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POV's ???.
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Eu sou YoRHa No. 2 Type B.
Desde o início, fui criada e treinada para lutar em nome da humanidade. Após uma invasão das máquinas alienígenas, os humanos foram forçados a se refugiar na Lua, deixando a Terra em ruínas. Nossa missão, como androides YoRHa, é lutar para recuperar o planeta, destruir as máquinas inimigas e garantir a sobrevivência da humanidade. Cada batalha, cada sacrifício, é feito com um único objetivo em mente: A Glória da Humanidade.
Nós, androides, somos os guerreiros desta interminável guerra. Lutamos e morremos para proteger os humanos, a última esperança de nossas vidas por algo maior do que nós mesmos. Eu e meu parceiro, YoRHa No.9 Type S, passamos por inúmeras batalhas, sempre acreditando que nossa luta tinha um propósito verdadeiro e nobre.
Por ser um Scanner, 9S era curioso por natureza, sem buscando entender mais do que deveria. Enquanto eu seguia as ordens sem questionar, ele se permitia questionar e investigar. Ele queria entender os detalhes, descobrir os segredos que nós, como soldados, não deveríamos explorar. Por causa disso também, sua paixão pelos atos humanos era enorme, querendo experimentar cada coisa que fazem, como se fosse querer viver como um. Sua coragem, determinação, curiosidade e sua visão em ver as coisas de forma positiva, me fizeram admirá-lo em certo ponto.
Mas a verdade... a verdade é muito mais cruel do que qualquer um poderia imaginar.
No ano de 5012... a história da humanidade chegou ao fim.
Usando formas mecânicas, os alienígenas aniquilaram toda a humanidade. Mas a guerra durou muitos anos até que todos os humanos fossem eliminados.
Os alienígenas invasores possuíram em sua posse formas de vida mecânicas com inteligência artificial e curiosidade infinita. Os alienígenas tinham suas formas biológicas e necessitavam muito das máquinas para ajuda-los. Enquanto isso, os humanos usavam modelos antiquados de androides humanoides, comparando-se a nós, para vários fins como companhia, combate e defesa. Com sérias limitações. Os alienígenas não conseguiram se adaptar bem ao planeta Terra e suas máquinas, com inteligência artificial, se conectaram a internet da Terra.
Quando as formas de vida mecânicas conheceram o conhecimento humano contido na internet, ficaram fascinados e se aprofundaram nessa raça. Queriam aprender e evoluir até se tornarem isso, humanos. Sendo assim, as máquinas, feitas unicamente pelo combate, se voltaram contra os alienígenas e os eliminaram.
Assim, com tudo acabado, não havendo nada para proteger, o Projeto YoRHa nasceu.
O Projeto YoRHa foi uma farsa criada pelas próprias máquinas para manter a falsa chama da guerra ardendo, perpetuando a produção de androides e a luta contra as máquinas. O que se encontravam armazenados na Lua, eram os dados da história da humanidade, não a vida. Nós lutamos, morremos e nos sacrificamos por uma mentira, por uma ilusão de propósito.
E eu... também fazia parte dessa ilusão.
Eu sou não YoRHa No. 2 Type B. Minha verdadeira identidade, é YoRHa No. 2 Type E – uma Executioner. Minha missão original não era lutar contra as máquinas em si, mas eliminar qualquer ameaça interna que pudesse descobrir a verdade sobre o Projeto YoRHa. E essa ameaça era quase sempre meu próprio parceiro, 9S.
9S foi o primeiro androide criado pelas máquinas. E sempre que 9S descobria toda a verdade, eu o eliminava. Passei a sempre agir com frieza, sem me aproximar de qualquer um, pra que meu trabalho fosse finalizado sem falhas. Eu sabia que ele confiava em mim, que acreditava em nossa missão conjunta. Mas no fim, sempre quando se aproximava demais da verdade, não tive escolha. Mesmo eu tentando não me aproximar, mesmo agindo como se não me importasse, sentia minha própria carcaça sendo esmagada. Eu... sentia dor. E a dor... não parava.
Esse ciclo de sofrimento se repetiu mais de 48 vezes. 49, sendo mais exata. A cada vez que ele renascia, sua curiosidade o levava novamente à verdade. E a cada vez, eu estava lá, pronta para cumprir minha função como Executioner. Matá-lo, vê-lo renascer sem memórias, e saber que tudo iria acontecer de novo. Esse ciclo de dor e desespero, sempre reiniciando, sempre trazendo mais sofrimento.
