Lucas acordou com a sensação de estar sendo envolvido por uma névoa densa. Seus olhos estavam pesados, e a primeira coisa que percebeu foi que o ambiente ao seu redor era diferente. Não estava mais na clareira onde, segundos antes, havia enfrentado Gael, nem na floresta sombria. O chão sob ele era firme, coberto por uma espécie de tapete espesso de musgo, e o ar, embora carregado de umidade, tinha uma qualidade mais densa, como se o tempo ali se movesse de forma diferente. A luz suave da lua refletia em uma rocha escura e lustrosa, e Lucas teve a sensação de que estava em um lugar... afastado.
Ele tentou se levantar, mas uma dor lancinante na cabeça o fez parar. Como uma onda, lembranças distorcidas começaram a vir à tona, de sua luta com Gael, de sua fuga desesperada, e da presença imponente de um homem misterioso que o havia levado para esse lugar. Lucas piscou algumas vezes, tentando clarear a mente. O que aconteceu? Onde estava?
Antes que pudesse refletir mais sobre a situação, ele ouviu passos se aproximando. O som de pés sobre folhas secas, suaves e discretos, como se o movimento fosse planejado para não ser ouvido. Lucas olhou para o lado, tenso. Da sombra das árvores ao fundo, surgiu a figura que ele já começava a reconhecer: o homem misterioso.
Ele não era o tipo de pessoa que Lucas esperava ver como um salvador. Sua presença exalava um certo poder, algo que o fazia perceber que, embora estivesse em segurança por enquanto, não sabia se poderia confiar totalmente naquele desconhecido. O homem não disse nada de imediato. Apenas observou Lucas, como se o estivesse estudando.
"Você está acordado", disse ele, sua voz grave e calma, como o som de um rio silencioso. "Bom."
Lucas se levantou com dificuldade, apoiando-se em uma árvore próxima. "Onde estou? O que aconteceu?" Sua voz saiu rouca, ainda tentando se ajustar ao que estava acontecendo.
"Está em um refúgio. Um lugar seguro, por enquanto", respondeu o homem. "Eu sou Ezra. E você é Lucas."
Ezra. O nome ecoou na mente de Lucas, mas não fazia sentido. "Eu... eu não entendo. Quem é você? O que está acontecendo comigo? O que foi aquele homem, Gael? Ele... queria me matar."
Ezra manteve o olhar firme. "Gael é um caçador. E ele não está sozinho. Muitos, como ele, caçam os de nossa espécie. Mas não é isso que você precisa entender agora. O que importa é que você está marcado, Lucas. Como eu."
Lucas sentiu um arrepio na espinha. A menção de "marcado" fez sua mente voltar para o momento em que sua transformação começou, o uivo da lua, o sangue que ele sentiu pulsar em suas veias. Sua pele ainda doía por causa do que ele havia experimentado. O que isso significava?
"Você é como eu", continuou Ezra. "O que você sente, o que está acontecendo com você... é a maldição. A transformação, o uivo da lua, a fome que você sente. Tudo isso faz parte de ser o que somos."
"Eu... sou... o que?" Lucas não conseguia acreditar no que estava ouvindo.
"Lobisomem", disse Ezra com uma calma assustadora. "Você não pode negar. Agora, somos iguais."
Lucas deu um passo para trás, seu corpo tenso. "Eu não sou... isso. Isso não pode ser verdade. Eu sou... eu sou humano. Eu tenho minha vida, meus amigos, minha família. Isso é algum tipo de pesadelo."
Ezra o observou por um momento, os olhos penetrantes. "Eu entendo sua negação. Todos nós passamos por isso. Mas a verdade é inegável, Lucas. E é melhor que você comece a aceitar, porque essa maldição vai crescer dentro de você. Em breve, ela não será mais algo que você possa controlar."
Os olhos de Lucas se estreitaram, a raiva começando a tomar conta dele. "Eu não quero ser isso. Eu não pedi por isso."
"Eu também não pedi", respondeu Ezra, com uma leveza nas palavras. "Mas não temos escolha."
Ezra deu um passo à frente, seus olhos agora mais intensos. "Você está em um ponto de não retorno, Lucas. A cada noite, a fera dentro de você vai se tornar mais forte. E você vai precisar de controle. Precisa entender o que está acontecendo para não perder sua humanidade completamente."
"Como eu controlo isso?" A voz de Lucas saiu um pouco mais baixa, como se uma pequena centelha de esperança tivesse acendido dentro dele.
"Com paciência", respondeu Ezra. "Com conhecimento. Eu posso te ajudar a controlar a transformação, a entender o que você é. Mas você vai ter que querer isso. E mais importante, vai ter que querer sobreviver."
