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Chapter 2 - Capítulo 2: Fragmentos de Memórias

Em um buraco profundo, repleto de raízes entrelaçadas que pareciam tecer histórias de antigamente, gotas de água caíam incessantemente, espirrando em um ritmo irregular. Um dos respingos atingiu o rosto de um menino de nove anos, despertando-o de um sono profundo. Seu cabelo era de um preto profundo, quase como as sombras que dançavam nas paredes do buraco, e a expressão que ele usava era incomum para alguém tão jovem — uma seriedade que desafiava sua idade.

Vestia uma túnica de lã, ajustada ao seu pequeno corpo, simples, mas funcional. Um cinto de couro moldava-se à sua cintura, mantendo a túnica firmemente no lugar. Seu manto, confeccionado a partir da pele de um animal, estava sob medida, oferecendo proteção contra o frio que permeava o ar e conferindo-lhe ares de um jovem guerreiro. As botas de couro, robustas e adequadas para as aventuras que o aguardavam nas florestas e campos ao redor da aldeia, completavam o seu visual. Acima da média em altura para sua idade, o menino despertava lentamente, confuso e desorientado.

Quando finalmente abriu os olhos, seus olhos vermelhos brilhavam com uma intensidade quase sobrenatural, prenunciando a determinação que ainda estava por vir. O brilho escarlate refletia a luz filtrada pelas raízes e folhas, como se os próprios deuses da floresta estivessem observando-o. À medida que os pensamentos começavam a se organizar em sua mente, flashes de lembranças invadiram sua consciência.

Ele se lembrou de ter saído de casa, ansioso para explorar as redondezas da vila. O dia tinha começado como qualquer outro, mas ao avistar um brilho misterioso emanando de um buraco repleto de raízes, sua curiosidade o levou até ali. Ao se aproximar, encontrou um pingente de prata adornado com uma serpente que se mordia a própria cauda, um símbolo enigmático que parecia pulsar com energia. Assim que o tocou, um choque percorreu seu corpo e, num instante, tudo escureceu.

No sonho que se seguiu, ele era Alex, um homem que havia vivido em dor e desespero. Lembranças de uma vida cheia de tragédias, de um amor perdido, de um final abrupto por conta de um acidente se desenrolaram como um filme em sua mente. Agora, despertando daquele pesadelo, o menino percebeu que aquilo não era um mero sonho — era uma visão de sua vida passada.

À medida que se sentava, a verdade começou a se consolidar dentro dele. 'Essa era minha vida', pensou, aceitando a nova realidade que se apresentava. 'Alex era eu, e eu sou ele.' Com essa aceitação, uma onda de determinação fluiu através dele, como se o peso dos erros de sua vida anterior se transformasse em lições a serem aprendidas.

Ele olhou novamente para o pingente de prata em sua mão. 'Que tipo de artefato é esse?' O brilho suave do metal refletia as cores da floresta ao redor, e sua curiosidade cresceu ainda mais. 'O que poderia permitir que alguém visse sua própria vida passada?' O menino começou a questionar o que mais poderia haver por trás daquela relíquia, sentindo que era apenas o começo de uma jornada que poderia moldar seu destino de maneiras que ele ainda não conseguia imaginar.

Levantando-se lentamente, ele olhou ao redor, as raízes e árvores formando um teto natural sobre sua cabeça. A luz do sol dançava entre as folhas, e ele sentiu a energia vibrante da floresta ao seu redor. "Eu vou descobrir", sussurrou para si mesmo, um sorriso determinado se formando em seus lábios. "Não importa o que eu tenha que enfrentar, não vou repetir os erros de Alex."

Ao sair do buraco, o menino estava determinado a explorar não apenas as florestas e campos que conhecia, mas também os mistérios que cercavam sua nova vida, decidido a se tornar o mestre do próprio destino. O pingente ainda balançava em sua mão, cada movimento prometendo novas descobertas e desafios que moldariam o homem que ele estava destinado a se tornar.

. . .

Saindo de perto do buraco, comecei a organizar os pensamentos, um turbilhão de lembranças e sensações que parecia querer me afogar. Eu sou Eirik Kragar agora — uma criança nascida no norte da Dinamarca, na vila costeira de Havheim. Meus pais são Magnus Kragar e Sigrid Kragar, dois nomes que carregam a força e a história do clã. Apesar de eu ter vários amigos na vila, ninguém é tão próximo quanto Elin Lindgren, minha melhor amiga e companheira de aventuras.

