Capítulo VII: Arco da Pousada Friggarista
Dias se passaram. Um salão comportava inúmeras pessoas para um jantar. Dentre elas confraternizavam bilionários, religiosos e outros.
O motivo para uma confraternização nenhum sabia, mas pouco importava: diversão era bem-vinda.
Um dos enormes lustres iluminava uma elegante mesa ocupada por dois militares e um católico do extinto vaticano.
– Comida boa! – Dizia um dos militares, trazendo o guardanapo à boca.
– Até que não é tão ruim matar aqueles canardianos dos infernos! Se for pra comer isso, mato sempre! – Disse o outro militar.
O católico mais se importava em maneirar no consumo de carne, sua doutrina pessoal o pressionava para manter apenas a ingestão de peixes em sua alimentação. Mas estava difícil com uma comida tão bem preparada.
Os militares tagarelas continuavam:
– Vai dar tudo certo. Você viu todo o sangue no chão do grande pátio? Passei por lá hoje e minha nossa!
– Vi outro dia no mesmo estado. Ele é realmente casca-grossa. Tudo contribui para que avancemos ainda mais todo o projeto.
O padre, sem perceber, abocanhava com vitalidade um pedaço de carne, e, ainda mastigando, pergunta aos militares:
– Pra o que usam aquele pátio? Matam por quê?
– Chefe, não é atoa, não! Aqueles estranhos têm dois corações, aquilo lá tem uma energia do caralho!
– Realmente, padre. Extração de órgãos que fazem no pátio. Colocam aquilo nos grandes protótipos e ganham energia pra décadas.
– Esperem, há tantos Ultraje Nova assim? Não imaginei que tivessem investido em tantas máquinas – Diz o padre, sem resistir à mais um pedaço de carne.
– É por isso que Frigga utiliza pouco da força militar. Além de ser mais efetivo usar os protótipos, também economiza as munições que já não temos tanto.
O padre para de mastigar ao ouvir o nome de Frigga. Comenta:
– Aquele homem... Ele fez tanta coisa. É um louco, de fato. Afinal, onde ele está? Não o vi por aqui.
– Não fazemos ideia.
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Sif e Frigga estavam sentados no escritório. A solidão de uma vela acesa em um escritório tão escuro acompanhava a cabeça baixa de Frigga.
Sif manipulava uma caneta pelas pontas buscando algo para quebrar o silêncio. E pergunta:
– Você está aqui pensativo de novo. Não vai comparecer ao jantar?
– Eu sei que estou, não precisa me lembrar.
– Algo que eu possa ajudar, Frigga?
– Me ajudaria ficando quieto.
– Você precisa desabafar, colocar pra fora. Não me diga que estou aqui à toa.
– Haha... Maldito sou por ter te considerado tanto, não tem mais papas na língua.
– Então você me considera?
– Eu já disse que sim.
– Nesse caso, me conte. Eu posso ser...
– Hm?
– Um amigo, talvez.
A vela sambava suas chamas como se também quisesse ouvir a resposta de Frigga.
– Bem... Você sabe o que estamos prestes a causar, não é, Sif?
– Se você se refere ao próximo ataque à Evan... Sim, sei.
– Chegaram até mim especulações de uma outra possível civilização menor aqui por perto, mas ainda sim nós focaremos em Evan, a maior.
– Então...?
– Eu não quero, Sif... que você se comporte como no dia do pátio. Quero que seja forte e não corra como fez após matar aquele canardiano.
O peito de Sif aperta, a pressão toma suas veias.
– Eu farei o possível.
– Não. Eu quero que afirme. Qualquer erro pode causar algo pior, Sif... Até chegar o dia em que finalmente atacaremos, quero que esteja pronto...
– Eu... eu prometo que agirei da forma correta, Frigga.
– Ótimo.
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Filas de laranjeiras enfeitavam o lindo pomar. Heloy caminhava com seu belo sorriso entre as naturais vielas junto de Freedam.
– Jogue na cara deles, Freedam! Pra quem te chamou de fraco, diga que em dias se recuperou quase completamente!
O braço recém machucado de Freedam apresentava poucas marcas. Seu corpo, antes magro e desnutrido, já se recompunha numa velocidade ótima tendo a boa alimentação que a tribo lhe oferecia.
– Bom... é verdade. Mas só estar bem já é de bom tamanho, não?