Lucas sentiu um nó na garganta, o peso da realidade começando a afundar em sua mente. Ele não sabia em quem confiar, mas algo em Ezra o fazia pensar que ele não era apenas um homem misterioso qualquer. Ele parecia saber exatamente do que estava falando. "Por que você está me ajudando?"
Ezra sorriu com um toque de amargura. "Porque eu vi o que acontece quando a transformação não é controlada. Vi o que acontece quando alguém perde sua humanidade e se entrega à fera."
O som de folhas se mexendo interrompeu a conversa. Lucas virou-se rapidamente. No escuro, outra figura apareceu, deslizando da sombra com a graça de um predador. Era uma mulher, com cabelos longos e escuros que caíam sobre seus ombros, os olhos fixos em Lucas.
"Quem é essa?" Lucas perguntou, os nervos à flor da pele.
"Esta é Lívia", respondeu Ezra, sem desviar o olhar da mulher. "Ela é a líder de uma sociedade secreta de lobisomens. Uma de nossos... aliados."
Lívia olhou para Lucas com uma expressão avaliadora. "Você parece fraco, Lucas. Você ainda não sabe o que está fazendo. Eu só espero que não cometa os mesmos erros que tantos antes de você."
Lucas a encarou. Havia algo perigoso na mulher, algo que ele não podia definir, mas que sentia. Ela era diferente, mais intensa do que qualquer pessoa que ele já tivesse encontrado.
"Eu... eu só quero entender o que está acontecendo", disse Lucas, sua voz trêmula, mas cheia de determinação.
Ezra olhou para Lívia, e os dois trocaram um olhar silencioso. "Você vai entender. Mas primeiro, você precisa sobreviver às próximas noites. E para isso, vai precisar de mais do que apenas vontade."
A lua estava alta no céu, sua luz iluminando as sombras da floresta ao redor. Lucas sentiu o peso do que estava por vir. Ele ainda não entendia completamente o que estava acontecendo com ele, mas uma coisa era certa: sua vida nunca mais seria a mesma.
"Eu vou te ensinar", disse Ezra, quebrando o silêncio. "Mas você tem que prometer que vai seguir minhas orientações. O controle é a chave, Lucas. Não esqueça disso."
Enquanto ele olhava para os dois, uma sensação de inquietação tomou conta de Lucas. A noite ainda estava jovem, e ele sabia que os próximos passos o levariam ainda mais fundo nas trevas, em um caminho do qual talvez não houvesse mais retorno.
A luz da lua filtrava-se timidamente pelas árvores, iluminando a clareira à medida que os três se moviam, seguidos por uma trilha sinuosa que parecia desvanecer-se nas sombras. Lucas ainda estava tenso, o peso da transformação em seu corpo e a incerteza sobre o que viria a seguir quase o sufocando. Ezra andava à frente, sem pressa, como se conhecesse bem o caminho, enquanto Lívia o acompanhava, sempre em silêncio, observando-o com um olhar que misturava curiosidade e desconfiança.
Finalmente, chegaram a uma espécie de acampamento, mas o que Lucas viu não se assemelhava em nada a um acampamento comum. As construções eram simples, mas bem elaboradas, feitas de madeira escura e rocha, com grandes tochas acesas iluminando o ambiente. Alguns lobisomens, em sua forma humana, passavam apressados, outros estavam em grupos, murmurando entre si. O cheiro do ar era denso, uma mistura de terra e algo mais, algo primal. Mas o que mais chamava a atenção de Lucas era a tensão no ar – havia algo, uma energia invisível, que pesava sobre eles.
"Bem-vindo ao refúgio", disse Ezra, parando diante de uma construção maior, uma cabana robusta, cujas paredes eram adornadas com símbolos antigos e marcas de garras. "Aqui é onde a sociedade secreta se reúne. Aqui estamos seguros… por enquanto."
Lucas olhou ao redor, sem saber o que pensar. Ele havia sido levado para um lugar completamente desconhecido, onde os monstros que ele temia eram agora suas únicas referências de normalidade. Ele sentiu o peso de tudo isso, como se estivesse sendo absorvido por uma realidade que ele jamais imaginou ser possível.
"Você está vendo com seus próprios olhos o que é a nossa verdadeira natureza, Lucas", disse Ezra, notando o olhar de confusão do jovem. "Aqui, na sociedade secreta, somos mais do que apenas lobisomens. Somos um clã, uma linhagem de guerreiros e protetores, e, acima de tudo, sobreviventes."
Lucas franziu a testa. "Sobreviventes de quê?"
"De Gael e dos caçadores. Eles não sabem, mas o que estamos construindo aqui é nossa última linha de defesa. A sociedade secreta foi formada para nos proteger da caça incessante dos humanos. Não somos apenas monstros para eles, Lucas. Somos uma ameaça que deve ser erradicada. A caçada nunca acaba."
