"Eu preciso continuar correndo... mas para onde?"
Minhas pernas estão cansadas, e o ar parece mais pesado a cada respiração. O labirinto de pedra, coberto por musgo úmido, parece não ter fim. Continuo correndo sem parar, sem saber ao certo do que estou fugindo, mas a sensação de ser perseguida não me abandona. Sinto que é algo perigoso, mas o quê?
O som de passos ecoa nas paredes do labirinto, mas há algo estranho... Eles não vêm apenas de um lado, estão em direções diferentes. Estou sendo cercada? O medo aperta meu peito, e eu tento acelerar, mas minhas pernas estão pesadas, como se o próprio labirinto estivesse tentando me segurar.
De repente, ouço um riso baixo à minha esquerda. Meu coração dispara, e por reflexo, olho para trás e vejo uma nuvem de névoa se formando, engolindo os corredores atrás de mim. Sinto um calafrio intenso ao ver que a névoa parece ter uma textura densa tornando ainda mais forte a sensação de frio no ar.
Tento ignorar e sigo em frente, mas logo sinto uma presença. Viro outra esquina e lá está ele. Com a visão turva, observo a figura masculina alta e imponente, com um olhar vermelho ardente e obscuro que me faz estremecer. Ele estende a mão na minha direção, como se quisesse me puxar para perto.
Antes que eu consiga reagir, outra figura surge da escuridão, rápida como um raio. Os dois se chocam com uma força que eu nunca vi antes, e o impacto faz o chão ao meu redor vibrar. Eles estão brigando? Não entendo... quem são esses homens? E por que parecem tão desesperados por algo que tem a ver comigo?
Paro por um segundo, observando a luta. Seus movimentos são rápidos demais para meus olhos acompanharem. Não podem ser humanos... Os socos que cada golpe proferido de um para o outro eram selvagens.O primeiro tenta me alcançar de novo, mas o segundo o bloqueia.
—Ela é minha!— Rosna o primeiro, seus olhos vermelhos brilhando de fúria. A voz dele me arrepia, como se houvesse algo além da simples raiva por trás dela.
—Você não pode reivindicá-la.— O segundo responde friamente, com uma calma assustadora. Ele também me olha, com seu par de olhos azuis, mas de maneira diferente, quase como se estivesse tentando me proteger. Mas... Por que ele me defenderia?
Estou presa no meio desse conflito que não entendo. Minhas pernas estão prestes a ceder, e meu coração parece que vai explodir a qualquer momento. Preciso fugir, mas eles estão em toda parte. Cada vez que dou um passo para trás, sinto que as paredes do labirinto estão se fechando sobre mim, me empurrando de volta para eles.
Os dois continuam se enfrentando, rápidos demais para que eu consiga acompanhar. Por um momento, sinto um calafrio passar por mim, como se a própria atmosfera estivesse carregada com algo... sombrio. Algo que não consigo explicar.
Finalmente, o segundo homem se vira para o primeiro, bloqueando sua visão de mim.
—Ela ainda não está pronta.— ele diz, sua voz grave e séria. O que isso quer dizer? Não estou pronta para o quê?
Antes que eu possa processar, o primeiro hesita, e é nesse instante que meus instintos me mandam correr. Giro nos calcanhares e corro com todas as forças que me restam. O som da luta continua atrás de mim, mas não ouso olhar para trás. Minhas pernas mal conseguem me sustentar, mas eu sigo em frente, o medo me guiando.
Eu mal consigo enxergar o caminho à frente, mas sei que não posso parar. Não posso ser pega, seja lá quem forem eles.
Subitamente, uma das figuras surge na minha frente. Não consigo distinguir qual é dos dois, pois os olhos não estão mais perceptíveis para minha vista embaçada. Não há tempo para reagir – ele está tão próximo que posso sentir o ar mudar ao seu redor. Meu corpo congela por um segundo, e quando ele estende a mão, sinto um choque de pânico. Eu tropeço, e ao cair, sinto o impacto duro do chão contra minhas costas.
Nesse instante,um som forte e surdo penetra meus ouvidos. O barulho repentino e intenso cria uma sensação de choque em todo meu corpo.
Então tudo ao meu redor se dissolve em escuridão sem nenhum rastro de luz .A sensação de pisar nas pedras frias, os sons dos meus próprios passos, e até o pânico, somem. Tudo isso é diluído por uma luz constante, risadas distantes, vozes e cheiro de folhas de livros.
Uma confusão toma conta de mim. Pisco várias vezes e esfrego meus olhos tentando desembasá-los e tiras alguns dos minhas longas madeixas castanhas, que se entrelaçam em todo meu rosto.
