao redor subiu tanto que a pele da aberração começou a fumegar, mas mesmo assim o abraço não afrouxava.
Kaiden começou a ofegar, o suor escorrendo enquanto seus braços tremiam sob a pressão.
Ele olhou ao redor, desesperado, mas não havia nada ao alcance.
O dardo brilhava no chão, fora de seu alcance.
"Não… Eu não posso morrer…!"
A dor crescia, e seus ossos estalavam.
O zumbi gordo rosnou, aproximando sua mandíbula aberta mais uma vez, gotas escuras pingando da boca.
Kaiden sentiu o desespero crescer.
Mas então, a raiva explodiu.
— GUAAAAAARRRHHHHH!
Em um último impulso, Kaiden empurrou o monstro com as pernas.
O abraço se desfez por um segundo.
Kaiden caiu sobre o monstro, os dois rolando pelo chão.
Ele agarrou o dardo caído e, com a mão livre, cravou-o no olho esquerdo da criatura.
— TOMA ISSO!
O sangue negro espirrou, cobrindo Kaiden.
A criatura grunhiu em agonia, mas Kaiden socou seu queixo com força, forçando a boca a se fechar bruscamente.
Finalmente, a mão grotesca libertou seu braço.
Kaiden se levantou, arfando, enquanto a aberração se retorcia no chão.
Ele cravou o dardo novamente, desta vez direto no crânio.
O monstro se contorceu uma última vez… e parou.
Kaiden recuou, respirando pesadamente, os olhos ainda arregalados.
Ele se apoiou nos joelhos, tentando se recompor.
Foi quando percebeu.
O silêncio absoluto.
Até que…
Um estalo.
Kaiden ergueu a cabeça, um arrepio gelado correndo por sua espinha.
Algo rastejava atrás dele.
Quando se virou, viu a cabeça sem corpo da garota — ensanguentada, os olhos vazios fixos nele.
A mandíbula se abria e fechava com estalos secos, se arrastando na direção de seu calcanhar.
Apenas centímetros os separavam.
Kaiden congelou.
"Eu não vou conseguir…"
Seu coração parou por um instante —
— BADUM.
A pulsação ecoou em sua mente como o estouro de um trovão distante.
De repente, tudo pareceu desacelerar.
O mundo ao redor se afogava em silêncio, pesado como se o ar estivesse denso.
O calor subiu por seu corpo, queimando-o de dentro para fora.
Era como se seu sangue estivesse à beira de ferver.
Então, sem aviso —
— Explodiu.
O sangue derramado no chão respondeu ao chamado da carne.
Ele se ergueu num lampejo carmesim, tomando forma diante de Kaiden.
Uma lança — afiada e pulsante — materializou-se no ar, nascida de sua própria essência.
Ela despencou como uma flecha caída do céu.
CRACK!
A lâmina se cravou na cabeça da zumbi, paralisando-a a um fio de cabelo de alcançar sua pele.
Kaiden arfou, sentindo as forças fugirem de suas pernas.
Seu corpo oscilou, mas ele se manteve firme, afastando lentamente o pé da boca ainda entreaberta.
Seus olhos caíram sobre a lança sangrenta, que vibrava suavemente, como se ainda estivesse viva.
Ao segurá-la, um arrepio percorreu seu braço.
Era quente. Familiar.
Parte dele.
A energia que fervia em seu corpo fluiu diretamente para a arma.
Quando tocou a lâmina, ela brilhou com um dourado intenso — como se a própria essência de Kaiden a estivesse incendiando.
"Isso… sou eu."
Ele respirou fundo, lutando para domar o poder que transbordava em cada célula de seu corpo.
A luz da lança começou a se apagar, acompanhando o ritmo de sua respiração.
Kaiden permaneceu ali por mais alguns segundos, o suor escorrendo pelo rosto enquanto sentia seu corpo voltar, pouco a pouco, ao normal.
Tap. Tap. Tap.
Passos ecoaram no corredor, apressados.