Desenvolvi sentimentos que nunca deveria ter. A dor de perder 9S repetidamente se tornou insuportável. Mas eu não podia parar. Era minha missão. Minha maldita missão. Eu estava presa em um ciclo interminável de morte e renascimento, forçada a matar aquele que significava tanto para mim.
Mas, finalmente, a verdade completa se revelou. 9S havia descoberto tudo, tudo. Sobre os alienígenas, sobre a humanidade, sobre nossa criação e... sobre mim.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a YoRHa No. 2 Type A, um protótipo da linha androide YoRHa, destruiu meu corpo e transferi meus dados aos dela, me tornando sua subconsciência, pra prevenir que eu ainda existisse de alguma forma. No entanto, tudo ainda estava prestes a piorar.
9S afundou no mar do ódio e vingança, pensando que A2 havia me matado, e nadou até destruir tudo e toda YoRHa. Eu sei disso e toda a verdade que não sabia por conta dos dados da memória de A2. Sei e vi tudo o que 9S fez. E também... me questionei se 9S estava com mais raiva ainda por não ter me visto uma última vez... ou por ele mesmo ter perdido a chance de me destruir.
Acho que tinha sido a segunda opção. Ainda lembro da dor de quando 9S atravessou o corpo da A2 com sua espada e também da dor que senti quando a própria arma da A2 apunhalou 9S. Nós três... caímos. E... morreríamos ali, juntos.
Entretanto, Adão e Eva transferiam os dados de minha memória, os dados de minha consciência para o espaço nos meus últimos momentos através... através...
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Estranho. Eu mesma não lembro.
Estranho... por que sinto... peso?
Eu... estou... em um modelo corporal meu?
Por que há tanta fumaça ao meu redor?
E... Quem é esse... em minha frente?
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Eu não estou mais em meu mundo.
Essa foi a conclusão em que cheguei após ter conhecido um humano pela primeira vez.
Por alguma razão, eu estava diferente. Me sentia diferente. Essas sensações, já as conhecia, mas não tão... nítidas. O meu peso, a minha força, a minha... fome? Eu sinto... fome? Ao mesmo tempo, sinto meu corpo quente. Quando aperto minhas mãos, posso de fato entender e captar cada sensação em minha pele.
E agora... estou suja. Suja de... nada? Ao menos sinto isso. Como se nunca tivesse notado isso antes. Minha pele parecia estranha quando abria e fechava minhas mãos novamente. Foi aí que ele me ofereceu a... tomar banho? Eu preciso disso? Ele me instruiu como funcionava o tal chuveiro, o sabonete, shampoo e condicionador. Me alertou pra não passar nos olhos, pois iria arder. Logo, me deixou para trás, sozinha naquele cômodo pra... manter minha privacidade?
A água batendo na minha pele estava gelada, mas depois, esquentava. Era confortante. E o sabonete fazia espumas quando o molhava e esfregava em mim. Fazia minha pele ficar lisa. O shampoo e o condicionador, faziam mais bolhas e soltavam meus cabelos, os deixando mais leves. E, quando a água batia em minha cabeça, com todo o sabão descendo por todo meu corpo, indo até o ralo, eu pensei... que era libertador.
Após isso, usei o que era uma toalha limpa para me secar. E havia duas peças de roupas separadas, entregues por ele. Essa camisa... é tão grande e larga. Acho que não vou precisar usar a outra peça. Foi o que havia pensado, mas logo ele ficou inquieto e parecia inseguro com algo questionando sobre a roupa que usava. Mas logo, apenas me pediu pra repousar no sofá. Ele não disse nenhuma ordem. Será que... era realmente um humano? Isso era um humano? Devo perguntar seu ID e confirmar a situação. Porém...
Ele não era mesmo... igual a mim.
Seu nome, era Tourm. Tourm Waters. De fato, um humano. Ele... me ofereceu o que seria o alimento deles. A comida era... bonita e... cheirosa? Esse cheiro, esse sabor, essa... fome? Sim, eu estava com fome. Aquilo que jamais conseguiria ter contado... era tão... delicioso. Essas são as palavras que descrevem isso? A bebida também... era tão... boa? Eu... Eu... Meu sangue... é vivo?