—"Onde estou? "—Pergunto-me mentalmente , enquanto me vejo lutando para saber o que realmente está acontecendo.
Meu coração ainda está disparado, e rosto coberto de suor frio. Olho ao redor e vejo aquele lugar escuro como antes, e sim a sala de aula. Suspiro aliviada. Mas a minha frente, a garota alta de cabelos curtos e loiros, que ela cuida como um troféu, bate com força mais uma vez um livro sobre a minha mesa. Os olhos de Kira me observam cheios de superioridade e desprezo.
—Ah, que pena! Acordei a bela adormecida.— Diz a loira com tom irônico e todos na sala riem. Obviamente, os alunos são a plateia e ela a estrela do seu show. Tento acalmar o coração, sentindo ainda o pânico do pesadelo lentamente se dissipando. Aquilo foi um sonho? Parecia tão real e assustador.
Ainda atordoada, levanto da minha cadeira com uma mistura de confusão e uma pontada de raiva. Encaro-a firmemente.
—O que você quer?— Pergunto com minha voz indignação , mesmo que ainda restando resquícios de desordem em minha mente.
Kira ergue uma sobrancelha, surpresa com minha reação. Por um instante, me pergunto como ela havia me notado. Nunca fui popular, então duvido que ela saberia da minha existência mesmo estudando na mesma sala.
—Oh, é assim que você vai me tratar? Eu só estava tentando ajudar você. — A loira debocha. Ela nunca perderia uma chance de provocar alguém.
—Me ajudar? — Questiono, a raiva deixando minha voz áspera. Isso fez, ela parece, um pouco mais tomada de surpresa.
—Você acha que pode falar assim comigo? —Seu olhar muda de perplexo para uma mistura de irritação e desdém.
—Se a sua ajuda significa bater livros na minha mesa , talvez seja melhor você se poupar disso, — Respondo, percebendo que essas palavras saíram mais dura do que eu pretendia.— Não precisa agir como se o mundo girasse ao seu redor.
Kira fica em silêncio por um momento, claramente chocada com minha resposta. Ela encara o livro sobre a mesa, depois volta sua vista para mim. Seu olhar agora está mais neutro, embora ainda tenso.
—Eu só coloquei um livro sobre sua mesa, para quê tanto escândalo? — ela diz levantando suas mãos para cima como sinal de rendição, porém com sarcasmo. — Ver se não se distrai tanto, da próxima vez o livro não irá bater só na cadeira.
Antes que eu podesse retrucá-la, a porta da sala de aula se abre com um rangido. E o nosso professor de história entra com passos firmes, carregando sua pasta preta e um semblante sério. Os óculos de aro fino sempre caem um pouco no nariz. Ele os empurra de volta ao lugar enquanto nos encara com severidade.
Seus olhos imediatamente se estreitam ao perceber a tensão entre nós. Ele coloca a pasta na mesa com um baque audível, e o silêncio repentino na sala é esmagador.
—O que está acontecendo aqui?— a voz do professor soa firme. Ele nos observa com desagrado, claramente percebendo que estávamos discutindo. — Vocês duas,— aponta para mim e para Kira. —não tolero brigas em sala de aula. Se tiverem algum problema, resolvam fora daqui.
Sinto minhas bochechas esquentarem, e posso apostar que elas estão visivelmente vermelhas contrastando minha pele branca e quase pálida. Kira murmura algo em sua defesa, mas o professor levanta a mão, cortando-a.
—Não quero saber de desculpas. Esta é uma sala de aula, não um ringue .— ele continua, a voz autoritária, mas sem gritar. —Espero que ambas se comportem de maneira mais adequada daqui em diante.
Com um último olhar para a loira, volto para minha cadeira, sentindo uma mistura de alívio e desconforto, apesar dos ecos do pesadelo ainda persistirem em minha mente.
Ela finalmente vai se sentar junto com o seu grupo de amigos. O Professor respira fundo, ajustando novamente os óculos.
—Agora que isso está resolvido, tenho um anúncio importante a fazer.
Ele se vira para a porta e faz um gesto para que alguém entre. Um garoto alto entra na sala, fazendo meus olhos e de todos aqui, serem atraídos automaticamente por ele.
Os cabelos escuros caem suavemente sobre a testa, destacando os olhos azuis vibrantes e a pele extremamente branca. Ele coloca as mãos no bolso do sobretudo preto que, embora não seja uma vestimenta comum entre os alunos daqui da Crimson high school, isso o torna ainda mais intrigante.