Kaiden, sentado à beira da cama, ergueu a cabeça.
A porta se abriu com um baque seco.
Instintivamente, ele se levantou, empunhando a lança de sangue. A lâmina brilhou, apontada para a entrada.
Sam surgiu no batente, o rosto tenso e suado.
— Kaiden! Sou eu!
Kaiden piscou, reconhecendo o amigo. A lança abaixou, e ele soltou um suspiro pesado.
Seu corpo cedeu de volta para a cama, o cansaço evidente.
Sam permaneceu na porta por um momento, observando a expressão abatida do amigo.
O olhar dele vagou pelo quarto.
— O que...
Os olhos de Sam pararam no corpo monstruoso caído.
O zumbi de dois metros e meio jazia no chão, o olho esquerdo perfurado.
Mais à frente, a cena grotesca da mulher destroçada o fez engolir em seco.
— Você o matou? — Sam perguntou, sem tirar os olhos da criatura.
Kaiden assentiu lentamente, a cabeça pendendo para frente.
Sam franziu a testa, notando o tremor discreto nas mãos de Kaiden.
— Você tá bem?
— Só... preciso de uns minutos. — A voz de Kaiden saiu fraca, mas firme.
Sam entrou com cautela, desviando dos rastros de sangue no chão.
— O que aconteceu aqui? — Ele apontou com o queixo para a lança. — E o que é isso?
Kaiden fitou a arma por um instante. O sangue seco na lâmina parecia pulsar, como se ainda estivesse vivo.
— Esse monstro aí...
Kaiden começou a contar, a voz baixa e rouca.
Ele descreveu o embate, o desespero, e o momento em que a lança surgiu de seu próprio sangue.
Quando terminou, o silêncio se espalhou pelo quarto.
Sam cruzou os braços, os olhos ainda presos ao cadáver.
— Então... — Sam limpou a garganta. — Existem outros tipos de zumbis. Mais fortes.
Kaiden apenas assentiu.
— E você quase morreu por causa de uma cabeça.
Sam franziu o cenho.
Eles estavam se sentindo invencíveis e confiantes depois de conseguir suas habilidades.
Mas aquilo?
Aquilo foi um aviso.
— E essa lança aí...
Kaiden girou a lança lentamente nas mãos, observando o brilho opaco do sangue seco.
— Eu ainda não sei direito. — Ele respirou fundo. — Ela se formou quando eu estava em desespero. Parece ser feita do meu próprio sangue.
Sam assobiou, impressionado.
— Isso é legal. — Ele sorriu. — Claro, não mais legal do que o meu poder, mas é legal.
Kaiden ergueu uma sobrancelha, mas antes de responder, Sam esticou a mão.
Uma esfera de energia leitosa surgiu, rodopiando entre seus dedos.
Com um movimento rápido, ele desferiu uma palma à frente, e a esfera foi lançada, disparando como um raio.
A cabeça destroçada da mulher explodiu em uma nuvem de fragmentos e fumaça.
Kaiden riu, balançando a cabeça.
— Legal.
Sam sorriu de volta, satisfeito com a reação.
O clima pesado do quarto parecia ter se dissipado — pelo menos um pouco.
Kaiden soltou um suspiro e se levantou.
Kaiden e Sam avançaram pelos corredores silenciosos, suas respirações ecoando baixas no ambiente escuro.
— Vamos continuar. A noite ainda não acabou. — Kaiden disse, limpando o suor da testa.
— Certo. — Sam concordou, ajustando a postura.
Eles vasculharam o terceiro andar, mas não encontraram sobreviventes. Os quartos estavam vazios, e o cheiro de sangue impregnava o ar.
— Nada. — Sam murmurou, chutando destroços.
— Vamos para o quarto andar.
Kaiden guiou o caminho, e enquanto subiam as escadas, ele relaxou a mão, dissolvendo a lança de sangue. O líquido carmesim escorreu por seu braço e desapareceu sob a pele.