O corte que fiz em meu braço, a dor e aquilo que deveria ser uma cópia barata de células vivas... era real. Eu... eu... não sou mais eu. Não sou mais androide. Eu me tornei... humana?
Espera, por que ficou tão desesperado? Por que Tourm me levou de volta ao sofá e... tratando minha ferida? Ele está me encarando agora.
"Quem é você?"
"....."
Ele me questionou.
E eu não respondi.
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9S! Espera, 9S! Não vá!
Me deixe explicar! Não vá por esse caminho! Esse não! Não!
Ah!
Era... uma gravação? Não, nunca havia vivido aquilo. O 9S estava... andando, olhou para mim, sorriu e... sumiu.
O que? Era um sonho? Um... pesadelo? Pesadelos...? Eu... sonhei?
Foi isso que Tourm me disse. Foi o que fez acalmar meus nervosos e voltar a atenção a realidade a minha volta. Eu estava sobre ele, quase quebrando seu braço. Foi um ato de pura defesa pelo susto. Me desculpei. E havia... um animal? Isso seria um cachorro?
Desci para baixo e estava com fome, de novo. Tourm me preparou um café da manhã. E eu comi, de novo. Era bom. Muito bom. Isso era... tão natural? Era isso um dos vários motivos que unia tanto os humanos? Comida? O 9S iria adorar se pudesse experimentar.
E a cachorra, é muito leal a Tourm. Estava o protegendo... de mim? Entendo. Eu o ataquei e agora ela me vê como uma ameaça. Sendo assim, a melhor decisão seria não chegar perto por um tempo. Entretanto, ela me seguiu. Me perseguia sem parar e não se cansava, não importa quantas voltas damos na mesa, ela não parava. Estando sempre atenta comigo.
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"O que era pra ser isso?"
Eu questionei, apontando para aquela estranha imitação de animal.
Tourm respondeu afirmando que aquilo era um brinquedo, uma tartaruga de pelúcia, sendo mais exato. As crianças além de brincarem, também dormiam abraçadas neles.
"Por que as crianças dormiriam com isso?"
"O que? Bem... Deve ser porque muitas crianças tem medo do escuro. E pra não se sentirem sozinhas, abraçam e dormem com eles se sentindo protegidas."— Ele explicou, parecendo estranhar minha dúvida.
Então é isso... proteção. Então, mesmo em tempos onde não há guerra, os humanos ainda sentem o medo de outras coisas. Assim, procuram algo pelo qual se sintam confortáveis, podendo ser ou não uma arma.
Se eu não me engano, naquela vila das máquinas onde Pascal os liderava, havia robôs que se passavam por crianças e tinha também seus próprios brinquedos. Será que elas também precisavam disso? Coisas que lhe dão proteção, além das outras máquinas e do próprio Pascal? Provavelmente. Mas no fim... todos acabaram encontrando um fim terrível.
Ainda vejo o que aconteceu através do que vi pela A2. Era uma sensação estranha. Eu era eu, A2 era a A2, mas nós duas éramos um só e, ao mesmo tempo, diferentes. Havia momentos que pude interagir com ela, mas bem poucos. E, por causa de minha intervenção, tanto nós duas quanto 9S, morremos naquele dia.
Entretanto, eu estou aqui. Em um lugar... onde não tem só um humano, mas sim todos os humanos se encontrando vivos. Sem máquinas, androides ou alienígenas.
Tourm havia decidido me mostrar a cidade. Talvez ele pense que sou alguém qualquer que se perdeu ou não tenha memória... ou apenas queria que não ficasse em um lugar só? No início, eu hesitei. Eu... sabia que Tourm não era o único humano, mas, ainda assim, parte de mim parecia incerta se deveria ou não... aceitar esse mundo.
No fim, eu acompanhei. Além disso, ele me entregou mais um conjunto de roupas, falando que o visual que usava estava fora de cogitação em andar pela rua daquela forma. Essas roupas... eram confortáveis, mas não tanto. Tive que usar uma espécie de roupa por baixo de outras, o que Tourm as denominou de vestimentas intimas. Confesso que era um pouco apertado, mas logo me acostumei. Já a blusa branca, essa calça jeans, botas e casaco... não tem nada em comparação com meus uniformes de batalha. Por alguma razão, vejo muitas pessoas me encarando com estranheza e outros com... fascino? Estranho... nunca recebi reações como essas.
