Capítulo 1 :Notas Perdidas
Laura sempre foi uma mulher de presença. Aos 29 anos, ela trabalhava como pianista e criadora de partituras, imersa no universo da música, onde as notas fluíam de forma natural, como se fizessem parte de sua própria essência. Mesmo após o acidente, sua habilidade de tocar e compor não foi afetada, um consolo em meio ao turbilhão de memórias perdidas.
Com cabelos longos e escuros, olhos verdes profundos e uma silhueta esguia, ela sempre chamava atenção onde quer que fosse. Sua beleza era discreta, mas marcante, e a confiança que irradiava tornava impossível não notar sua presença. Ela sabia disso, mas nunca usou seu charme de forma superficial — era apenas quem ela era, uma mulher sensual, sem esforço.
O acidente, há dois anos, havia levado embora muitas lembranças, mas não o essencial: ela ainda sabia quem era. No entanto, algumas peças de seu passado estavam faltando, lacunas que a deixavam inquieta. Pessoas, momentos, até mesmo sentimentos. O vazio era grande, mas ela continuava seguindo em frente, criando uma nova vida a partir do que restava.
Agora, após decidir voltar ao seu antigo apartamento para reorganizar a vida, Laura sentia que algo estava prestes a acontecer. O que ela não imaginava é que, ao abrir as portas de seu passado, segredos há muito enterrados poderiam vir à tona.
A Melodia Perdida
Laura entrou no apartamento com um misto de apreensão e curiosidade. A porta estava trancada há dois anos, desde o acidente que mudara sua vida para sempre. Ela sabia que tinha que voltar. Precisava limpar o lugar, dar um fim naquilo que havia ficado para trás, para poder recomeçar. O médico tinha dado alta, o tempo passara, e agora ela estava pronta para finalmente retomar sua vida. Mas havia algo desconfortável em estar ali novamente, como se o lugar guardasse segredos que ela não estava preparada para enfrentar.
Ela olhou ao redor. O apartamento estava coberto de poeira, os móveis ainda no mesmo lugar, mas tudo parecia distante. Ela não conseguia se lembrar de como era viver ali antes do acidente, e a sensação de que uma parte dela ainda estava perdida naquele espaço aumentava à medida que a porta se fechava atrás de si.
O acidente acontecera dois anos atrás. Um carro desgovernado, um impacto violento. A lesão cerebral resultante lhe causara uma amnésia que apagou completamente boa parte dos últimos anos de sua vida. Seus amigos, suas rotinas, até o próprio apartamento — tudo se transformara em uma névoa distante, que ela tentava tocar, mas não conseguia alcançar. Ela sabia que havia pessoas importantes para ela, mas seus rostos e vozes estavam borrados. Sabia também que ali, naquele apartamento, algo precioso havia ficado para trás, mas não conseguia identificar o quê.
Enquanto caminhava pela sala, seus dedos roçaram as teclas do piano, que ainda estava no canto, coberto por uma capa de pano. A memória da música surgiu como uma sombra vaga, algo que ela sabia que fazia parte de quem ela era, mas não lembrava o motivo. Ela sentiu uma pontada de frustração. Por que suas lembranças estavam em pedaços, como um quebra-cabeça impossível de montar?
Foi quando seus olhos caíram sobre uma mesa próxima, onde uma caixa de madeira estava escondida atrás de alguns papéis e livros empilhados. Algo na caixa a fez parar, como se seu instinto soubesse que ela precisava abri-la. Ela hesitou por um momento, o coração batendo mais forte. O que quer que fosse, ela sabia que as respostas que buscava poderiam estar ali.
Com mãos trêmulas, ela abriu a caixa. Dentro, estavam várias cartas amarradas com um fio de seda. As letras nas capas estavam borradas, mas ainda assim legíveis. "Para Laura, com amor, Daniel."
O nome a atingiu como uma onda. Daniel. Ela se perguntava por que aquele nome lhe parecia tão familiar, como se fosse algo importante, mas sua mente não conseguia encaixar a peça. Seu coração disparou, e, sem pensar, ela retirou uma das cartas.
"Laura,
Há coisas que não podem ser ditas em voz alta, porque a verdade, quando escapa em palavras, pode parecer cruel demais..."
As palavras fluíam com uma intensidade que a fez parar de respirar. Elas soavam como algo que ela já havia vivido, algo que estava em sua alma, mas que ela não conseguia recordar. Daniel. Quem era ele? E o que aquela carta significava para ela? A conexão parecia vir de um lugar profundo, mas o mistério de sua própria memória a impedia de entender completamente.
Ela leu a carta com avidez, como se cada palavra a trouxesse mais perto de algo que ela precisava entender, mas não sabia como. Algo importante havia sido perdido, e aquelas palavras eram a chave para encontrar o que estava escondido.
Enquanto o silêncio do apartamento a envolvia, uma sensação de urgência tomou conta dela. Ela precisava descobrir quem era Daniel, o que havia acontecido entre eles, e por que, dois anos depois, aquelas cartas ainda estavam ali, à espera de ser lidas.
Mas a maior pergunta ainda persistia em sua mente: Se ele foi tão importante, por que eu não me lembro dele?