No quarto andar, o cenário se repetiu. Nenhuma garota foi encontrada. As portas estavam abertas, mas os quartos vazios.
— Acho que todas subiram para a sala de lazer. — Sam comentou, olhando em volta.
Kaiden assentiu, o olhar atento.
A única passagem para o quinto andar era uma escada central, localizada entre os quartos.
Eles pararam ao pé dela.
— Chegamos. — Sam quebrou o silêncio. — Pronto?
— Sempre. — Kaiden respondeu, sentindo o calor subir por seu corpo.
O sangue em suas veias pulsou, e em um instante, a lança se formou mais uma vez. A lâmina alongada lembrava uma glaive, reluzindo em carmesim sob a luz fraca.
Sam ergueu o dardo. Energia leitosa começou a dançar em volta dele, girando em espirais vibrantes.
Os dois se posicionaram diante da porta da sala de lazer.
Kaiden respirou fundo.
— Vamos acabar com isso.
Mais cedo naquele dia, durante o surto — Dormitório feminino.
O surto começou de forma caótica. Muitas garotas estavam do lado de fora do dormitório, mas conseguiram voltar antes que fossem pegas. A correria para entrar gerou tumulto na entrada, congestionando escadas e elevadores. Tudo ficou ainda pior quando uma das garotas, infectada, se transformou bem ali, no meio de todas.
A monitora do dormitório e suas duas amigas se colocaram à frente, tentando controlar a situação. A monitora, Serena, era uma figura conhecida. Integrante do conselho estudantil e campeã do clube de xadrez, sua popularidade ia além dos tabuleiros. Fugindo do estereótipo, Serena era bonita, comunicativa e carismática, o que ajudava a atrair novos membros para o clube.
Ao seu lado estavam Kaliupe, campeã de kendo da faculdade, e Kate, filha de uma figura política influente. Kaliupe era reservada, mas ferozmente protetora de suas amigas — certa vez, espancou um estudante que assediava Serena. Kate, por outro lado, era a garota mais bonita do campus, famosa por suas habilidades de relações públicas.
As três eram conhecidas como as Três Belezas de Riart.
Serena assumiu o comando. Kaliupe, com sua espada de madeira, enfrentou e derrotou o zumbi, enquanto Kate acalmava as demais, trazendo a ordem de volta. Elas organizaram as garotas, bateram nas portas e reuniram cerca de 38 estudantes — entre eles, dez rapazes, namorados ou parentes que haviam se refugiado no dormitório.
Vinte minutos depois, todos estavam no quinto andar.
Mas a calma não durou.
Kaliupe começou a sentir um cansaço incomum. Pouco depois, caiu em sono profundo. O pânico se espalhou. Alguns começaram a sussurrar que ela se tornaria um monstro. Os sussurros logo viraram brigas.
Serena e Kate se mantiveram firmes. Não deixariam ninguém se aproximar de Kaliupe.
Foi um erro.
As três se isolaram na sala de massagem do andar. Kaliupe continuava dormindo, mas havia algo estranho acontecendo. Seu corpo brilhava, e uma aura desconhecida emanava dela.
— Olhe pra ela, Serena. Ela está brilhando! O que diabos está acontecendo? — Kate murmurou, tentando manter a calma.
Serena estava sentada, cotovelos apoiados nos joelhos, o queixo nas mãos entrelaçadas. Observava Kaliupe atentamente.
— Eu não sei... — respondeu, pensativa. — Talvez tenha a ver com o que o Dr. Norman mencionou.
— Sobre pessoas despertarem habilidades?
— Sim. Ela matou algumas daquelas criaturas, lembra?
Um barulho interrompeu a conversa. Primeiro, sussurros do lado de fora. Depois, gritos.
— Serena! — Kate chamou, alarmada.
— Ughh... — Kaliupe gemeu. Seus olhos se abriram devagar, atraídos pelo caos lá fora.
Serena e Kate se viraram imediatamente.
