Marina estava sentada em sua mesa, observando o manuscrito de Gabriel, que repousava diante dela, ainda virgem em sua totalidade. Seus olhos percorriam as palavras, mas sua mente não conseguia parar de se perguntar por que, apesar de seu aparente desdém inicial, ela ainda se sentia intrigada. Talvez fosse o tom inusitado de seu texto, ou a maneira como ele se recusava a se submeter aos padrões que ela tanto prezava, mas algo nele a fazia questionar suas próprias crenças.
Ela nunca havia sido tão incerta sobre algo que deveria ser simples de julgar. Gabriel Torres, o autor novato, com seu olhar provocador e sorriso desafiador, parecia ter o poder de desestabilizar até a sua mais imperturbável racionalidade. Mas Marina não se permitia fraquejar. Em sua vida, não havia espaço para o improviso ou a vulnerabilidade. Tudo devia seguir um caminho rígido, um formato claro e seguro. E esse manuscrito de Gabriel... ele não era nada disso.
Ela pegou a caneta, marcou outra linha e então, com um suspiro, se levantou. A reunião estava marcada para daqui a alguns minutos. Gabriel estava esperando. Não que ela estivesse ansiosa para vê-lo novamente. Havia algo nele, algo indiscutivelmente atraente, mas também intransigente e selvagem, que a fazia se sentir desconfortável em sua própria pele. Ele não sabia o que significava ser discreto ou respeitoso. Ele só sabia como invadir seus pensamentos.
Marina entrou na sala de reuniões, o clima já tenso, como se o ar estivesse carregado de algo mais pesado que palavras. Gabriel estava sentado, relaxado, com as pernas cruzadas, as mãos apoiadas sobre a mesa. Ele não parecia preocupado. Não parecia ter a menor ideia de que ela o observava com uma mistura de irritação e... algo mais. Algo que ela não queria reconhecer.
"Bom dia, Marina," ele disse, seu sorriso ligeiramente torto, os olhos verdes brilhando com uma provocação silenciosa.
"Gabriel." Ela respondeu com um tom controlado, já empurrando a cadeira para sentar. As palavras estavam ali, prontas para serem ditas, mas ela sabia que, ao abrir a boca, teria que lidar com mais do que apenas o conteúdo do manuscrito. Seria um jogo psicológico. E Marina não costumava perder.
"Li o seu manuscrito", ela disse, sua voz firme. "Há muito potencial, mas... não é suficiente. O texto precisa de mais coesão. Menos desvario. Você deixou de lado o controle. E se há algo que eu aprecio, é a clareza."
Gabriel não parecia surpreso. Ele apenas inclinou-se para frente, olhando para ela com aquele olhar penetrante que fazia Marina sentir uma chama incômoda crescer dentro de si. "E se a clareza for a prisão da criatividade? Eu não escrevo para agradar ninguém. Escrevo porque as palavras me desafiam a criar. Não se pode controlar a arte, Marina. Eu não quero escrever um texto previsível, encaixado em uma fórmula que já foi ditada há séculos."
Marina prendeu a respiração por um instante, um fio de frustração se espalhando por seu corpo. Ele estava desafiando tudo o que ela acreditava ser verdade sobre a literatura. Como ele ousava? Como ele podia ser tão audacioso, tão irreverente, em um campo tão preciso, tão meticulosamente controlado?
"Você não está aqui para ser um artista, Gabriel", ela respondeu, as palavras afiadas como lâminas. "Você está aqui para ser publicado. Para seguir um caminho que funcione, para se adaptar ao mercado. E o mercado exige qualidade, não revoluções."
Gabriel riu, um som suave que fez Marina se sentir ainda mais exasperada. Ele parecia tão relaxado, tão seguro de si, enquanto ela sentia o controle sobre a situação escapando como areia entre os dedos.
"Então, você é uma defensora do 'mediano'?" Ele se levantou lentamente, com aquele olhar desafiador. "Porque é isso que você está sugerindo. Destruir qualquer resquício de autenticidade em nome da perfeição. Isso não é o que eu faço."
Marina manteve-se em silêncio, tentando organizar seus pensamentos. Ela não estava apenas defendendo a editora ou as convenções da indústria. Ela estava defendendo sua visão de sucesso. Sua visão de como o mundo deveria ser: calculado, racional e controlado. Era assim que ela tinha vivido até aquele momento, e era assim que ela acreditava que todos deveriam viver.
Ela se levantou, encarando Gabriel de frente. "O que você não entende, Gabriel, é que a perfeição não é uma prisão, é uma conquista. Você está disposto a jogar tudo fora por um capricho. Não se trata de liberdade. Trata-se de controle. Isso é o que faz um escritor ser bem-sucedido."
Gabriel não cedeu. "Talvez você esteja certa", ele disse, uma suavidade inesperada em sua voz, "mas, para mim, escrever é sobre emoção. E, ao contrário do que você pensa, Marina, a emoção não pode ser controlada."
Havia uma tensão palpável entre eles agora, como se cada palavra trocada fosse um passo mais próximo de um abismo. Eles estavam em lados opostos de algo muito maior do que um simples conflito sobre um livro. Era o confronto entre a razão e o desejo, entre o controle e a entrega. E, à medida que o silêncio se instalava entre eles, Marina soube que esse primeiro confronto era apenas o começo.
A batalha que se seguiria não seria apenas sobre o manuscrito. Seria sobre eles. Sobre quem controlaria o que. E, em algum lugar dentro dela, uma parte de Marina sabia que não seria fácil sair vencedora dessa luta.
