Jiho acordou naquela manhã com um peso estranho no peito. Ele havia passado a noite revendo o conto que seria adaptado para a peça teatral, mas sua mente não conseguia se concentrar completamente. A interação com Seungmin e Junwoo no dia anterior continuava girando em sua cabeça. Por mais que quisesse evitar, ele se pegava repassando os detalhes — o jeito exagerado de Seungmin, o olhar crítico de Junwoo, e sua própria dificuldade em se expressar diante deles.
O campus parecia mais movimentado do que o normal. Jiho cruzou a entrada principal segurando sua bolsa com firmeza, os olhos baixos como de costume. Ele sabia que não era o tipo de pessoa que chamava atenção. Na verdade, preferia assim. Mesmo assim, algo o incomodava: a ideia de que aquele grupo seria uma constante em sua vida pelas próximas semanas.
Enquanto caminhava em direção à biblioteca, onde o grupo havia combinado de se encontrar novamente, uma voz alta e familiar o fez parar.
— Ei, Jiho! — Seungmin acenava do outro lado da praça, um sorriso grande no rosto.
Jiho congelou. Não estava acostumado a ser chamado tão abertamente, ainda mais por alguém como Seungmin. Ele tentou fingir que não havia ouvido, mas Seungmin já vinha em sua direção, atravessando o gramado com passos largos.
— Achei que fosse você! — Seungmin parou ao lado de Jiho, colocando as mãos nos bolsos de sua jaqueta casual. — Indo para a biblioteca, certo?
Jiho assentiu, incerto de como responder. — Sim... nós combinamos de nos encontrar lá.
— Perfeito. Vamos juntos. — Seungmin começou a andar ao lado dele, sem pedir permissão. Ele parecia tão à vontade que Jiho se perguntou se Seungmin agia assim com todo mundo ou se estava tentando deixá-lo mais confortável.
— Então, o que achou do nosso grupo? — Seungmin perguntou, quebrando o silêncio.
Jiho hesitou antes de responder. — É... interessante.
Seungmin riu, como se entendesse exatamente o que Jiho queria dizer. — Junwoo é meio intenso, né? Sempre sério, sempre querendo impressionar. Mas você vai se acostumar. Eu já estou acostumado com o jeito dele.
Jiho não sabia se "acostumar" era algo que ele queria fazer. Ainda assim, ele assentiu, mantendo os olhos no chão enquanto caminhavam.
Ao chegarem na biblioteca, Junwoo já estava lá, sentado com perfeição quase teatral, como se estivesse posando para uma foto. Ele olhou para os dois com uma expressão neutra, mas Jiho sentiu o peso do julgamento nos olhos do colega.
— Vocês estão atrasados — disse Junwoo, ajeitando o relógio no pulso.
— Não mesmo. Ainda temos cinco minutos — Seungmin respondeu com naturalidade, jogando sua mochila na cadeira e se sentando com um movimento relaxado. Ele olhou para Jiho, que ainda estava parado perto da mesa. — Vem, Jiho. Vamos começar.
Jiho se sentou lentamente, tirando seu caderno e caneta da bolsa. Ele percebeu que Junwoo o observava, como se já estivesse avaliando sua contribuição antes mesmo de começarem a discutir.
— Eu revisei o conto ontem à noite — Junwoo começou, abrindo seu laptop. — Acho que a estrutura é simples, mas o desafio será dar vida aos personagens. Precisamos garantir que a peça seja dinâmica, e isso exige uma adaptação mais criativa.
Seungmin riu baixinho. — Isso é um jeito elegante de dizer que vai precisar de mim, né?
— Precisaremos de todos — Junwoo corrigiu, sua expressão permanecendo séria. — E isso inclui Jiho. Afinal, você é o especialista em histórias, não é?
Jiho se mexeu desconfortavelmente na cadeira. — Eu... posso tentar ajudar.
— Tentar? — Junwoo arqueou uma sobrancelha. — Não estamos aqui para tentar. Estamos aqui para fazer.
Antes que Jiho pudesse responder, Seungmin interveio, inclinando-se sobre a mesa. — Calma, Junwoo. Deixa o garoto respirar. É só o primeiro dia.
Junwoo revirou os olhos, mas não respondeu. Jiho sentiu um misto de gratidão e desconforto com a defesa de Seungmin. Ele não estava acostumado a alguém interceder por ele, e não sabia se isso o fazia parecer fraco.