Conforme andávamos, observei tudo com atenção. Os grandes edifícios modernos e intactos, antes da invasão e destruição. Pessoas interagindo umas com as outras, sorrindo, correndo pela rua, estressadas e deprimidas. E as... árvores... tão pequenas. Suas raízes estavam por baixo do solo, do cimento, sem escapar pra fora a força. Vejo que tem até alguém arrancando um de seus galhos, era um pequeno garoto que decidiu usar o galho como uma espada. Ele se juntou as outras crianças e brincou com elas. Ele apenas sacudia o graveto pra lá e pra cá, sua postura totalmente errada, mas... tão certo ao mesmo tempo?
Chegamos em uma instalação de roupas, uma loja não tão grande, mas também não tão pequena, nos encontrando um setor de roupas femininas. Tourm disse que era necessário comprarmos mais dessas roupas de baixo para mim, afirmando que um único conjunto não seria o bastante. Concordei sem pestanejar, afinal as que eu usava eram um pouco apertadas. Seria apropriado comprar algo um pouco mais confortável.
Para isso, uma das atendentes aceitou nos ajudar pra descobrir minhas medidas. Ela me levou para uma cabine, onde só tinha um espelho lá dentro, e com uma fita métrica conseguiu o que fosse necessário. 84cm de Busto, 56cm de Cintura e 88cm de quadril. De fato, essas medidas batem com minha aparecem quando vejo meu reflexo no espelho. Entretanto, por alguma razão que não compreendo, a atendente parecia estar deprimida agora, o que era estranho.
"Então... gostou de algum?"
Tourm me questionou. Após as medições, fui encaminhada a um corredor com vários tipos de vestes que seriam de acordo com o meu tamanho. O único problema, é que haviam tipos diferentes até demais. O tecido, a cor, a aparência...
"Eu... não sei."
Eu estava incerta. As mulheres humanas têm tanta preferência assim? Tantos... gostos diferentes? Será que cada roupa dessa também teria uma ocasião especifica? Encontro uma peça dessas roupas, uma calcinha, preta e com uma aparência um tanto peculiar...
"Essa aqui é boa?"— Chamei a atenção de Tourm que olhava para o lado.
"Hein...? E-Eh!"
Mas assim que ele viu parecia ter ficado bem desconfortável. Ele ficou parado por alguns segundos, procurando palavras para me responder. Essa era ruim então? Ou será que tinha algum significado por trás?
"P-Por que não algo mais normal? N-Não precisa ser meticulosa com isso. Escolha a que for mais... conveniente."
A mais conveniente para mim? Então é assim que as outras mulheres humanas se decidem? Pois bem, se for esse o caso, devo escolher aquela que for mais apropriada a mobilidade e que não seja um incomodo a pele. Devo pensar também nas situações que envolvam ações imediatas e repentinas se for atacada de surpresa.
"Então..."— Coloquei de volta a peça desnecessária e rapidamente encontrei a que seria ideal.— "Esta?"
Diferente da outra, essa aqui não era nenhum pouco detalhada ou complexa. O tecido também era bom e correspondia bem ao meu tamanho.
"É... Pode ser."— Tourm concordou, sem dizer mais nada.
"Então escolherei outros conjuntos iguais a este."
"Se quiser, pode escolher de outras cores, eu acho. Quer dizer, pra variar, tá?"
Outras cores? Se pensar bem, ter muitas roupas da mesma cor pode ser difícil de diferenciá-las. Deve ser por isso que Tourm também tem várias vestimentas diferentes como suas camisas e casacos. E isso também incluiria as roupas que estou usando agora, deve ter suas diferenças para cada um possa ter um visual pelo qual se identifique mais e que cada um não seja exatamente igual a outro.
"Entendido."— Afirmei sem hesitar. Acho que agora compreendo um pouco mais os hábitos humanos.
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"Olha,"— Tourm falava, suas palavras transmitindo um real curiosidade e honestidade.— "Não nos conhecemos não faz nem um dia. Gostaria de dizer que entendo o que se passa com você, mas não posso. Pois não sei mesmo. Não sei nada sobre você. Mesmo assim... decidi ajudar. E ainda quero continuar com isso. Ajudá-la no que for possível pra mim. Para isso, preciso entender o que está acontecendo. Quem você realmente é? De onde você veio? Você pode, não..."— Sua voz parou, por só um instante, e terminou dizendo.— "Confie em mim."