O jeito dele se mover é calmo e seguro, e parece estar completamente à vontade com a nova situação, como se já estivesse acostumado a ser o centro das atenções.
Por mais que tente, não consigo desviar o olhar. É como se algo nele me mantivesse presa, uma força que puxa meu olhar sem permissão. Meus olhos percorrem seu pescoço, onde um cordão de couro sustenta um crucifixo invertido, feito de um metal escuro e opaco. Sou totalmente cética, mas um frio inesperado percorre minha espinha ao encarar esse detalhe, como se esse símbolo carregasse algo perturbador.
—Este é Daon Blantte,— o Sr. Clark apresenta. —Ele é novo aqui e vai se juntar à nossa turma a partir de hoje. Peço que todos o recebam bem e ajudem a integrá-lo.
Daon se dirige a um lugar disponível, a duas fileiras de mesas de distância de mim, e se senta de maneira relaxada. A curiosidade entre os alunos é evidente, e eu percebo que muitos estão observando ele com interesse, talvez admirando sua aparência e o jeito como ele se comporta.
Enquanto o Professor começa a falar sobre o conteúdo do dia, minha mente ainda está focada em Daon. De repente, sinto o peso de um olhar sobre mim e, ao olhar discretamente na direção dele, encontro seu olhar azul fixando nos meus olhos castanhos. O contato visual é intenso fazendo o calor das minhas bochechas voltar à tona.
Sinto a necessidade de desviar o olhar e rapidamente volto a me concentrar na frente. Vejo-o pelo canto do olho, o sorriso dele brincar em seus lábios, como se estivesse rindo da minha reação.
—Angel, você está vendo o que eu estou vendo?E como se ele tivesse saido de um filme, — ouço Ellie sussurrar animadamente do meu lado.
Ela é uma das pessoas mais extrovertidas que eu conheço. Seus olhos castanhos, um pouco mais escuros que os meus, brilham cheios de energia e entusiasmo.
Ela continua, com um tom de empolgação crescente:
— Aposto que a Kira não vai perder tempo para dar em cima dele.— Diz e logo começa a cutucar discretamente meu braço querendo avisar de algo — Angel, ele está olhando para aqui.
Ellie continua a falar sobre o impacto de Daon na turma e como a Kira provavelmente reagirá. Enquanto ouço os comentários entusiasmados dela, não posso evitar revirar os olhos, achando a empolgação dela engraçada e um pouco exagerada.
—É só um garoto,— digo, tentando parecer indiferente. — Vamos focar na aula.— Parece que esse cara irá ser o mais comentado da escola.
Ellie soltou um suspiro, mas continuou observando o garoto de sobretudo preto com um olhar interessado.
Pelo menos a discussão com Kira e a presença do novo aluno servem como uma distração momentânea para minha mente. Os sonhos perturbadores sobre o labirinto e as figuras misteriosas estão se tornando cada vez mais frequentes e inquietantes. Noites como a de ontem me deixam sem coragem de fechar os olhos.
O professor continua a explicar a matéria, mas as palavras se misturavam. Às vezes, direciono minha atenção às paredes de cores neutra da sala, outras vezes foco no sol entrando pelas grandes janelas. Minha mente insiste em divagar enquanto tempo parecia se arrastar.
Finalmente, o som do sinal me salva dos meus devaneios. Ando junto a Ellie até a entrada da escola, onde ela encontra seu namorado.
Despeço-me deles e saio da escola, decidida a aproveitar a caminhada até minha casa. O pôr do Sol dá um brilho amarelado sobre as ruas tranquilas que passo, enquanto a brisa fria de fim de tarde, sopra bagunçados minhas mechas de cabelos.
Puxo mais as mangas do meu casaco moletom branco, para eles cobrirem até mesmo a ponta dos meus dedos. Gosto de frio, somente quando posso me esconder dele.
— Mãe... Pai! — Uma criança de cerca de 6 anos, parada em frente a uma cafeteria, chama por seus pais. Essa cena captura minha atenção de forma inesperada. Sua voz transborda de expectativa e alegria, enquanto toca as primeiras notas de "Parabéns para você" em um teclado rosa de brinquedo. Compartilhando o que acabou de aprender para seu pais. Por um momento, me imagino no lugar dela: recebendo um parabéns entusiasmado e um abraço apertado por ter conquistado simples
Essa cena é um lembrete silencioso do que nunca tive. A morte da minha mãe ao me dar à luz e o suicídio do meu pai, incapaz de suportar a minha culpa por ter causado a morte dela, me fazem sentir que não tenho o direito de conhecer ou lembrar os rostos deles.