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As primeiras horas de discussão foram tensas, mas produtivas. Com o passar do tempo, Jiho conseguiu reunir coragem para compartilhar algumas ideias, que Seungmin apoiava entusiasticamente, enquanto Junwoo analisava cada detalhe com ceticismo. Apesar das dificuldades, o grupo conseguiu criar um esboço inicial para a adaptação.
Quando finalmente decidiram encerrar por aquele dia, Seungmin se espreguiçou na cadeira e soltou um suspiro exagerado. — Isso foi intenso. Acho que merecemos um café. O que acham?
— Tenho outros compromissos — disse Junwoo, fechando o laptop com precisão cirúrgica. — Até mais.
Junwoo saiu antes que alguém pudesse responder, deixando uma leve tensão no ar. Seungmin olhou para Jiho com um sorriso encorajador. — Então, o que acha? Café? É por minha conta.
Jiho hesitou. Ele não costumava aceitar convites assim, especialmente de pessoas como Seungmin, que pareciam viver em um mundo completamente diferente do seu. Mas algo no tom amigável de Seungmin o fez reconsiderar.
— Tudo bem — respondeu finalmente, guardando seus materiais na bolsa.
Seungmin sorriu, satisfeito. — Isso aí. Você precisa de uma pausa depois de lidar com o nosso querido Junwoo.
Os dois caminharam até a cafeteria do campus, onde Seungmin fez questão de pedir o café mais caro para si mesmo e um chá para Jiho, sem sequer perguntar o que ele queria. Quando se sentaram, Seungmin se inclinou para frente, os olhos brilhando de curiosidade.
— Então, Jiho, me conta sobre você. Fora os livros, o que você gosta de fazer?
Jiho ficou surpreso com a pergunta. Ele não estava acostumado a ser o centro das atenções, especialmente em uma conversa casual. — Eu... não sei. Acho que não faço muita coisa além de ler.
— Sério? Nada? Nem assistir filmes ou sair para algum lugar legal? — Seungmin parecia genuinamente intrigado.
— Não sou muito de sair. Prefiro ficar em casa.
— Uau, você é mesmo o oposto de mim. Eu não consigo ficar parado. Preciso estar sempre fazendo alguma coisa, senão enlouqueço.
Jiho deu um pequeno sorriso. — Acho que é por isso que você faz Teatro.
— Exatamente. O palco é meu lar. — Seungmin fez uma pausa, olhando para Jiho com um interesse que o deixou desconfortável. — E você? Nunca pensou em tentar algo assim? Teatro, por exemplo?
Jiho quase engasgou com o chá. — Eu? No palco? Nem pensar.
Seungmin riu. — Calma, não estou dizendo que você tem que subir no palco amanhã. Mas quem sabe um dia, né? Acho que você surpreenderia muita gente.
Jiho balançou a cabeça, ainda sem acreditar na ideia. Mas, pela primeira vez, ele sentiu que talvez, apenas talvez, trabalhar com Seungmin não fosse tão ruim quanto imaginava.
eungmin tomou um longo gole do café enquanto olhava pela janela da cafeteria. Era impossível não perceber o quanto ele estava confortável ali, como se aquele espaço fosse uma extensão de si mesmo. Jiho, por outro lado, mantinha as mãos em torno do copo de chá, tentando não demonstrar o desconforto crescente. A cafeteria estava cheia de estudantes, e Seungmin parecia atrair olhares aonde quer que fosse.
— Sabe o que é engraçado? — disse Seungmin de repente, inclinando-se um pouco na direção de Jiho. — Eu nunca teria imaginado que trabalhar com alguém como você seria tão... intrigante.
Jiho franziu o cenho. — Alguém como eu?
— Quieto, introspectivo... sério. — Seungmin sorriu, apoiando o queixo na mão. — Não que isso seja ruim. Só não é o tipo de pessoa com quem costumo passar tempo.
Jiho sentiu o rosto esquentar. Ele não sabia se aquilo era um elogio ou apenas uma observação desconcertante. Antes que pudesse responder, uma voz alegre os interrompeu.
— Seungmin!
Uma jovem com cabelos curtos e um sorriso brilhante se aproximou da mesa, segurando uma bandeja com duas xícaras de café. Ela usava o crachá do curso de Artes Cênicas pendurado no pescoço.
— Ah, Yura! — Seungmin abriu um sorriso radiante. — O que você está fazendo aqui?
— Vi você pela janela e pensei em dizer oi. — Ela olhou para Jiho brevemente, curiosa, antes de voltar sua atenção para Seungmin. — Ensaiando alguma coisa nova?