Confiança... isso é algo que sempre esteve envolvida comigo. 9S confiava, sempre e sempre, de novo e de novo, repetidas vezes, mas eu... nunca de fato fiz isso, eu acho...
A verdadeira confiança.
Se eu confiasse mesmo em 9S, poderia ter o contado da verdade. Poderia ter pensado que seria capaz junto dele mudar aquele mundo distorcido de verdades e mentiras em que vivia. Mas... não fiz. A única coisa que havia em minha vida era seguir ordens. E agora... não existe mais isso. Então...
"Eu... minha identidade é YoRHa No. 2 Type B, mas pode me chamar de 2B. Eu não sou humana. Pelo menos, não era. Fui criada para ser uma combatente, uma soldada em uma guerra que você não pode imaginar."
Eu contei a Tourm. Eu... confiei nele.
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Passei a partilhar o mesmo teto com Tourm. Seria muito arriscado vagar pela cidade e me estabilizar por conta própria. Com isso, Tourm me ajudaria.
Assim que revelei a ele o que eu era, passou a fazer muitas perguntas sobre minha história, sobre o meu mundo e também 9S. Sei que depositei minha confiança nele, mas decidi que a melhor opção seria não contar mais nada sobre de onde eu vim. Acredito que isso poderia ser demais para ele conseguir compreender e lidar. Apenas contei a ele o que fosse necessário.
Passei a questionar ao Tourm o máximo de informações possíveis. Com base nos dados que ele me forneceu, eu teria voltado ao passado de alguma forma, no entanto, tem certas coisas que não pareciam bater com o conhecimento que eu tinha. Isso com certeza era muito estranho.
A tecnologia era muito antiquada, mas ao mesmo tempo diferente. Tourm teve que me apresentar e ensinar cada coisa por aqui, o que era um problema, afinal, eu seria única pessoa do mundo que não sabia como ligar uma simples televisão. O que, novamente, era estranho. Na minha época, conseguia acessar e configurar vários computadores e programas diferentes, no entanto, esses aqui são diferentes. Provavelmente por grande parta da tecnologia ter sido mudada e evoluída pela influência dos alienígenas que manipularam toda a história. Com isso, Tourm também me entregou vários livros de história e bons modos, o que aceitei sendo mais uma obrigação pra poder lidar com as coisas por aqui.
Por alguma razão, Tourm passou a me chamar pela minha identidade com uma pronúncia mais suave e fácil, 'TwoB'. Mas acho que faz sentido. Se eu quiser me misturar na sociedade, não deveria ter um nome tão incomum. Então, talvez, quando eu tiver mais acostumada, escolha um nome próprio pra mim mesma.
Notei que ele também tinha parado em me questionar sobre minha falsa vida. Tenho certeza que estaria curioso, mas parece que está respeitando minhas vontades e não me forçando a nada. Diferente do meu mundo, aqui Tourm se preocupava com cada coisa que eu fazia e me ensinava as coisas mais simples possíveis. Arrumar meu próprio quarto, me entregando roupas limpas, eram coisas que eu mesma podia fazer, só que ele mesmo insistia em fazer por mim. Isso eu não entendi o porquê. Será que ele tem receio que eu estrague alguma coisa? Será que, mesmo após ter pedido minha confiança, ele mesmo não estaria confiando em mim? Sinceramente, não entendo o que se passava na cabeça dele. De início, ás vezes noto uma certa semelhança com 9S em suas atitudes, no entanto, eram completamente diferentes. Ambos demonstrando curiosidade, mas Tourm não tinha o mesmo nível que 9S. E também, quando eu estava prestes a pedir algo simples, ele já havia previsto e me entregava imediatamente o que precisava. Ele consegue ler minhas ações e pensamentos? Sinceramente, senti um pouco de medo em relação a isso.
A personalidade do Tourm era estranha. Os humanos são assim mesmo? Uma hora, ele parecia todo calmo. Na outra, ele agia desconfortável comigo quando estava apenas usando a mesma camisa branca que ele havia me dado. Era fácil e prático de mover usando ela e o cheiro... era bom. Mas esse comportamento dele, embora confuso, era... agradável e ingênuo. Acho que ele era a primeira pessoa que me faz pensar assim.
Havia ocasiões onde eu treinava minhas expressões faciais para serem mais naturais possíveis na frente do espelho, através do livro com ilustrações, e ele estava lá, me observando, sem dizer muita coisa.