Kaliupe, no entanto, não prestou atenção a elas. Algo despertava dentro dela. Uma energia pulsava por seu corpo. O peso de seus membros oscilava, como se pudesse torná-los leves ou incrivelmente pesados à vontade. A maca de ferro sob ela rangeu.
Ela podia manipular o peso do próprio corpo.
Os gritos do lado de fora capturaram a atenção das três. Kaliupe se levantou, pegou sua espada de madeira e marchou até a porta.
— Kaliupe! — Serena tentou impedi-la, mas a amiga não parou.
Kaliupe reduziu seu peso e se moveu com velocidade assustadora, como se fosse o próprio vento. Ao abrir a porta, parou bruscamente.
Do outro lado, não havia zumbis.
Era um louva-a-deus gigante.
A criatura, com cerca de um metro e meio, movia-se rápido, suas garras laminadas cortando tudo à frente.
— O que... — Kate balbuciou, incrédula.
Kaliupe não hesitou. Avançou, mas, atrás dela, o pânico voltou a crescer.
Os estudantes corriam desesperados, empurrando-se em direção às portas e janelas. O espaço limitado resultou em empurrões violentos.
Uma garota foi derrubada na confusão. Seu namorado tentou alcançá-la, mas uma das colegas a pisoteou para se salvar. Ela gritou, implorando ajuda, mas ninguém a ouviu. Seu corpo foi esmagado, seus ossos quebraram, e o sangue manchou o chão.
Então, ela morreu.
Seu cadáver inerte começou a se contorcer. Veias escuras brotaram sob a pele pálida, e seus olhos, opacos, se abriram mais uma vez.
Seu corpo mutilado ergueu-se como uma marionete, controlada por fios invisíveis. As unhas cresceram de forma grotesca, e sua silhueta magra se alongou.
— Graaaaaaaaaaa... — Um rugido inumano ecoou pelo andar.
Kaliupe girou a cabeça na direção do som.
— Serena! Kate! — gritou.
O olhar de Serena encontrou o da amiga. Elas sabiam que aquele era um inimigo diferente.
Sem pensar duas vezes, Kaliupe recuou, pegou Serena e Kate pelos braços e as conduziu rapidamente até a cozinha.
Trancaram a porta e empilharam móveis contra a entrada.
— Façam silêncio. — Kaliupe sussurrou.
Do lado de fora, o rugido ecoou novamente.
O segundo rugido ecoou, reverberando pelos corredores do dormitório como uma ameaça viva.
Kaiden e Sam estavam na porta do quinto andar quando o som cortante atingiu seus ouvidos.
Os dois se entreolharam por um breve segundo.
— Isso não foi um zumbi... — Sam murmurou, apertando o dardo em sua mão.
— Não importa o que foi. — Kaiden respondeu, a lança de sangue pulsando como se compartilhasse de sua inquietação. — Alguém precisa de ajuda.
Sem mais hesitar, eles avançaram.
A porta de metal na entrada do quinto andar era pesada, mas envelhecida. A trava, um trinco antigo, parecia frágil diante da urgência que queimava nos dois.
Kaiden golpeou primeiro, o trinco estalou, mas resistiu.
— Deixe comigo. — Sam disse, apontando o dardo envolto em energia leitosa.
Com um estalo seco, ele disparou uma rajada, a explosão arrancando o trinco como papel.
A porta se abriu com um gemido prolongado.
O quinto andar era um grande espaço livre com bancos e mesas para descanso e socializar, havia alguma salas laterais para para certas atividades como massagem e sala de jogos, um banheiro social usado por todo dormitório e por ultimo uma grande cozinha usada pelas estudantes.
Lá dentro, o ar estava pesado, saturado pelo cheiro ferroso de sangue e o odor metálico de medo.
Kaiden avançou primeiro, os olhos varrendo o local. O rugido ecoou novamente, mais alto, mais perto.
No fim do corredor, ele viu a silhueta de algo inumano — magro, de membros alongados e garras afiadas, parado diante de uma das portas.
