Capítulo 1: A Águia e o Inverno
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294 d.C. - Além da Muralha
A neve caía espessa, cobrindo as tendas e as chamas trêmulas do acampamento. Aquele silêncio sepulcral da vastidão além da Muralha sempre foi familiar para Ivar, mas hoje carregava um peso diferente. O vento trazia mais do que o frio costumeiro; trazia a notícia da morte de seu pai. Como um açoite, ela havia silenciado os sussurros das pessoas. Não era apenas o luto que pairava no ar, mas a tensão.
Ivar, agora chefe do clã, segurava o cabo do machado, sentindo o calor do couro desgastado na mão. A lâmina refletia o brilho da lua pálida, um farol em meio à escuridão. "Ivar 'Águia Vermelha'", chamavam-no, um nome que ele havia conquistado após despertar sua habilidade de troca-peles. Sua ligação com a águia vermelha — uma criatura rara nas terras geladas — era forte, como uma extensão da própria alma. Muitas vezes ele voava com ela nos céus gélidos, observando de cima as rotas das tribos e o movimento dos clãs.
Agora, porém, mesmo o mais alto voo não lhe mostraria uma solução fácil. Ele encarava um dilema amargo. Mance Rayder, o autoproclamado Rei-prá-lá-da-Muralha, reunia seu exército com uma promessa de unificar os clãs contra a ameaça dos Caminhantes Brancos, a escuridão que vinha do Norte. O próprio pai de Ivar recusara essa aliança, preferindo a independência ao domínio de outro homem. Agora, morto, o velho chefe deixara o peso de sua escolha para o filho.
Ivar observava o fogo crepitante na tenda dos anciãos. À sua volta, homens e mulheres do clã o olhavam com expectativa e medo. "Vingar meu pai ou juntar-me a Mance?", pensou. Ambas as opções não garantiam a sobrevivência do clã. Mesmo que ele tentasse se vingar, o exército de Mance era numeroso e poderoso. E se se unisse ao Rei-prá-lá-da-Muralha, teria de sujeitar seu povo às ordens de um estranho e, talvez, marchar em direção à própria morte. "Não, nenhuma dessas opções é boa", concluiu.
Diálogo com os Anciãos
Ivar sabia que precisava consultar os anciãos da tribo, mesmo que já antecipasse a resistência deles a qualquer decisão que desafiasse a tradição. Ao entrar na tenda, os rostos rígidos dos três mais velhos o encararam. A luz do fogo projetava sombras estranhas nas peles enrugadas de seus rostos, criando uma atmosfera quase ameaçadora.
— Ivar, filho de Arnulf — começou o mais velho, Old Tharn, sua voz ecoando pelo espaço —, o clã precisa de uma liderança forte. Vingue seu pai e prove seu valor como chefe.
Ivar franziu a testa, a voz firme e cortante como o gelo. — Vingança não nos dará o que precisamos, Tharn. Mance possui um exército, e nós somos apenas seiscentos. Não posso sacrificar nossa gente em uma luta que já está perdida.
Uma mulher de cabelos grisalhos, anciã chamada Freya, o olhou com desdém. — E fugir? É isso que propõe? Deixar nosso lar para trás, nossos mortos, para seguir um caminho de covardia?
— Chame de covardia, se quiser — respondeu Ivar, controlando a fúria que fervilhava em seu peito. — Mas o que vocês chamam de lar não passa de tendas e gelo. E o Norte não se importa com nossa honra. É sobrevivência que quero para nós.
Um terceiro ancião, Bjor, que raramente falava, finalmente ergueu a voz. — E para onde iríamos? Ao Sul, para os Sete Reinos? Eles nos caçariam como animais. Ou sugere que rumemos para o leste, para Durolar, onde restam apenas ruínas de nossa própria história?
A menção de Durolar fez algo dentro de Ivar despertar. A cidade antiga, agora um punhado de ruínas, era um lugar com uma história de resistência, de luta pela sobrevivência em meio à escuridão.