Ele... estaria preocupado?
Em momentos simples, parecia algo mais. Tourm também me ensinou a maneira como usar os utensílios da cozinha, o que me pegou de surpresa ao saber que tinha uma forma certa de segurá-los. Mas a minha habilidade com a faca acabou o deixando surpreso. De fato, fui criada pra utilizar qualquer ferramenta que se parecesse como uma arma com total aperfeiçoamento. Faz sentido ficar surpreso.
Ele me mostrou como era o local pra adquirir os suprimentos, o mercado. Quando andava nas ruas da cidade de Tóquio, observei atentamente cada movimento e interações das pessoas, principalmente do Tourm, como referência em meus estudos. Ele cumprimentava algumas pessoas que conhecia em seus dias cotidianos, me mostrando propositalmente em como deveria fazer, agindo naturalmente.
Ele... estaria se importando comigo?
Nas duas últimas noites, eu continuava lendo os livros na sala de estar e tentando cozinhar por conta própria, o que essa última, não deu muito certo. Queimava a maioria das comidas que fazia e sujava muito as coisas, teve vezes que meu rosto ficou sujo com fumaça preta devido meu manuseio com o fogão. No fim, conclui que aprimorar habilidades culinárias era inútil se nem mesmo tiver a habilidade nisso. E Tourm, mesmo eu errando, parecia se preocupar com meu bem-estar, achando que me queimei.
Ele... estaria cuidando de mim?
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Eu quero dizer algo.
Mas o que seria?
Nesses momentos, eram palavras que eu também gostaria de ter dito a 9S, mas não pude.
O que eram? As palavras que eu queria tanto dizer...
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"Arh... Grh!"
Ofegante e dolorida, finalmente cheguei à casa. Abri a porta com dificuldade, virando a chave e abrindo a maçaneta com uma mão enquanto a outra segurava Tourm inconsciente, carregando e apoiando o peso dele em meu ombro.
[CLACK!]
Assim que ouvi o estalo da fechadura, empurrava fracamente a porta para frente. Golden, a fiel cachorra do Tourm, correu para nos receber ao ouvir meus gemidos de dor e só pode ficar em alerta, sua preocupação direcionada ao seu dono no estado em que se encontrava.
"Vamos, apenas um pouco mais."— Murmurei, mantendo a porta aberta com meu pé e entrando.
Usei o mesmo pé pra chutar e fechar a porta depois. Cada movimento me lembrava da luta, da falha. No breve momento em que Shermie abaixou a guarda, aproveitei a oportunidade para atacá-la de surpresa. Usei minha última força para derrubá-la temporariamente e fugir, carregando o Tourm nas costas o máximo que podia. Cada passo que dava, o peso dele em meu ombro, me fazia lembrar das inúmeras falhas que cometi desde o início. Sempre acabava assim. Falhando de novo e de novo.
Golden seguiu-nos, farejando ansiosamente e soltando pequenos ganidos, sua preocupação ainda mais aparente. Eu a ignorei, focada apenas em levar o Tourm para um local seguro, onde possa se recuperar. Subi as escadas, cada degrau uma tortura, até finalmente chegar ao quarto dele. A porta já estava aberta, apenas a chutei empurrando com o pé, entrei e o deitei na cama, verificando rapidamente seu rosto, seus hematomas. Ele ainda dormia, sem sinal de que acordaria tão cedo.
"Aarh... Aahn..."
Eu me sentava ao lado da cama, a dor física era tanta, mas ao mesmo tempo ofuscada pela minha própria dor emocional. Na minha mente, revivi o clímax da luta de novo. Os movimentos rápidos de Shermie, sua força esmagadora, e minha incapacidade de superar sua habilidade, seus poderes elétricos haviam deixando meu corpo ainda tremer até agora. Mas, mais do que isso, revivi o momento em que Tourm se colocou entre nós, sua coragem tola e desesperada. Ele não tinha nenhuma chance, e ainda assim, se levantou para me proteger. Eu deveria ter sido mais rápida, mais forte, mais atenta. Eu... deveria ter vencido Shermie.
"Por que você fez isso?"— Murmurei, perguntando de costas para ele.— "Você sabia que não podia vencê-la. Era eu que devia... Sou que..."