Sam parou ao seu lado.
— O que diabos é aquilo...?
Kaiden apertou a lança em resposta.
Antes que pudessem entender o que estava acontecendo, um borrão verde se lançou na direção deles.
Kaiden reagiu por instinto, erguendo a lança sangrenta para bloquear o ataque. O impacto fez seus braços vibrarem e ele deu um passo para trás, encarando a criatura à sua frente.
Seus olhos se arregalaram ao perceber o que era.
— Isso... é um louva-a-deus?
Ao seu lado, Sam também ficou boquiaberto, a expressão em seu rosto um reflexo do choque.
— Kaiden, tenta segurar essa coisa. Eu cuido da aberração de garras longas ali.
— Esp—
Antes que Kaiden pudesse protestar, Sam já havia partido, correndo na direção do zumbi magro que espreitava no outro lado.
Kaiden apertou a lança com mais força. Ele queria confiar em Sam, mas a tarefa diante dele não parecia nem um pouco fácil.
O louva-a-deus gigante se movia em saltos precisos, as foices reluzentes cortando o ar com uma velocidade letal.
Kaiden mal conseguia acompanhar os movimentos, desviando por pura reação.
As garras passavam rente ao seu corpo, rasgando sua pele mesmo quando ele conseguia evitar golpes diretos.
Os cortes começavam a se acumular, uma linha fina de sangue escorrendo por seu braço.
Ele grunhiu, focando na lança.
O calor de sua habilidade vibrava em suas veias, acelerando seus reflexos. Ele se movia de forma sobre-humana, mas o louva-a-deus não parecia desacelerar.
— Isso vai ser complicado... — Kaiden murmurou, os olhos fixos no próximo ataque iminente.
Kaiden girou a lança em círculos largos, tentando criar espaço entre ele e o inseto. No início, seus movimentos eram desajeitados, a ponta da arma raspando no chão ou girando fora de sincronia com seus pés.
Mas conforme ele continuava, os movimentos começaram a fluir. A lança parecia mais uma extensão de seu corpo, cortando o ar com precisão crescente.
Cada rotação afastava o louva-a-deus por alguns instantes, as garras da criatura deslizando pela lâmina de sangue sem conseguir avançar.
Quando finalmente conseguiu um momento de respiro, Kaiden lançou um rápido olhar para Sam.
Do outro lado da sala, Sam enfrentava o zumbi magro.
Diferente de Kaiden, ele canalizava sua energia no dardo, que brilhava intensamente em sua mão direita. A mão livre disparava esferas leitosas de energia, tentando manter a criatura à distância.
Era uma dança de equilíbrio entre ataques à distância e a iminente necessidade de combate direto.
Mesmo assim, Sam tinha dificuldades. O zumbi se movia rápido, as garras alongadas rasgando o ar enquanto se lançava sobre ele.
Kaiden franziu o cenho, mas ao perceber que seu amigo conseguia lidar com a situação, voltou o foco para seu próprio oponente.
O louva-a-deus não parava, e Kaiden sabia que precisava acabar com aquilo antes que suas forças se esgotassem.
Os estudantes que haviam morrido durante a confusão e se transformado tentaram atacar Kaiden e Sam durante as lutas, mas ambos já esperavam por isso e estavam alertas.
Dentro da cozinha, Kaliope espiava o que estava acontecendo pela pequena janela redonda da porta dupla.
— Kali, o que está acontecendo? — perguntou Serena, com a voz tensa.
— Duas pessoas... estão lutando com aquelas coisas.
— É a polícia? Se for, eu posso tentar entrar em contato com meu pai — disse Kate, com um lampejo de esperança. Mas seu sorriso logo desapareceu.
— Não acho que sejam policiais. Eles estão vestidos como civis... além disso, parecem ser como eu.
— Como você? — Serena arqueou a sobrancelha.
— Sim, eles têm habilidades como eu.
— Ah... — Serena e Kate trocaram olhares.