— Sim, exatamente — disse ele. — Durolar. Se não podemos enfrentar o Sul e não podemos confiar em Mance, vamos construir uma nova vida longe daqui. E quem sabe um dia, encontraremos uma forma de atravessar o Mar Estreito até Essos. Ou talvez algo melhor. De qualquer forma, não há futuro para nós aqui.
Os anciãos entreolharam-se, o silêncio crescendo pesado como uma tempestade. Tharn cuspiu no chão, o rosto contorcido em uma expressão de desdém.
— Você se envergonha das tradições de seus antepassados, rapaz. Queremos um chefe que nos defenda, que honre o sangue de Arnulf.
Os Pensamentos de Ivar
As palavras do velho queimaram. Ivar sempre respeitara a memória de seu pai e sabia que muitos viam nele uma figura a ser imitada. Mas ele não era Arnulf. Sentiu o peso da responsabilidade de ser o novo chefe, de carregar não apenas o nome do clã, mas o destino de cada homem, mulher e criança. Ser chefe não era apenas seguir tradições. Era pensar no futuro. Um futuro que ele sabia, no fundo, que não existiria se continuassem onde estavam.
"Essos é uma terra de exilados e guerreiros", pensou. "Um lugar onde podemos sobreviver sem nos submeter a um rei do Norte, ou ao trono de ferro dos homens do Sul. Podemos ser mais do que caçadores e presas."
Decisão Tomada
— Old Tharn, Freya, Bjor — disse Ivar, elevando a voz para que todos no local ouvissem. — Eu escolhi. Levaremos nosso povo para Durolar e encontraremos uma maneira de atravessar o Mar Estreito. Não me importo com o que pensam de mim. Não estou aqui para proteger nossa honra, mas para proteger nossas vidas.
Freya o encarou com os olhos estreitos. — Você desonra a memória de seu pai com essa decisão. Talvez seja o sangue de sua mãe sulista falando.
Ivar cerrou os dentes. A menção à sua mãe, uma escrava capturada pelos selvagens do Norte, foi uma provocação que ele quase não conseguiu suportar.
— Eu sou o chefe do clã agora — disse, controlando o tom. — E vocês seguirão minha decisão. Não quero saber de traições ou divisões. Se tentarem enfraquecer o clã, terão de lidar comigo e com a Águia Vermelha.
Partida para Durolar
A decisão foi anunciada, e embora muitos murmurassem em desagrado, nenhum ousou desafiar a autoridade de Ivar. Ele viu as mulheres embalarem suas crianças e os homens recolherem os poucos pertences que possuíam. As tendas foram desfeitas, as fogueiras apagadas. Abaixo do céu cinzento, um mar de seiscentas pessoas se preparava para a marcha que definiria seu futuro.
Enquanto o grupo avançava lentamente pela neve, Ivar fechou os olhos e deixou seu espírito voar. Em um instante, estava sobrevoando o grupo, vendo-os através dos olhos de sua águia vermelha. O olhar da ave captava cada expressão, cada hesitação, cada esperança e temor. Mesmo dos céus, podia ver as crianças segurando firmemente as mãos dos pais, as faces envelhecidas dos mais velhos olhando para trás, para o que deixavam.
"Aguentem firme", pensou Ivar, sentindo o peso do voo e da responsabilidade. "Logo, essa jornada será apenas o início de uma nova vida."
Pensamentos Finais
Assim que chegaram às ruínas de Durolar, Ivar viu as antigas pedras que haviam resistido ao tempo e à neve, marcas de uma cidade que um dia fora um centro de vida e agora não passava de um eco.
— Essa é nossa chance, nosso futuro — murmurou para si mesmo, com a águia pousada ao seu lado.
Ainda havia resistência no coração de muitos, dúvidas sobre o futuro em Essos, mas naquele momento, sob o manto escuro do céu, Ivar sabia que sua decisão era a única possível. Que, como a águia que sobrevoava o Norte, ele guiaria seu clã para um novo horizonte, longe das ameaças e das guerras que pairavam sobre o Norte.