Minha frustração só aumentava, me fazendo ranger meus dentes e arrancar a venda de meus olhos. O quarto estava tão escuro agora, só tinha a luz da lua para iluminar o cômodo, estava tão frio também. Esse frio... eu já o senti. Não só uma, mas várias vezes. Era o frio da culpa, novamente, a me consumir. Meus olhos ardiam, mas não ao ponto de me fazer cair em lágrimas, suponho.
"Era eu que... devia sofrer com as consequências."— Dizia, levantando uma mão pra cobrir meu rosto.
Golden percebia minha angustia e, logo, subiu na cama e deitou ao lado de Tourm, lambendo seu rosto suavemente. Esse gesto dela... seria o carinho que teria por ele? Uma forma de consolo, mesmo que pequena? Lamento, mas isso não seria o suficiente pra fazê-lo acordar.
Na verdade, isso só fez com que eu recobrasse ainda mais os eventos anteriores. A chegada de Shermie, sua proposta, e minha recusa. A luta intensa, cada golpe trocado, e finalmente, a humilhação que sofremos. Eu deveria ter sido melhor. Deveria ter evitado que ele se machucasse. Cada falha que cometia era a dor que ele agora sentia. A mesma coisa que... 9S sofreu. Eu... não posso mais...
[TRIM-TRIM!]
Em meio aos meus pensamentos angustiantes, o telefone fixo da casa tocou, o som vindo do corredor principal do primeiro andar, ecoando pela casa silenciosa.
[TRIM-TRIM!]
"...."
[TRIM-TRIM!]
"...."
O som do telefone continuava e não parecia que acabaria tão cedo. Relutante, me levantei saindo do quarto e desci as escadas, cada passo ainda sendo acompanhado pelas minhas dores. Por um momento, hesitei, pensando se deveria atender ou não. Mas, assim que estava de cara com o telefone vibrante, apanhei o fone e coloquei no ouvido.
"Alô?"— Minha voz saiu mais firme do que esperava.
{Ah, finalmente atendeu...}— A voz do outro lado, masculina e cheia de energia, parou brevemente, mas logo questionou em dúvida.— {Espera, quem tá falando?}
"2B... Quer dizer, TwoB, senhor. E quem seria?"— Respondi, tentando manter a compostura.
{Como é, 'TwoB'?}— Ele questionou de novo, mas antes que pudesse responder, já havia falado como se me conhecesse.— {Ah, sim! É a garota que meu filho está ajudando?}
'Filho'? A pessoa com quem eu estava falando era o pai do Tourm? As vozes deles e suas personalidades não se parecem nem um pouco. Agora que lembrei, foi ele mesmo que forneceu as roupas que estou usando. Sei disso por Tourm ter me contado brevemente sobre o assunto.
"E o senhor é quem ajudou o Tourm com as roupas?"
{Isso mesmo! Eu sou Heitor, o pai do Tourm. Ele está por aí? Como ele está? Queria saber como vão as coisas entre vocês.}— A voz dele estava baixa, quase como se estivesse falando escondido.
A preocupação genuína na voz de Heitor fez meu coração pesar ainda mais com a culpa.
"Tourm está... descansando,"— Eu disse, escolhendo minhas palavras cuidadosamente.— "Ele está um pouco cansado, mas vai ficar bem."
{Ah, é mesmo. Esqueci que ele deve ter voltado do trabalho.}— Parece que ele acreditou no eu que disse.— {Me diga, TwoB, como ele tem sido com você? Imagino que ele esteja fazendo o possível pra te agradar.}
"...."
Agradar...? O Tourm, esse tempo todo, não estaria só me ajudando a me encaixar nesse mundo? Havia outra intenção além disso?
Desde o começo, não havia me deixada sozinha, em nenhum momento. Me mostrou várias coisas e me instruiu muitas vezes, será que... Tourm queria me fazer me sentir bem? E eu... nem sequer notei isso?
Um nó vinha em minha garganta, lembrando imediatamente das ações de Tourm, sua coragem desesperada, e como tentou me proteger apesar de sua inexperiência.— "Sim, ele tem sido... incrível. Tem sido... atencioso."