Kaiden seguia lutando contra o louva-a-deus gigante, ainda em um impasse. No entanto, a cada segundo que passava, a balança pendia a seu favor. Seus instintos e reflexos estavam afiados a um nível absurdo, permitindo que ele previsse os movimentos do adversário apenas pela sutil mudança de postura.
Sua destreza crescia a cada golpe. O corpo reagia de forma automática, corrigindo falhas e ajustando movimentos com precisão cirúrgica.
Em questão de minutos, Kaiden começou a pressionar a criatura. A lança girava de um lado para o outro, colidindo com as foices do inseto. O louva-a-deus soltou um grito agudo, ergueu as patas dianteiras e desceu com força.
Kaiden percebeu a intenção. Deu um passo para trás, girando o corpo de lado e, com um único movimento, estocou com a glaive. O alcance, no entanto, não parecia suficiente.
Kaliope, assistindo da cozinha, prendeu a respiração.
Mas no último instante, Kaiden afrouxou a pegada no cabo, deixando o impulso fazer o resto. A lâmina avançou, atingindo o torso do inseto. Kaiden sentiu o golpe conectar e, sem hesitar, canalizou energia para o corpo e para a arma. O calor intenso se espalhou.
Com um giro rápido, ele cortou horizontalmente, atravessando a carapaça como se fosse manteiga.
— KYAAAAAA!
A criatura soltou um grito estridente antes de sucumbir, seu corpo despencando com um baque surdo.
Kaiden, ainda ofegante, rachou a cabeça do louva-a-deus com um golpe adicional, garantindo que não se levantaria novamente. Então, virou-se para observar Sam, que começava a dominar a luta contra a zumbi magra.
Enquanto isso, uma substância gasosa, invisível a olho nu, foi expelida do corpo do inseto morto. O vírus benéfico flutuou pelo ar até ser involuntariamente absorvido por Kaiden.
Do lado de dentro, as três amigas assistiam atentamente pela janela circular.
— Isso foi impressionante... — murmurou Serena.
— Foi mais do que isso — Kaliope respondeu, sem desviar o olhar. — Quando a luta começou, esse cara nem parecia saber usar aquela arma direito.
Ela ficou em silêncio por um momento, refletindo.
— Eu vou sair.
— O quê? — Kate piscou, confusa.
Serena olhou para Kaliope, reconhecendo a expressão decidida da amiga.
Kaliope sempre foi a primeira a se colocar na linha de frente — em protestos, discussões e disputas. Mas, pela primeira vez, ela pensou em recuar para proteger as amigas. Agora, com a situação mais controlada, ela voltava ao seu instinto natural.
— Tudo bem, Kali. Eu vou com você.
— Não. Não sabemos quem são essas pessoas ou o que querem. Eu vou sozinha. Se estiver tudo bem, eu volto e chamo vocês.
Kate e Serena não discutiram.
Kaliope atravessou a porta, caminhando em direção à dupla.
Assim que se aproximou, Kaliope notou algo estranho.
O homem com a lança de sangue permanecia imóvel, observando a luta de Sam. O outro segurava um dardo, e sua mão direita brilhava com uma luz branca e leitosa. Na mão esquerda, um escudo translúcido aparava com firmeza os ataques do zumbi. As garras de dez centímetros da criatura cortavam o ar em movimentos precisos e letais, mas Sam bloqueava cada golpe sem esforço aparente.
Kaliope avançou lentamente, a mente fervilhando de perguntas.
Quando se aproximou pelas costas de Kaiden, ele reagiu bruscamente.
Em um movimento rápido, brandiu sua glaive, apontando a lâmina para ela.
— Pare!
— Calma! Calma! — disse Kaliope, erguendo as mãos em sinal de rendição.
Kaiden abaixou a arma com cautela, sem tirar os olhos dela. Seu olhar varreu Kaliope de cima a baixo, procurando por feridas, manchas de sangue ou rasgos na roupa. Não encontrou nada.
