O relógio marcava seis horas da manhã quando os primeiros raios de sol atravessaram as janelas de vidro da pequena cafeteria em shibuya, desenhando sombras no chão de madeira polida. A cidade começava a despertar, e junto a ela, Akira. Ele estava atrás do balcão, preparando-se para mais um dia de trabalho no Café Hanabira, o nome escolhido pela sua avó, antes de deixar o negócio para ele. Desde pequeno, o café havia sido sua casa, um refúgio onde o aroma dos grãos torrados se misturava ao som de conversas em to ameno.
A rotina era um ciclo preciso: abrir as portas, servir os clientes e fechar ao cair da noite, quando Tokyo se iluminava com as luzes néon. Mas, naquele início de primavera, algo na rotina de de Akira estava preste a mudar.
Foi na manhã de quarta-feira de ele a viu pela primeira vez. Hana entrou pela porta com um andar leve, os cabelos negros presos em um coque e um livro nas mãos. Sua presença parecia deslocada, quase etérea, como uma personagem saiu de um romance antigo para adentrar a cena da vida real. Ela escolheu uma mesa próxima a janela, onde o sol tocava sua pele de maneira delicada, quase reverente.
Akira, observando do balcão, sentiu-se instantaneamente curioso. não er incomum que novos rostos visitassem o café, mas havia algo em Hana que o intrigava — talvez fosse o modo como ela passava os dedos pelas páginas do livro, ou o fato de estar sempre sozinha, imersa em seu proprio mundo. Ele a observou de longe nos dias seguintes, enquanto ela repetia a rotina: entrava, sentava-se, lia, tomava seu café e saía. Sempre sozinha
Com o tempo, ele notou os pequenos detalhes. Ela preferia café com leite, mas sempre uma colher extra de açúcar, que dissolvia lentamente enquanto continuava a ler. O livro que carregava não mudava — parecia estar presa nas mesmas páginas. Akira imaginava se era um sinal de que havia algo naquelas palavras que mantinha ali, em um ciclo repetitivo, como se buscasse respostas que o livro talvez não pudesse dar.
Foi na manhã mais fria que ele toma coragem. O café estava vazio, o vento lá fora uivava entre os prédios altos, e Hana, como sempre, estava sentada a mesa com o livro aberto. Akira preparou uma xicara de café com leite, adicionou a colher extra de açúcar e caminhou até a mesa dela.
— Com licença — disse ele, com voz baixa, tentando não interromper o momento íntimo entre ela e o livro. Hana ergueu os olhos, surpresa.
— Eu trouxe um café. Parece um dia frio demais para ficar apenas com um livro — ele sorriu de maneira tímida.
Hana hesitou por um segundo, mas aceitou a xícara com um aceno de cabeça. Akira não se sentou; voltou ao balcão, permitindo que o silêncio se restabelecesse. Era um gesto pequeno, mas de algum modo aquele café parecia o inicio de algo. Nos dias seguintes, ela continuava a vir, e aos poucos, os olhares se transformaram em cumprimentos, que evoluiram para breves conversas.
— O que você está lendo? — perguntou Akira certa manhã, curioso de mais para se conter.
— "O Suposto Caminho de Alicia " Do Harlequin um altor Brasileiro — respondeu ela, sem desviar os olhos do livro. — Mas já o li tantas vezes que posso recitar algumas partes de cor.
Akira sorriu, imaginando o motivo de ela insistir naquelas página, mas não quis pressioná-la. A vida em Tokyo já era suficientemente intensa para muitos; para Hana, talvez houvesse consolo em revisitar histórias familiares, algo que oferecesse segurança em meio ao caos da cidade.
Certa tarde, já no fim de março, Akira decidiu convidá-la para algo além do café. As flores estavam desabrochando, lindas flores de sakura, e o ar da cidade parecia mais leve, perfumado pelo cheiro das flores de cerejeira. Ele sugeriu uma caminhada pelo parque Imperial Palace East Gardens, sabendo que aquele lugar oferecia a serenidade que ambos pareciam valorizar.
Surpreendentemente, ela aceitou.
Enquanto caminhavam entre as árvores floridas, Hana finalmente abriu uma parte de si que Akira não esperava. Contou que havia perdido alguém muito importante para ela há alguns meses — um irmão mais novo, a quem ela era muito apegada. O livro que lia constantemente era o livro favorito dele, e desde a sua morte, ela não conseguia se afastar das páginas, como se cada palavra fosse uma lembrança viva.
Akira ouviu em silêncio, sentindo a dor que emanava das palavras de Hana. Ele não sabia exatamente o que dizer, mas talvez não fosse necessário. Caminharam em silêncio pelo parque, deixando que as pétalas de cerejeira caíssem ao redor deles, uma metáfora sutil do luto de Hana, que aos poucos se desprendias do seu coração.
Com o passar das semanas, o vínculo entre eles cresceu. As conversas tornaram-se mais longas, os sorrisos mais frequentes. E embora a dor de Hana ainda estivesse presente, ela começava a sorrir mais abertamente, a apreciar o presente sem ser engolida pelo passado.
Um dia Akira sugeriu que Hana começasse a escrever suas próprias Histórias, em vez de ler repetidamente a mesma, embora essa historia sendo boa. Ela riu da ideia no início, mas ele insistiu, dizendo que talvez suas palavras pudessem trazer consolo a outras pessoas da mesma forma que o livro a consolava.
Assim Hana começou a escrever. No mesmo café onde, meses antes, ela estava como uma estranha, agora ela sentava-se diariamente, mas com um caderno em mãos e seu Laptop, ao invés de uma Aventura de Harlequin. O café com leite, ainda com sua colher extra de açúcar, acompanhava suas manhãs criativas.
Os dias passaram, o verão se aproximava, e a rotina de Tokyo continuava, sempre acelerada, indiferente ao tempo. Mas dentro do café hanabira, o ritmo era diferente. Entre as mesas de madeira e as flores de cerejeira que decoravam o balcão, o amor havia florescido de maneira sutil, quase imperceptível, como um segredo compartilhado entre duas almas que se encontravam na vastidão da cidade.
E assim, sob o sol de Tokyo, Akira e Hana descobriram que o amor não precisa de grandes gestos ou promessas ousadas. Às vezes, ele surge nos pequenos detalhes — na xícara de café compartilhada, nas palavras silenciosas e nas histórias que criamos juntos para seguir em frente.
Fim