— Não hoje. Só aproveitando um tempo com meu novo colega de grupo. — Ele gesticulou na direção de Jiho. — Esse aqui é o Jiho, do curso de Literatura.
Jiho assentiu timidamente, sentindo o peso do olhar avaliador de Yura.
— Ah, então é você que está trabalhando com o Seungmin no projeto. Boa sorte! — Ela riu, mas havia algo na maneira como ela falou que deixou Jiho ainda mais desconfortável.
— Não vai precisar de sorte — brincou Seungmin. — O Jiho é um gênio com histórias.
Yura ergueu as sobrancelhas, claramente surpresa. — Bem, espero ver o resultado. Nos vemos por aí, Seungmin!
Ela se afastou, mas não antes de lançar outro olhar curioso para Jiho. Assim que ela desapareceu na multidão, Seungmin voltou a atenção para ele.
— Ela é meio intensa, né? — comentou Seungmin, rindo de leve.
Jiho não respondeu. Ele estava mais concentrado nos olhares que continuavam se direcionando à mesa deles. A cafeteria estava cheia de pessoas que pareciam conhecer Seungmin, e muitos sussurravam ou acenavam para ele enquanto passavam.
— Você conhece muita gente... — Jiho murmurou, tentando não soar crítico.
— Ah, não é como se eu fosse famoso ou algo assim. Só acontece de eu ser... memorável. — Seungmin piscou, claramente se divertindo.
Antes que Jiho pudesse responder, outro grupo de estudantes passou por eles, acenando para Seungmin. Um deles chegou a parar para cumprimentá-lo.
— Seungmin! Você arrasou na apresentação da semana passada! — disse o rapaz, animado.
— Valeu, cara! — Seungmin respondeu com um sorriso, dando um leve tapa no ombro do colega.
Assim que o grupo se afastou, Jiho sentiu o desconforto aumentar. Ele não estava acostumado com tanta atenção, e estar ao lado de alguém como Seungmin parecia amplificar sua presença, mesmo que ele preferisse o oposto.
— Isso te incomoda? — Seungmin perguntou de repente, como se lesse os pensamentos de Jiho.
Jiho olhou para ele, surpreso. — O quê?
— Toda essa atenção. — Seungmin gesticulou ao redor. — Você parece... tenso.
Jiho hesitou antes de responder. — Não estou acostumado com isso.
Seungmin riu baixinho. — Relaxa. Eles estão olhando para mim, não para você.
Isso não ajudou muito, mas Jiho apenas deu um leve aceno de cabeça, tentando ignorar o peso dos olhares ao redor.
Seungmin pareceu perceber o desconforto persistente de Jiho e mudou de assunto. — Então, me conta mais sobre o conto que estamos adaptando. Qual é a parte que você acha mais importante?
A pergunta pegou Jiho de surpresa. Ele não esperava que Seungmin realmente quisesse ouvir sua opinião, mas, ao mesmo tempo, era um alívio falar sobre algo que ele conhecia bem.
— Acho que o núcleo da história está na jornada do protagonista... como ele precisa confrontar seus medos e superar as barreiras impostas pelas expectativas da sociedade. — Jiho falou devagar, ainda incerto sobre o nível de interesse de Seungmin.
Para sua surpresa, Seungmin parecia genuinamente interessado. — Isso é bem profundo. Acho que dá para explorar muito no palco. Tipo, o medo dele pode ser mostrado não só nas palavras, mas nos gestos, nos silêncios...
Jiho piscou, surpreso. — Você realmente pensa em como transformar isso em algo físico?
— Claro! Teatro é isso. É pegar algo abstrato, como um sentimento, e mostrar para o público de forma que eles sintam junto com você. — Seungmin sorriu, mas havia algo em seus olhos que parecia mais sério. — Acho que, no fundo, todos temos medos que gostaríamos de enfrentar.
Jiho ficou em silêncio, refletindo sobre aquelas palavras. Ele nunca havia pensado em teatro dessa forma, e era estranho ouvir algo tão introspectivo de alguém como Seungmin, que sempre parecia tão despreocupado.
— Bom, parece que escolhi o grupo certo — disse Seungmin, quebrando o silêncio. — Acho que vamos fazer um bom trabalho juntos.
Jiho não respondeu imediatamente, mas pela primeira vez desde que o projeto havia começado, ele sentiu um pequeno lampejo de confiança. Talvez, trabalhar com Seungmin não fosse tão ruim assim.