— Tudo bem... Qual o seu nome?
— Kaliope. Mas pode me chamar de Kali.
— Certo, Kali. Foi você quem liderou as pessoas até aqui?
— ...Antes disso, não deveríamos ajudar seu amigo ali?
Kaiden deu um leve sorriso, mas a resposta veio em um tom frio:
— Se você tentasse ajudá-lo, ele acabaria com você antes de matar aquele zumbi.
Kaliope franziu o cenho, confusa. Mas, por algum motivo, decidiu confiar nele. Aproximou-se, ficando lado a lado com Kaiden enquanto observava a luta.
Sam estava no controle total da situação. Cada movimento do zumbi era neutralizado com precisão, e ele o encurralava pouco a pouco, passo a passo.
Em um momento fluido, Sam lançou o dardo para o alto, pegando-o novamente em pleno ar. A lâmina brilhou com energia concentrada. Com um movimento automático e confiante, ele arremessou o dardo diretamente no torso do zumbi, pregando-o contra a parede.
Sam virou-se para Kaiden e Kaliope, um sorriso de canto nos lábios.
Ele desfez o escudo com um gesto simples. Energia começou a se acumular nas palmas das mãos, formando uma esfera brilhante que pulsava como um raio contido.
Quando a bola atingiu um certo limite, Sam a lançou contra a cabeça do zumbi.
O impacto foi imediato. A cabeça explodiu em uma confusão sangrenta.
Sam suspirou aliviado e se aproximou de Kaiden, ainda ofegante. Ele tirou o capacete, revelando seu rosto bonito e cabelos dourados. Apesar de estar suado e um pouco desgrenhado, continuava atraente.
Kaliope o observou por alguns segundos antes de falar.
— Quantos anos você tem?
— Dezesseis — Sam respondeu, como se fosse óbvio.
Kaiden tirou também seu capacete de lacrosse, revelando uma aparência jovem e semelhante.
Kaliope os encarou, passando de um rosto ao outro.
— Vocês são crianças...
— Se você diz... — Kali, nós viemos do primeiro andar, limpando cada andar até aqui. Vi que tem uma cozinha, tem comida? — Kaiden perguntou de forma simples e direta e simples por causa de seu cansaço.
Kaliope ainda o olhava, cética.
— Sim, temos alguns mantimentos aqui. Deve durar dois dias — respondeu, voltando à realidade.
— Ótimo. Tem alguma maneira de bloquear o sexto andar?
Kaliope assentiu.
— Vamos até a cozinha. Minhas amigas estão lá. Depois, vamos tentar organizar as pessoas que ainda estão vivas.
— Claro! — Sam disse com entusiasmo.
Os três se dirigiram até a cozinha. Kaliope assumiu a liderança, abrindo a porta para não assustar suas amigas. Elas ficaram felizes ao ver a amiga, mas se alertaram ao notar os dois homens atrás dela.
No entanto, os dois não ficaram parados por muito tempo. Olharam para as garotas por alguns segundos, admirando suas belezas. Isso causou certo desconforto nelas, mas logo Kaiden e Sam se dispersaram, indo procurar comida na cozinha.
Sam foi direto para a parte de trás, procurando pela dispensa, enquanto Kaiden atacava a geladeira. Ele pegou uma jarra de água e a bebeu em grandes goles, derramando um pouco pelo canto da boca devido à sua ansiedade por se hidratar.
— Ahhhhhh... Sam, você achou alguma coisa aí? — Kaiden perguntou, aliviado após matar a sede.
— Brug bug aokdf... — Sam falou, com algo na boca, tornando as palavras ininteligíveis.
— O quê? — Kaiden perguntou, confuso.
— Comida, muita comida.
Kaiden pegou o restante da água e foi até Sam, que estava na dispensa.
As três garotas de Riart observavam a dupla comendo e bebendo como se fossem animais.
— Quem são eles? Parecem tão jovens... — Kate perguntou, intrigada.