Ainda me adaptando à clareza das memórias, percebo que vou completar dez anos em apenas dois dias, e, com isso, chega o rito de passagem do clã. Como os outros, preciso caçar minha própria serpente e usar seu sangue para uma tatuagem, um símbolo de nossa devoção a Jörmungandr, a serpente do mundo. Essa cerimônia não é apenas uma tradição; é uma marca de quem somos. É a forma como Havheim encontra força e propósito.

Quando voltei a mim, já estava à entrada da vila. Reconheci cada casa e cada detalhe ao meu redor; eram pedaços familiares do mundo ao qual agora pertenço. Mal atravessei o limite da vila, ouvi uma voz ansiosa e um tanto irritada.

"Eirik, onde você esteve? Sumiu a tarde toda!"

Virei-me, já sabendo a quem pertencia aquela voz. Elin. Sempre com aquele ar vibrante, como se o próprio mundo não pudesse contê-la. Ela era uma figura encantadora, seus cabelos ruivos em longos cachos rebeldes que desciam até os ombros, capturando a luz como uma chama viva. E os olhos… grandes, azuis, sempre curiosos e com um brilho de travessura, de quem está pronta para uma nova aventura a qualquer momento.

O rosto de Elin ainda tinha o arredondado suave da infância, com bochechas coradas e uma expressão eternamente curiosa, como se estivesse explorando cada pedaço da vida ao seu redor. Mas, mesmo com essa aparência juvenil, as tatuagens de cobras nas pernas mostravam que ela já havia passado pelo rito do clã, com as serpentes subindo em espirais elegantes, um contraste fascinante com sua pele clara.

"Eu estava explorando um pouco," respondi, acenando casualmente.

Ela inclinou a cabeça, olhos brilhando com uma curiosidade inocente. "Você foi pra fora da vila?"

"Sim," admiti, sorrindo. "Quer ver o que eu achei?"

Os olhos dela brilharam, e ela se aproximou, empolgada. "O que é? Me mostra!"

Puxei o pingente do meu bolso, deixando-o brilhar entre nós. "Então, o que você acha? Bonito, não é?"

Ela o observou com admiração genuína, pegando-o entre os dedos. "Parece uma cobra de verdade! É muito bem feito."

Depois de analisá-lo por mais um segundo, ela abriu um sorriso esperto e disse: "Você pode me dar ele?"

Ri, guardando o pingente de volta no bolso. "Não, acho que vou ficar com ele."

Ela fez uma careta, cruzando os braços em uma expressão de indignação que só a deixava ainda mais fofa. Aquela expressão de desapontamento, com um leve bico nos lábios, era uma de suas armas favoritas. Mas dessa vez, antes que ela pudesse me convencer, desviei a conversa.

"Certo, chega disso. Vamos para minha casa. Minha mãe disse para te chamar para jantar hoje."

Num instante, seu rosto iluminou-se de novo. Ela pegou minha mão e puxou-me para o centro da vila, correndo com a animação que era só dela. Eu me deixei levar, sentindo uma alegria inesperada, a vida nova em mim ganhando forma com cada passo.

A casa do chefe da vila, a nossa casa, era grande e imponente, um reflexo de quem meu pai era para Havheim. As paredes de madeira robusta, reforçadas por pedras nas fundações, davam uma sensação de segurança que eu nunca senti antes. Quando entramos, o calor familiar e o aroma de carne assada e temperos encheram meus sentidos.

Entrando na casa com Elin ainda segurando minha mão, fui recebido pelo calor do ambiente e o aroma acolhedor de comida que dançava no ar. Mas o momento de conforto foi interrompido pela voz firme de minha mãe, Sigrid Kragar, que estava ao meu lado.

"Olhe só quem apareceu, depois de passar o dia inteiro fora," disse ela, com um olhar que misturava severidade e preocupação.

Sigrid Kragar era uma força da natureza em Havheim. Com 35 anos, ela não só era bonita, mas também exalava uma aura de poder e resiliência. Seus cabelos longos e castanhos caíam em ondas soltas, moldando-se ao seu rosto forte e determinado. Os olhos azuis, profundos como o mar, refletiam sua força e a sabedoria adquirida em anos de desafios. Com uma altura impressionante, sua silhueta atlética era resultado de muito trabalho duro e treinamento, e você conseguia ver isso nas suas curvas generosas. Os seios firmes e seus quadris largos mostravam que ela era tanto uma guerreira quanto uma mãe. No braço direito, a tatuagem de cobra era uma marca de sua lealdade ao clã Kragar e à serpente do mundo, Jormungand.

