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Chapter 4 - O Corpo como Fronteira

O cheiro do apartamento de Miguel era inconfundível. Um perfume estranho, entre o doce e o amargo, misturado com o aroma da madeira velha, do mofo e da tinta descascada. Quando Lucas entrou naquele espaço, algo dentro dele se apertou, como se o ar fosse mais denso e pesado. Cada objeto ali parecia ter uma história própria, uma memória que ele ainda não conseguia acessar. As paredes com fotografias sensuais, os móveis antigos, o som de um ventilador de teto girando suavemente, tudo parecia contar a história de um homem que existia entre mundos — o mundo da carne e o mundo da mente. E, agora, Lucas estava se tornando parte desse universo, sem saber exatamente qual seria o preço a pagar por essa entrada.

Miguel se afastou dele, indo até uma mesa na lateral do apartamento, onde havia um copo com uma bebida incolor. Ele não ofereceu nada a Lucas, apenas o observava com a mesma intensidade com que havia o feito desde o começo. A única diferença era que agora não havia mais o distanciamento casual de antes. Ambos estavam dentro de algo mais profundo, mais imersivo, e isso criava uma tensão palpável.

"Você está com medo, Lucas?" Miguel perguntou, sua voz suave e provocante, como se estivesse testando os limites do escritor.

Lucas não sabia se o medo era o sentimento certo, mas havia uma sensação crescente de vulnerabilidade que não conseguia ignorar. Ele nunca se sentira tão exposto em sua vida. O que estava acontecendo com ele? Era a curiosidade profissional? Ou havia algo mais? Algo que ele ainda não entendia, mas que, de alguma forma, o atraía, como uma maré que o puxava para o fundo.

"Não, não estou com medo. Apenas... não sei o que estou fazendo aqui", respondeu Lucas, tentando manter a compostura. Ele estava ali para entender, não para se perder. Não para ceder a algo que não fosse controlado por ele.

Miguel riu baixinho, um som que parecia saudar a ingenuidade de Lucas. "Claro que você sabe. Todos sabem o que fazem quando entram aqui. Ninguém é inocente. E você também não é."

Lucas sentiu um frio atravessar seu peito. Ele queria argumentar, mas as palavras pareciam se perder antes de chegar aos seus lábios. Miguel o conhecia melhor do que ele mesmo se conhecia. Como ele sabia disso? O que mais Miguel podia ler em seus olhos, em sua expressão? O escritor não conseguia se livrar da sensação de que estava sendo analisado de uma forma que ele jamais imaginara. Como se, em algum lugar de sua mente, estivesse sendo desenhado o contorno de algo que ele não sabia nomear.

Miguel deu um passo à frente, o som de seus pés descalços sobre o piso de madeira soando forte na quietude do ambiente. Lucas se afastou inconscientemente, sentindo uma onda de calor subindo pelo seu corpo. Miguel estava agora bem próximo, seu olhar fixo, insustentável.

"Eu já te disse antes, Lucas", Miguel murmurou, sua voz como um veneno doce. "Aqui, você não é mais o escritor, o observador. Aqui, você é só carne. Aqui, somos todos carne, e é assim que as coisas acontecem. Se você quer escrever sobre isso, precisa primeiro entender o que é se perder. Se perder no corpo, nos desejos. E eu posso te mostrar isso."

As palavras de Miguel se infiltraram em Lucas como uma brisa quente e úmida, e ele sentiu um turbilhão de emoções se formando dentro dele. Ele sabia o que Miguel queria, mas não estava certo de como reagir. Ele queria entender esse mundo, sim, mas não queria que sua própria vontade se perdesse nele. No entanto, uma parte dele se sentia tentada a seguir em frente. Como um explorador que se vê diante do desconhecido e sente que, embora tenha medo, precisa seguir, porque não tem outra escolha.

Miguel não esperou por uma resposta. Ao invés disso, com um movimento rápido e inesperado, ele agarrou o braço de Lucas e o puxou em direção a si, fazendo com que seus corpos se encontrassem pela primeira vez de maneira mais íntima. O calor de Miguel era opressor, mas também era algo que Lucas não queria se afastar. Sentiu o toque da pele de Miguel em seu peito, o leve pressentimento de algo que o fazia se perder em sensações contraditórias. Ele deveria empurrá-lo para longe ou se entregar ao desejo? Miguel o sabia muito bem. E por mais que Lucas tentasse negar, ele sabia que a resposta já estava ali.

"O que você sente agora?" Miguel perguntou, com a voz baixa e quase um suspiro. O olhar dele estava agora mais intenso, mais íntimo, mais possessivo.

Lucas não sabia como responder. Ele sentia uma pressão crescente, como se o corpo estivesse mais perto de suas respostas do que a mente jamais poderia estar. Ele sentia o desejo, a atração, mas também sentia uma estranha necessidade de entender o que estava acontecendo. Miguel não queria respostas simples. Ele queria que Lucas sentisse. E, por mais que o escritor tentasse lutar contra isso, algo dentro dele estava cativado pela presença de Miguel.

"Eu... eu não sei o que você quer que eu sinta", Lucas disse, sua voz falhando no meio da frase. Ele estava perdido, mas não queria admitir. "Não sei se estou preparado para isso."

Miguel sorriu, um sorriso travesso e seguro, como se soubesse de algo que Lucas ainda não conseguia compreender. "Você não precisa estar preparado. Isso acontece quando você se entrega ao momento, quando o controle escapa por entre seus dedos e você finalmente entende o que é se perder."

O sorriso de Miguel se ampliou, e ele se afastou por um momento, analisando Lucas como se fosse um experimento em seu laboratório. "Vamos começar, então. Deixe-se levar."

Miguel o guiou para o sofá, e, naquele momento, as palavras não eram mais necessárias. O ambiente estava carregado de algo denso, inescapável. Lucas sentia o corpo de Miguel mais perto do que jamais imaginara, e, ao mesmo tempo, se sentia mais distante de si mesmo. Estava começando a entender a verdade que Miguel havia falado: o corpo era a única verdade aqui. O corpo, a carne, os instintos. Lucas estava se entregando a um jogo perigoso, e a cada toque de Miguel, ele se afastava mais da sua antiga noção de si mesmo.

E, então, no silêncio do apartamento, os corpos começaram a falar. Não havia mais perguntas. Só havia o som do desejo, o som da entrega.