O silêncio após a perseguição foi quase tão surpreendente quanto aos tiros que haviam cortado o momentos anteriores. O carro avançava pela estrada de terra, com Vicente Montenegro ao volante, seus olhos fixos na estrada como se ela fosse a única coisa capaz de mantê-lo ancorado à realidade. O grupo estava exausto, mas a tensão ainda pairava no ar como uma sombra desenvolvida.
Maria Augusta olhou pela janela, o rosto marcado pela preocupação. Ernesto, no banco traseiro, mantinha a arma no punho, a ponta ainda levemente fumegante, enquanto Aurora Bittencourt verificava as balas restantes no pente de sua arma. Rodrigo, amarrado e com um sorriso cínico, parecia prazeroso do desconforto geral.
— Temos que encontrar um lugar seguro para parar — disse Aurora, quebrando o silêncio. — Não sabemos se eles vão tentar de novo.
— Eles vão tentar de novo — corrigiu Ernesto, sua voz grave. — Isso foi apenas um aviso. Da próxima vez, vou trazer reforços.
Vicente abriu o volante, a mandíbula cerrada.
— Não importa quantas vezes tentem. Não vou deixar esses documentos caírem nas mãos deles. Não depois de tudo isso.
Maria Augusta virou-se para ele, a voz cheia de preocupação:
— Mas a que custo, Vicente? Estamos nos arriscando demais. E eles conseguirão? E se... — Ela parou, incapaz de terminar a frase.
Vicente respirou fundo, mas não tirou os olhos da estrada.
— Não há "e se", mãe. Não vamos perder. Não podemos perder.
Aurora olhou para Maria Augusta e tentou tranquilizá-la.
—Vicente tem razão. Eles podem nos atacar, mas estamos preparados. E agora sabemos como eles operam. Isso nos dá vantagem.
Rodrigo soltou uma risada baixa, carregada de desprezo.
— Vocês acham que estão preparados? Não fazem ideia de que a 'Aliança da Sombra' é capaz. Vocês estão lutando contra algo muito maior do que imaginam.
Ernesto, que até então estava em silêncio, inclinado para mais perto de Rodrigo, os olhos queimando de raiva.
— Talvez você deva se preocupar menos em nos subestimar e mais como o que vai acontecer com você quando entregarmos esses documentos à polícia.
Rodrigo apenas enviou, seus olhos cheios de uma confiança inquietante.
— Acha mesmo que a polícia pode nos dissuadir? Você não entende, Ernesto. Nós não somos apenas uma organização. Somos um sistema. E sistemas como o nosso não caem tão facilmente.
Maria Augusta virou-se bruscamente, sua paciência se esgotou.
— Então por que você está aqui, Rodrigo? Por que está amarrado no banco traseiro, enquanto tentamos acabar com o seu sistema? Se é tão imbatível, por que tem tanto medo de nós?
Rodrigo hesitou por um momento, mas seu sorriso não desapareceu.
— Não é medo, senhora. É estratégia. Eu estou exatamente onde deveria estar.
O grupo ficou em silêncio, a tensão aumentando a cada palavra de Rodrigo. Aurora trocou um olhar preocupado com Ernesto, que parecia mais alerta do que nunca.
— Ele está jogando conosco — disse Aurora, sua voz baixa, mas firme. — precisamos manter a cabeça no lugar.
Vicente olhou pelo retrovisor, seus olhos encontrando os de Rodrigo.
— Jogando ou não, ele não vai nos deter. Não importa o que aconteça.
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Depois de quase uma hora de viagem, Ernesto sugeriu uma parada em um motel à beira de estrada. Era discreto, e o dono parecia mais interessado em dinheiro do que em perguntas. Vicente estacionou o carro atrás do prédio, fora da vista da estrada.
— Vamos dividir os quartos — disse Ernesto, enquanto desamarrava Rodrigo. — Mas ele fica comigo. Não podemos correr riscos.
Auroraling.
— Vicente, você e sua mãe ficarão no outro quarto. precisamos descansar, mas não abaixem a guarda.
Maria Augusta hesitou.
— Não gosto disso. Estamos muito expostos aqui.
— É temporário — garantiu Vicente. — Só até conseguirmos um plano para chegar a Nova York.
O grupo entrou rapidamente no motel. Ernesto escolheu um quarto no fundo do corredor, levando Rodrigo consigo, enquanto Aurora ajudou Vicente e Maria Augusta a se instalarem no quarto ao lado.
—m-se de trancar tudo, certifique-se — alertou Aurora antes de sair.
Vicente fechou a porta e encostou-se nela por um momento, sentindo o peso das últimas horas. Maria Augusta observou-o, o rosto cansado, mas os olhos cheios de preocupação.
— Você está bem, filho?
Vicente suspirou e sentou-se na beirada da cama.
— Não sei, mãe. Sinto como se estivesse carregando o peso de algo que não escolhi. E agora, você, Ernesto, Aurora... todos estão no meio disso por minha causa.
Maria Augusta mudou-se, sentando-se ao lado dele.
— Não diga isso. Estamos aqui porque queremos. Porque pensamos em você.
Ele virou-se para ela, seus olhos carregados de emoções conflitantes.
— Eu só não quero perder você. Não depois de tudo.
Maria Augusta segurou sua mão, apertando-a com firmeza.
— Você não vai me perder. Estamos juntos nisso, Vicente. Seja qual for o resultado.
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No outro quarto, Ernesto mantinha Rodrigo sob vigilância. O prisioneiro estava sentado na cadeira ao lado da cama, com as mãos amarradas. Ernesto não tirava os olhos dele, a arma descansando no colo.
— Você tem coragem, Rodrigo. Mas coragem não é o suficiente para sair dessa.
Rodrigo inclinou-se para frente, o sorriso ainda presente.
— Você acha que eu conheço, Ernesto? Não sabe nada sobre mim. Nem sobre o que está por vir.
Ernesto franziu a testa, mas não respondeu. Ele sabia que Rodrigo estava tentando desestabilizá-lo, e não poderia deixar isso acontecer.
Do lado de fora, Aurora caminhava pelo corredor, verificando as fechaduras e as janelas. Ela sabia que o perigo ainda estava à espreita. E, enquanto olhava para a estrada deserta pela janela, um pensamento inquietante a altura.
Algo estava errado.
Ela virou-se e correu de volta para o quarto de Vicente.
— Temos que sair daqui agora. Eles nos encontraram.
Antes que Vicente pudesse responder, o som de pneus derrapando na entrada do motel confirmou suas suspeitas. A batalha ainda não havia acabado. E a 'Aliança da Sombra' estava mais perto do que nunca.