Aquelas palavras ressoaram em Lucas como uma batida forte em seu peito. O medo de ser perseguido, de ser caçado, agora se tornava real, algo que ele nunca poderia ter imaginado até estar ali, no meio de uma sociedade secreta de lobisomens. Mas a verdade estava diante dele, em cada olhar, em cada respiração pesada que ele podia ouvir.
"Aqui, nós nos mantemos em segredo", continuou Ezra, enquanto eles caminhavam pela entrada da cabana. "Mas o segredo está em risco. Gael e seus caçadores estão mais perto do que nunca. Não podemos mais nos dar ao luxo de viver nas sombras. Eles sabem de nós, e cada vez mais, eles nos caçam com uma fúria que não tem limites."
Dentro da cabana, Lucas viu mais lobisomens. Alguns estavam reunidos em torno de uma mesa, discutindo estratégias; outros pareciam mais afastados, observando tudo com um olhar de desconfiança, como se não soubessem se podiam confiar em um novo membro da sociedade. Ao fundo, em um canto sombreado, um homem alto e musculoso se levantou ao ver Ezra e Lívia. Seu olhar era intenso, e a postura de líder transparecia na maneira como ele se movia.
"Este é Kiran", disse Ezra, indicando o homem de olhos dourados e uma presença imponente. Kiran não sorriu, mas deu uma olhada cuidadosa em Lucas, avaliando-o em silêncio.
"Você é o novo", disse Kiran, sua voz firme. "Ezra falou sobre você."
Lucas deu um passo à frente, ainda se acostumando com tudo. "Eu… ainda não entendo. Como posso me encaixar aqui? Eu… Eu não pedi por isso."
"Você não escolheu ser o que é, Lucas", disse Kiran, com um tom que era quase compassivo, mas havia uma dureza em sua voz que não passava despercebida. "Ninguém escolhe. Mas agora você faz parte de nós. O que importa agora é sua sobrevivência."
Enquanto Lucas absorvia as palavras de Kiran, uma mulher se aproximou. Ela tinha os cabelos longos e escuros, com olhos que brilhavam com uma intensidade sobrenatural. Seus movimentos eram rápidos e graciosos, como se estivesse sempre em alerta.
"Este é Selene", apresentou Ezra, olhando para Lucas. "Ela é uma das mais antigas aqui. Ela conhece os caçadores tão bem quanto qualquer um de nós."
Selene olhou para Lucas com uma expressão séria. "Eles estão mais perto do que imaginamos. Gael não é apenas um caçador comum. Ele tem aliados poderosos. E nós, por mais que tentemos nos esconder, estamos sendo caçados como animais."
Lucas deu um passo atrás, o pânico começando a tomar conta dele. Ele não sabia mais em quem confiar. As palavras de Ezra, de Kiran, de Selene, pareciam todas verdadeiras, mas isso só o deixava mais perdido. Ele não havia pedido por nada disso. E, agora, estava preso nesse pesadelo.
"É exatamente isso que Gael quer", continuou Selene, percebendo a expressão de desespero de Lucas. "Ele sabe o que a sociedade secreta significa para nós. E ele vai fazer de tudo para destruí-la. Não podemos deixar isso acontecer. Nossa sobrevivência depende da nossa união, Lucas."
Ezra colocou uma mão no ombro de Lucas, como se tentasse acalmá-lo. "Gael e os caçadores não são apenas uma ameaça à nossa existência. Eles querem algo mais. Eles querem o poder que a nossa linhagem possui. Eles não sabem como controlá-lo, mas fazem tudo o que podem para nos destruir antes que possamos usá-lo contra eles."
Lucas piscou, tentando processar as informações. "E o que exatamente eles querem? O que é tão especial em nós?"
"Nosso sangue", disse Ezra, sua expressão sombria. "A maldição… ela nos dá força, resistência, longevidade. Os caçadores acreditam que, se conseguirem destruir nossa sociedade e nos exterminar, poderão controlar esse poder. Mas estão errados. Eles não sabem o que estão lidando."
O silêncio tomou conta da sala, enquanto Lucas tentava entender o peso das palavras de Ezra. Ele estava no centro de algo muito maior do que imaginava. O que ele faria agora? Como ele enfrentaria esse novo mundo, onde ele era tanto caçado quanto caçador?
"A única maneira de sobreviver é lutar. Não podemos mais nos esconder. Precisamos nos unir", disse Kiran, com firmeza. "E você, Lucas... tem um papel a desempenhar. Não será fácil. Mas você tem uma escolha: lutar ou ser destruído."
Lucas olhou para cada rosto ao seu redor. Eles não eram monstros, como ele imaginava. Eles eram sobreviventes, lutando por algo que ele ainda não compreendia completamente. Ele tinha uma escolha a fazer. Mas, mais do que isso, ele precisava entender sua nova identidade, a maldição que o consumia a cada noite. E o tempo estava contra ele.