— Eles disseram que se chamam Kaiden e Sam. — Kali respondeu.
Kate franziu a testa ao ouvir o nome "Kaiden". Algo nele parecia familiar, um nome que ela tinha ouvido em uma conversa importante algum tempo atrás. Mas desde então, nunca mais ouvira falar dele.
— Kaiden... — murmurou Kate.
— Eles devem ser alunos da escola de Kant. Vieram do outro lado do estado para essa visita. Há algumas promessas naquela escola. — Serena sugeriu.
— Bom, eles parecem boas pessoas. Disseram que mataram as feras do primeiro andar até aqui. Bloquearam o primeiro andar. — Kali comentou.
Serena olhou para Kali, pensativa, antes de falar.
— Se isso for verdade, podemos criar uma zona segura aqui no dormitório.
— Essa é a ideia deles. Mas disseram que precisam resolver o problema do elevador. Parece que ele está parado em um andar específico, mas eles alertaram que a incerteza será o fim de todos.
Serena pensou por um momento e então disse, com a mente funcionando a mil:
— Podemos usar o estado de alerta de invasão. Assim que ativarmos, o elevador não funcionará, e as portas principais se fecharão. Não poderemos sair sem desativá-lo.
— Isso já basta! — Kali exclamou.
A voz de Sam veio por trás das garotas, carregando alguns lanches.
— Vamos reunir os sobreviventes do andar. Sua amiga disse que uma de vocês é a representante. — Sam olhou para Serena e continuou. — É você, certo?
— Sim!
— Ótimo, então vamos trabalhar. Não aguento mais esse dia!
Kaliope então apresentou suas amigas a Kaiden e Sam de maneira formal. Kaiden parecia mais distante do que o normal, mas as garotas não perceberam, já que não o conheciam. No entanto, Sam percebeu imediatamente.
Ele ignorou os motivos do amigo por enquanto. Eles tinham trabalho a fazer. Depois de limpar o quinto andar, descobriram que muitos haviam morrido. Em várias salas, pessoas haviam sido mordidas e infectadas, o que levou à morte do grupo. No fim, o grupo de 38 pessoas se reduziu a 13, sendo dois homens e onze mulheres.
Quando o quinto andar foi limpo, Serena ativou o estado de invasão do dormitório. Esse estado trancava todas as aberturas, desde portas a janelas, com placas de aço reforçado, e chamava para emergência automaticamente. No entanto, a ligação não foi eficaz devido à falta de sinal.
Kaiden e Sam bloquearam a entrada do sexto andar com móveis da sala de lazer, criando uma zona segura de cinco andares. Decidiram terminar os outros andares no dia seguinte. Se não encontrassem uma solução para o elevador, teriam que continuar.
Kaiden se despediu de Sam, deixando-o planejando com Serena, e desceu para avisar as sobreviventes dos andares abaixo. Depois de alertá-las, encontrou um quarto vazio, absorveu sua glaive de sangue em seu corpo, tirou a armadura e as roupas e se jogou na cama. Quando estava prestes a cair no sono, uma voz o chamou.
Era Sam.
— O que aconteceu?
Kaiden encarou Sam por alguns segundos, sabendo que não poderia esconder nada dele sem que o amigo percebesse.
— É ela, Sam. Ela é a filha dele...
— Você tem certeza? — Sam perguntou, com uma expressão de preocupação.
— Sim, eu reconheceria ele e a família dele em qualquer lugar. — Kaiden disse com raiva contida.
— Eu sinto muito, Kai!
Kaiden suspirou, exausto.
— Eu também, Sam. Mas agora eu preciso dormir. E você também.
— Você está certo. Vamos dormir, Kai. — Sam concordou.
— Tranque a porta, Kai. Não podemos confiar em ninguém.
— Você tirou as palavras da minha boca!
Depois que Sam saiu do quarto e foi procurar um para si, Kaiden levantou-se para trancar a porta. Após trancar, Kaiden voltou para a cama e finalmente adormeceu.