Sigrid se vestia de forma prática, usando couro e tecido resistente, com toques que mostravam o orgulho de suas raízes vikings. Apesar de ser uma mulher de poucas palavras, sua voz firme e suave a tornava respeitada por todos. Ela era a mãe protetora que eu sempre tive, disposta a lutar por nossa família com unhas e dentes, mas também a mulher que podia oferecer conselhos sábios e verdadeiros. Em sua essência, Sigrid era uma matriarca forte, capaz de encarar qualquer desafio que a vida lhe apresentasse.

"Desculpa, mãe," murmurei, enquanto ela se aproximava e puxava levemente minha orelha. "Ai ai! Desculpa ter sumido!"

Ela me observou com um olhar intenso e, então, disse: "Nada de desculpas. Como punição, vá até seu pai e ajude-o a cortar lenha."

"Tá bom, tá bom, eu vou!" resmunguei, sabendo que não havia espaço para argumentação.

Antes de sair, ouvi Sigrid falando para Elin, sua voz ainda firme, mas com uma ponta de humor. "Você vai ter muito trabalho quando casar com ele, Elin."

Corando, Elin estufou o peito, assumindo uma postura de bravura, e respondeu: "Tudo bem! Eu posso aguentar um pouco das travessuras dele." O jeito como ela disse isso, cheia de confiança e doçura ao mesmo tempo, fez meu coração aquecer.

Saí da sala, a curiosidade e a expectativa de uma nova aventura pulsando em mim. A visão da vila lá fora me fez sentir um misto de felicidade e responsabilidade. Sabia que a tarefa que me aguardava não era apenas um castigo; era uma oportunidade de aprender com meu pai, de me tornar mais forte.

As tábuas da casa rangiam sob os meus pés enquanto caminhava até o quintal. O sol estava começando a se pôr, tingindo o céu de laranja e vermelho, e o cheiro da madeira cortada se misturava ao ar fresco do norte. Do lado de fora, vi meu pai, Magnus Kragar, trabalhando com seu machado, suas mãos fortes e calejadas demonstrando a experiência de um homem que viveu muitas batalhas, mas que agora se dedicava ao sustento da família.

Magnus Kragar, era um homem cuja presença impunha respeito e admiração instantâneos. Com seus imponentes 2,10 metros de altura e um físico forjado por anos de batalhas e trabalho árduo, ele exalava a força bruta de um verdadeiro guerreiro. Sua pele era marcada por cicatrizes, cada uma contando uma história de lutas passadas, e seus braços musculosos eram adornados com tatuagens rúnicas que simbolizavam a devoção a Jormungand, a serpente do mundo, o deus reverenciado pelo clã Kragar.

O rosto de Magnus era severo e enigmático, com traços duros e uma expressão sempre carregada de uma intensidade quase intimidante. Ele possuía uma barba espessa e escura, já com fios grisalhos que indicavam sua experiência e sabedoria, dando a ele um ar de maturidade e respeito. Seus olhos, de um vermelho profundo, eram penetrantes e observadores, sempre analisando o ambiente e as pessoas ao seu redor com uma calma predatória. Quando Magnus olhava para alguém, era como se enxergasse a alma, uma habilidade que ele desenvolveu ao longo de décadas liderando homens e protegendo sua família e sua vila.

"Oi, pai," chamei, tentando esconder o nervosismo que vinha com a expectativa de agradá-lo.

"Você finalmente voltou, Eirik," ele respondeu, levantando o olhar com um sorriso que misturava orgulho e advertência. "O que estava fazendo o dia todo?"

"Explorando, como sempre," admiti, me aproximando.

"Explorar é bom," ele disse, "mas lembre-se: uma cabeça cheia de sonhos é útil, mas mãos ativas trazem resultados. Venha, pegue uma tora para mim."

Fui até ele, pegando uma tora de madeira do monte que se acumulava ao lado da casa. O peso era significativo, mas nada que eu não pudesse lidar. Enquanto começava a trabalhar, a conversa fluiu naturalmente, como o correr do rio próximo, repleta de risadas e desafios. As sombras da tarde se alongavam, e o som do machado cortando a madeira se tornava uma música familiar que me lembrava de tudo que eu queria ser.

O calor da fogueira estava começando a ser aceso novamente, e, mesmo enquanto trabalhava, eu sabia que Elin e minha mãe nos aguardavam. A vida seguia em frente, e cada momento era uma nova chance de aprender e crescer sob a proteção de Jörmungandr, nossa deusa serpente, e de meus pais que me guiavam pelo caminho do clã Kragar.