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Lembranças de Chupaku
Era inverno quando ela nasceu, irmã gêmea, a segunda filha. Seus cabelos eram iguais aos do pai, oriundo do clã dos demônios brancos, exilados nas altas montanhas, próximo ao antigo local dos monges. Ele havia salvado sua mãe, uma elfa perdida no meio de uma guerra que estava chegando ao fim, uma guerra que mudaria o mundo: o conflito entre o oeste e o leste, entre o Rei Demônio e o Rei Louco.
Os demônios brancos já eram uma raça proibida, mas o cuidado do pai com a elfa ferida gerou um fruto de amor e paixão: as gêmeas que haviam acabado de nascer.
Naquele mesmo momento, longe dali, a feiticeira que sempre guiara o Rei Louco enfrentava e amaldiçoava o Rei da Morte, o lich, general do Rei Demônio e senhor dos mortos.
As gêmeas nasceram parecendo demi-elfas, filhas de elfo com humano, apesar da origem incomum. A primeira não chorou ao nascer, precisando de três tapinhas para reagir. Já a segunda mal havia saído e seu choro ecoava alto.
Quando o pai segurou a primeira nos braços, sentiu a vibração intensa da mana que emanava dela, suas pernas tremeram. Elas eram fruto de um pecado proibido, e tal poder era de se esperar. A segunda, ao sair, emanava mana de cor rosa. Ele notou três chifres de mana nela, sinalizando também um imenso poder, mas descontrolado.
Os anciãos, ao presenciarem isso, apressaram-se a preparar o ritual.
A mãe começou a chorar.
— Precisamos levá-las! — disse um dos anciãos do ritual.
— Mas ainda nem demos nomes a elas! Este ritual não deveria ser feito aos seis meses de vida? — retrucou o pai, segurando a primeira nos braços.
— Olhe para elas! Acha que podemos esperar? Precisamos prevenir o pior.
O pai, tremendo, olhou para as filhas enquanto o ancião pegava gentilmente a recém-nascida dos seus braços.
— Não! Eu quero vê-las! Não podem fazer isso! Irão matá-las! — gritou a mãe, desesperada.
O ancião, com uma das meninas nos braços, e outra anciã levando a segunda, olhou para a mãe e disse:
— Sinto muito.
O pai caiu de joelhos na neve, tremendo de impotência.
Na porta, um jovem entrou eufórico, gritando:
— Mestre! Os itens para o ritual estão prontos!
Eles precisavam remover os R.Us das meninas. O excesso de mana era perigoso. Um poder tão grande e descontrolado poderia ser desastroso.
Quando o ritual começou, o clã sentiu a magnitude dos poderes. Era como se, mesmo no ventre, elas tivessem ocultado parte do potencial. Aquele deveria ser um dia de celebração pelo nascimento, mas tornou-se uma noite turbulenta.
Ao amanhecer, no terceiro cantar do galo, o pai sentou-se ao lado da cama da esposa, exausto e preocupado. Ela havia desmaiado logo após o parto e, para sua sorte, não testemunhara o caos da noite.
Uma criança entrou correndo, com olhos fundos de sono:
— O mestre ancião deseja vê-lo!
Com o coração apertado, o pai caminhou até o local indicado. A visão de pessoas ao redor da cabana o fez cair em prantos.
— Acalme-se. Elas estão bem — disse o ancião.
Chorando, o pai agradeceu à Mãe Terra por poupar suas filhas. Dois homens o ajudaram a se levantar, e ele seguiu até o círculo onde as gêmeas estavam. Magos exaustos dormiam ao redor, e as meninas descansavam tranquilamente. Chupaku, a segunda, chupava o dedo da irmã enquanto dormia.
— Qual é a primeira e qual é a segunda? — perguntou o pai.
— A segunda chorava sem parar, mas ao ficar perto da irmã, acalmou-se e dormiu — respondeu o ancião.
O pai, ainda emocionado, lamentou:
— Sinto muito por não ter dado nomes antes do ritual. Espero que isso não nos traga azar.
— Já escolheu os nomes? — perguntou o ancião.
— A primeira será Nôkú, e a segunda, Chupaku.
Seis anos se passaram.
Com o aniversário delas se aproximando, o sétimo ano de vida começaria. Chupaku era empolgada e carinhosa, sempre abraçando a mãe e subindo nas costas do pai. Nôkú, por outro lado, era reservada e séria. Enquanto Chupaku brincava com as crianças do vilarejo, Nôkú preferia acompanhar o pai na forja e estudar magia.
Perto do aniversário, Nôkú começou a ter pesadelos e dores de cabeça. Isso assustava Chupaku, que passou a evitar dormir com a irmã. Nôkú ria sozinha, agia de forma estranha, como se tivesse uma maturidade além da idade.
Um dia, Chupaku correu para dentro de casa, radiante:
— Mamãe, venha ver!
Arrastou a mãe para fora, onde um R.U branco e gordinho rolava na neve.
— De quem é esse R.U? — perguntou a mãe, alarmada.
— Eu estava brincando sozinha e ele apareceu para brincar comigo! — respondeu Chupaku, sem imaginar que aquele era o R.U dela.
Após análise, confirmaram que aquele R.U pertencia a Chupaku. Era um mistério como ele ainda existia após o ritual.
Mesmo assim, Chupaku agora tinha um amigo para brincar, enquanto Nôkú continuava distante, mas ainda dormiam juntas.