– Deixa de ser sério! Venha, apanhe algumas laranjas!
Heloy cobria seus braços com uma pilha de laranjas. Freedam, que naquele momento apenas admirava as laranjeiras crendo serem apenas plantas, pergunta:
– Afinal, o que são essas 'laranjas'?
– Como é?! Não sabe mesmo? Na sua terra não tem frutas?!
– Não, você entendeu errado! É claro que tem frutas, mas não essa. Mas agora entendo, são frutas típicas daqui.
– Ah, sim! Bom, são.
Heloy banhava seus olhos de sol olhando para cima, admirava os galhos, folhas e laranjas da árvore, sorrindo contente.
– O quê está olhando aí?
– Freedam, as frutas são uma forma da mãe-natureza chamar nossa atenção para admirá-la. Uma chance que ela nos dá para contemplá-la.
– Isso é interessante... mas, para mim, tudo que é vivo é uma fruta.
– Uh?
– Não uma fruta com poupa, como estão acostumados.
– Nessa lógica você seria uma fruta, bobo.
– Pode ser. Nossos dois corações são frutas energéticas.
Os olhos de Heloy brilham e sua concentração foge da árvore para observar Freedam.
– Se somos frutas, essas são nossas sementes. As sementes que passam a existência toda esperando por alguém que... sejam capaz de cultivá-las.
Os olhinhos meigos de Heloy se alinhavam com os de Freedam. O garoto sorria com uma das laranjas na mão, enquanto Heloy brilhava segurando várias delas.
PUFT!
Uma laranja cai da árvore e acerta a cabeça de Heloy.
– AI-AI! – Ela solta todas as laranjas, que rolam pelo chão.
– Ei-ei... calma, venha cá.
– Não ria!
– Eu não vou.
O garoto acariciava a lateral atingida da cabeça com toques leves. No fundo tinha medo de machucá-la, mas sabia que dar um conforto era importante. Ela era importante.
– O-obrigada...
– Por nada. Vamos, eu carrego as laranjas!
Os terríveis "laranjeiros" partiam em caminhada para casa, ansiosos para devorarem todas as laranjas apanhadas.
No meio do caminho, Freedam:
– Ei. Se lembra de quando Hudra nos salvou?
– Oh, se lembro...
– Como ela sabia que estávamos ali? Naquele momento?
– Ela não sabia.
– E chegou como, então?
– Hudra passa seu tempo caçando. Estávamos justamente na floresta onde ela costuma caçar.
– Que sorte...
– Sim... E o seu pai?
– O que disse?!
– Seu pai. Eu ouvi toda a sua conversa com a mamãe pela janela.
– Sua atrevida!
– Era um homem bom, como você me disse. Gosto de te ouvir falando sobre ele. Seu semblante muda.
– Bem, sim... Ele era maravilhoso. Um verdadeiro homem! Mas o chamavam de louco, no começo.
– Louco? Haha, quem diria.
– Ele parava pra ouvir a história de todos. Se importava com cada um que conhecia, se interessava em ajudar...
– Isso não é bom? Porquê louco?
– Ele sempre falava sobre um mundo que não existe. Um mundo de paz, sem conflitos. Por isso o chamavam de louco, mas isso mudou conforme ele foi ascendendo. Ligava mais para as flores do que para bens materiais.
– Então sou uma louca, também.
– Hihi... Verdade.
– Era um homem bom, de fato.
– Ele confiava demais no outro... Ele sorria até mesmo para os inimigos, isso sem tom de deboche ou algo do tipo. Ele dividia o que tinha, mesmo quando ainda tínhamos tão pouco. Ao invés de apanhar flores e entregá-las à minha mãe, ele preferia deixar as flores vivendo e levar mamãe até o jardim para que ela as visse pessoalmente.
– Que incrível...
– Agora, vamos comer!
E é claro que eles iam. Uma após a outra devoravam as suculentas laranjas. Heloy tagarelava dizendo conseguir comer mais laranjas que Freedam:
– Coma quantas conseguir, eu te venço e como mais!
– Nunca mesmo!
– Vai nessa!
– Glof, Crunck, Crunch!
– E se alimente bem! Pois você vai ser chamado para aprender combate!
Freedam interrompe sua devoração:
– Como é?! Uh?!
– Se prepare, pois vão te ensinar o combate com lanças e espadas!
Então...
Lutar... como o meu pai lutava?