A noite era escura, com a lua em sua fase gibosa lançando uma luz pálida sobre a floresta. O frio era cortante, o mais rigoroso em uma década, e cada árvore, retorcida e desfolhada, parecia uma silhueta fantasmagórica, pronta para afligir até o mais valente dos corações. No meio desse cenário sombrio, uma figura solitária lutava contra o inverno — uma jovem decidida a enfrentar o frio, mesmo com os pés já dormentes, afundando cada vez mais na neve. Sua respiração era curta e dolorosa, e o tempo parecia escorregar entre minutos e horas; ela não sabia ao certo há quanto tempo vagava, mas tinha uma certeza: precisava sobreviver a qualquer custo.
Ela seguia adiante, sentindo no ar a ameaça constante que parecia pairar à espreita, observando-a das sombras. O vento sussurrava entre as árvores como se compartilhasse segredos ancestrais, histórias que escapavam à compreensão da garota. E, apesar de estar aparentemente sozinha, não podia ignorar a sensação de ser observada. A cada passo, um farfalhar de galhos ressoava logo atrás, como se alguém — ou algo — a seguisse. Ao olhar de canto de olho, viu de relance uma figura oculta, com olhos brilhantes e amarelos, que desapareceu entre as árvores antes que pudesse confirmá-la.
Seu corpo começava a ceder ao frio e à fome. Mas então, entre a penumbra das árvores, um ponto amarelo reluzente apareceu à sua frente. Reunindo o que restava de forças, ela seguiu em direção àquela luz, que lentamente revelou ser a silhueta imponente de um castelo. Majestoso, sombrio, com torres altas que se perdiam na escuridão, parecia algo saído dos contos de fadas — mas havia nele um tom predatório, uma aura que a convidava e ao mesmo tempo a repeliria. Sem alternativa, ela se aproximou dos portões principais. Tentou empurrá-los, mas nada aconteceu. Bateu, uma, duas, três vezes, mas o silêncio foi a única resposta.
— Não vou morrer aqui — murmurou, com a voz trêmula, enquanto dava uma última batida nos portões.
Contornando o castelo em busca de uma entrada alternativa, encontrou uma janela embaçada. Lá dentro, um cômodo aquecido e aconchegante parecia esperá-la; uma mesa suntuosamente arrumada lhe deu uma esperança quase cruel. Seu estômago roncou alto, e ela se abraçou na tentativa de aplacar a fome. Encostada na parede fria, sentiu uma tristeza profunda, uma solidão sufocante. Sem conseguir conter a frustração, pegou uma pedra do chão e a atirou contra a neve.
Decidida a não desistir, a garota foi recuperar a pedra e, ao mexer na neve, algo inusitado surgiu: um alçapão oculto, cujas correntes, enferrujadas pelo tempo, quebraram-se com facilidade. Tremendo, ela abriu uma das portas, revelando uma escadaria que descia em espiral para a escuridão. Sem mais opções, respirou fundo e começou a descer, mergulhando em um breu profundo que a envolveu completamente.
Os olhos se acostumaram devagar ao escuro, distinguindo apenas contornos de caixas e barris. Pequenos ruídos de roedores faziam companhia em meio ao silêncio opressor, e, de alguma forma, isso a tranquilizou — se ratos sobreviviam ali, talvez houvesse comida. Tateando pela parede, encontrou uma porta que, surpreendentemente, estava destrancada. Ao atravessá-la, sentiu o calor pela primeira vez em horas; o corredor estava iluminado por tochas que lançavam sombras dançantes nas paredes.
Continuou caminhando e, ao se aproximar de um barril, encontrou um pé-de-cabra. Após alguns golpes desajeitados, conseguiu abrir um dos barris e provou um líquido adocicado, mas amargo, que não agradou seu paladar. Em outro barril, encontrou pães e os devorou sem hesitar. Com a fome momentaneamente saciada, continuou explorando o corredor, subindo as escadas que se desenrolavam como um labirinto.
Perto do topo, notou um buraco na parede recoberto por grades. Ao espiar, viu um salão iluminado, onde três figuras conversavam em murmúrios que soaram nítidos aos seus ouvidos.
— Eu sinto um cheiro diferente... Alguém entrou no castelo.
— Você só pode estar brincando. Nesta época?
— Não mintam. Eu sei que sentem o mesmo... A mamãe precisa saber. Ela vai gostar dessa visita inesperada.
— Quem encontrar primeiro tem direito à presa — disse uma das figuras, separando-se das outras.
Um arrepio percorreu sua espinha. Sua mente gritou para voltar, mas as pernas pareciam enraizadas no chão, incapazes de resistir à curiosidade e ao medo. Ela correu escada acima até uma porta, que fechou atrás de si e recostou-se, ofegante. Ao erguer os olhos, viu uma figura imponente em uma cadeira majestosa, que a encarava com um sorriso enigmático.
— Aproxime-se, criança — disse o homem de forma corpulenta quase hipnotizante. — Sou o duque. Estive a sua espera.