✧・゚: *✧・゚:* *:・゚✧*:・゚✧
Os dias seguintes à reunião com Gabriel foram uma mistura de frustração e confusão para Marina. Embora tivesse se imposto de maneira autoritária, mantendo o controle sobre as edições do manuscrito e reafirmando sua visão de como o trabalho deveria ser conduzido, havia algo que a incomodava. Algo sobre Gabriel. Ele se recusava a se dobrar às suas expectativas, a aceitar suas críticas sem questioná-las. Ele a desafiava, e, de algum modo, ela se via fascinada por isso.
Cada nova reunião com Gabriel se tornava um campo de batalha verbal. Ele chegava sempre com um sorriso tranquilo, como se já soubesse o que viria, como se estivesse à espera de mais uma provocação. Marina não sabia se se sentia irritada por sua audácia ou, de alguma forma, atraída pela maneira como ele parecia tão genuinamente desconectado do que ela considerava ser o "certo" no mundo literário. Ele quebrava suas regras sem nem ao menos perceber, e isso a perturbava mais do que ela gostaria de admitir.
Na manhã seguinte à reunião, quando Marina se preparava para mais um dia de trabalho, recebeu um e-mail de Gabriel. Ele tinha enviado uma versão revisada de seu manuscrito, mas, ao contrário do que ela esperava, não havia seguido quase nenhuma das correções que ela sugerira. A ironia estava no título do e-mail: "Para uma editora-chefe que ainda não entende arte".
Ela clicou no arquivo com o mesmo cuidado de quem manuseia um objeto frágil. Abriu-o e, ao contrário do que ela esperava, se deparou com um texto mais ousado, mais visceral, mais… Gabriel. Ele parecia ter ignorado suas sugestões de clareza e coesão, como se estivesse insistindo em sua própria visão, independentemente do que ela achasse.
"Você tem razão, Marina. A perfeição não existe. Só restam as emoções cruas." Foi a última linha do e-mail. Marina sentiu uma raiva crescente, mas também uma ponta de admiração. Ele não estava apenas desafiando suas edições, estava desafiando ela mesma. Desafiando sua necessidade de controle, sua obsessão pela perfeição.
No dia seguinte, a reunião aconteceu no mesmo escritório elegante e impessoal. Gabriel chegou pontualmente, com uma expressão que era um reflexo de seu comportamento: despreocupado, descontraído, quase como se tivesse vindo ali para uma conversa trivial, em vez de um confronto intenso sobre seu trabalho. Marina, por outro lado, estava prestes a explodir.
"Você me desafia a cada página, Gabriel," ela começou, sua voz controlada, mas com um tom de reprovação. "Esse trabalho não tem nem a metade da estrutura que você precisa para se destacar no mercado. Eu esperava mais comprometimento, mais profissionalismo da sua parte. Não estamos aqui para brincar com palavras, estamos aqui para construir algo que funcione."
Gabriel olhou para ela com um sorriso enigmático, quase como se estivesse aguardando aquele momento. "Eu não estou aqui para agradá-la, Marina. Estou aqui para ser verdadeiro com a minha arte. Se você não entende isso, então talvez sejamos de mundos diferentes."
As palavras cortaram Marina como uma lâmina. Era um desafio direto, uma afronta à sua autoridade. Mas havia uma provocação ali que ela não podia ignorar. Ele a estava testando, e ela sabia que o pior era que ele gostava de vê-la ceder, de ver sua postura imperturbável ser fraturada.
"Você não pode ser levado apenas pela emoção, Gabriel. O mercado exige algo mais. Ele exige qualidade, ele exige algo que atraia leitores, algo que vá além das suas intenções pessoais."
"Então você está dizendo que minha história não é boa o suficiente?" Gabriel perguntou, a voz mais suave, mas cheia de ironia. "Porque é isso que você faz, não é? Pede que eu me encaixe em um molde que você acha que funcionaria. Mas eu não sou como os outros. E se você não consegue ver o valor nisso, então essa conversa é inútil."
Marina engoliu a raiva que ameaçava transbordar. Ela não podia permitir que ele a vencesse. Não ali, não naquele momento. Mas o que mais a incomodava era a percepção crescente de que, talvez, ele tivesse razão. Talvez ela estivesse tão imersa em seu próprio mundo de perfeição e controle que não conseguia ver o valor da liberdade criativa, da imperfeição. E, embora se esforçasse para se manter firme, algo dentro dela estava quebrando.
"Eu sou a editora-chefe aqui, Gabriel," ela disse com firmeza, tentando recuperar o controle da conversa. "Eu sei o que funciona e o que não funciona. E o que você está propondo não funciona. Não é viável. Não tem espaço para ser publicado."
Gabriel a encarou, seus olhos intensos e penetrantes. "Então publique outro livro. Porque este não é para você. Este é meu. E, se você não pode ver o que há de bom nele, então talvez seja você quem precisa mudar a sua visão."
A tensão entre eles era palpável, como se o ar tivesse se tornado denso. Gabriel se levantou devagar, como se estivesse se preparando para sair. Mas antes de fazer isso, ele parou na porta e olhou para Marina mais uma vez, um sorriso travesso no rosto.
"Não se preocupe, Marina," ele disse, quase como uma promessa. "Ainda há muito mais que você vai aprender comigo. Muito mais do que você imagina."
E, com isso, ele saiu. Marina ficou ali, sozinha, com o eco de suas palavras reverberando em sua mente. Ela se perguntou se ele estava certo. Se o que ela via como um desafio à sua autoridade era, na verdade, uma oportunidade de aprendizado. Mas, no fundo, ela sabia que isso apenas tornaria tudo mais complicado. Porque Gabriel, com suas provocações e críticas, havia plantado uma semente de dúvida. E agora, ela não sabia se queria mais ter o controle… ou se queria, finalmente, se entregar àqueles sentimentos incontroláveis.