Dou uma última olhada para a criança antes de suspirar e continuar meu caminho.
Abro a porta de casa que divido com Ellie. O ambiente está quieta hoje, o que já era esperado.
O lugar é pequeno, mas acolhedor, com paredes de cores suaves e móveis simples que ambas escolhemos juntas. A sala de estar tem um sofá confortável, onde Ellie e eu passamos boa parte das noites conversando ou assistindo filmes. A cozinha, que ela adora usar para experimentar novas receitas, está silenciosa agora, sem o barulho habitual de panelas e risadas.
Deixo a mochila no canto e desabo no sofá. A ideia de pegar algo para comer surge, mas o cansaço é mais forte. Fecho os olhos por um instante, prometendo a mim mesma que não vou dormir. O sono, entretanto, me toma, e sou arrastada para o abraço reconfortante do sofá.
De repente, sou arrancada desse torpor de um som grave. Parece batidas na porta. Ainda meio grogue, pego o telefone e olho para a tela. Fico totalmente surpresa. O relógio na tela mostra que já é 3 horas da madrugada— horas se passaram desde que eu caí no sofá. O susto me desperta completamente. Como eu não percebi o tempo passar assim?
Antes que eu possa pensar muito sobre isso, mais um som repentino de batidas na porta faz meu corpo tremer por inteiro. O susto é tanto que quase deixo o celular cair.
Franzo a testa, confusa. Quem estaria batendo a essa hora? Presumo que seja Ellie retornando mais cedo da casa do namorado, porém não é normal ela chegar tão tarde da noite.
Levanto-me, ainda sonolenta, e me dirijo à porta. Abro meio sem pensar muito e solto, brincando:
—Essa é hora de chegar em casa?
Mas o sorriso desaparece no instante em que vejo o que está parado diante de mim.
Em vez de Ellie, uma figura masculina alta está em frente a mim. O capuz do sobretudo cobre seu rosto, deixando à mostra apenas o sorriso amedrontador que se forma em seus lábios. Sinto meu coração acelerar, batendo descompassado no peito.
Por um instante, a adrenalina me domina, fazendo-me tentar fechar a porta em um movimento brusco. No entanto, a figura é rápida ao estender sua mão à frente, bloqueando minha ação. Com um movimento ágil, ele afasta o capuz, revelando os olhos azuis que me observam devorando-me. Os fios de cabelos negros, que eu já havia visto hoje, caem um pouco bagunçados sobre a testa.
O que Daon Blantte, o novo aluno, poderia fazer minha porta a três horas da madrugada?Fico sem falar, paralisada pelo susto. Ele não diz nada de imediato, apenas me observa analisando meu rosto com uma intensidade inquietante.
Antes que eu pudesse pensar ou reagir, ele dar um passo à frente e estende a mão, segurando meu pulso com força . O seu toque gelado faz os pêlos do meu braço se eriçarem por inteiro e meu corpo se contrair involuntariamente.
—Já está assim? — Sua voz soa grave e provocativa enquanto seu olhar percorre o meu braço. —E nem precisei me esforçar...
A pressão de seus dedos se torna mais forte, quase como se estivesse testando quão fácil seria quebrar minha resistência. Meus instintos gritavam para eu puxar a mão de volta e gritar, mas, por algum motivo, eu não consigo. As pálpebras dele se estreitam, enquanto o sorriso ainda está em seus lábios.
Ele se inclina devagar, até que seu rosto está perigosamente perto do meu. O par de olhos azuis me despem, como se pudesse ver cada parte de mim. Com instinto, viro o rosto em um movimento rápido.
—Não fique com medo, anjo Querubim — Sussurra maliciosamente perto da minha orelha .— Posso sentir seu sangue pulsando mais forte quando está com medo, e isso me deixa louco.
Como pode saber que angel significa Anjo? Ou melhor, como ele pode saber meu nome se não me conhece?
—Eu... Não tenho medo de você.— Tento demonstrar que não estou apavorada, mas minha voz sai trêmula.
—Ah, que pena que você não irá lembrar de nada disso, Anjo Querubim! — Daon diz afastando seu rosto de mim e voltando a sua postura alta e intimidadora.
Um calafrio percorreu minha espinha ao ouvir suas palavras. O mundo ao meu redor começa a girar e sinto a escuridão se aproximando, parecendo que as sombras estão tentando me engolir.
—Não...— arfo minha última palavra, antes de sentir minhas forças se esvair, a escuridão me puxar para baixo e tudo se apagar...