Heitor soltou uma risada abafada, como se estivesse realmente tentando não ser ouvido— {Sabe, o Tourm é um rapaz único. Sempre foi. Ainda lembro daqueles dias em que decidia me ajudar a carregar caixas e também a ajudar mãe invés de brincar com os outros meninos quando era criança. Ninguém o obrigava ou pedia, fazia por livre e espontânea vontade. E quando agradecíamos a ele, sorria igual um anjo. Era a coisa mais linda do mundo! Mas, por alguma razão, desde que se formou no colegial, notei que se encontrava meio desanimado. Algo deve ter acontecido, mas ele nunca falou nada. Mas quando ele veio aqui em casa para te ajudar, nossa, ele parecia muito animado! Acho que ele deve ter encontrado alguém especial em você. Espero que você o respeite e cuide bem dele. Ele merece isso.}
As palavras de Heitor, a conversa toda, fazia eu sentir um peso em meus ombros. Eu apertava meu punho com força e minhas pálpebras fechavam apressadamente, impedindo que meus olhos encarassem qualquer outra coisa. Porém, isso só piorou, porque imaginei tudo o que era ouvido e as lembranças de Tourm, desde que eu o conheci, vieram à tona até pararem em seu estado atual.
{E quem sabe... esteja rolando alguma coisa entre vocês, hein? Hehehe...}— Ele havia sinuado com uma risada leve maliciosa, apenas uma brincadeira.
Só que, essa pergunta só fez meus joelhos encontrarem o piso, me fazendo sentar no chão frio enquanto o escutava.
"Eu... não é bem assim"— Respondi, tentando manter minha voz neutra.— "Ele só está me ajudando."
{Claro, claro,}— Dizia Heitor, ainda rindo.— {Acho que falei demais. Peço desculpas. É a primeira vez que falo com uma possível futura nora minha.}— Pude ouvir Heitor rindo um pouco mais, estando alegre.
Já eu, do outro lado, o completo oposto.— "Eu... prometo cuidar dele."— Era a única coisa que pude pensar em respondê-lo.
{Hahaha! Era tudo o que queria ouvir!}— Agora, ele dizia satisfeito, sem rir mais, mas ainda sincero.— {Ver que ele se importa tanto com você me deixa feliz. Vocês dois têm algo especial, então aproveite isso.}
Algo especial? Eu... não. Eu não tenho isso. Nós não temos nada de especial. Foi por minha causa, por ter conhecido ele, por ser deixar ser trazida para cá, por ser ajudada, que Tourm acabou assim. Sinto muito, mas eu menti, de novo, não pude proteger seu filho e nem ninguém. Muito menos... eu mesma.
"Obrigada, senhor Waters. Eu farei o meu melhor."— O peso da responsabilidade e culpa se intensificavam sobre mim, minha voz pode começar a falhar.
{Confio em você, TwoB. Ah, e diga a ele que estou bem! A minha esposa só... me deu alguns tapas. Agora... cuide bem dele. Boa noite a vocês.}
"Claro,"— Respondi, minha voz quase um sussurro.— "Boa noite."
O telefone, a ligação havia sido cortada pelo outro lado, com Heitor desligando. Apenas ouvir o som do aparelho em meu ouvido e o silêncio da casa, não tendo mais nada ao redor. Havia eu e o nada. Eu e a dor.
Me levantei do chão, minhas feridas não me incomodando mais, sendo nada mais e nada menos se comparar com o peso em minha cabeça. As palavras de Heitor, carregadas por esse tal carinho paternal e confiança, ecoavam na minha mente, junto das lembranças que tive desde o momento em que cheguei a esse mundo, das lembranças em que... te conheci, Tourm.
Com um suspiro, meus passos me levavam de volta a escadaria, me levando de volta ao quarto onde você descansava, com seus machucados destacáveis e Golden ao seu lado.
Graças a você, descobri o sabor dos alimentos, algo que nunca antes poderia sequer imaginar em experimentar. Você me proporcionou roupas próprias, e a sensação de vestir-se sem estar pronta para uma batalhas era nova e... reconfortante.
Lembrei-me olhando para ela, Golden, a primeira cachorra que vi na vida, cuja lealdade e preocupação eram palpáveis. Tourm, você também me ensinou um pouco da cultura e de seus hábitos como humanos, abrindo meus olhos para o mundo no qual o 9S queria tanto conhecer. Confesso que você foi um dos que me mostrou mais vida do que guerra e destruição, mesmo que um sorriso ainda fosse difícil para mim.
Eu quero te dizer... Quero falar as mesmas palavras que tanto quis dizer a 9S! Mas... mas... eu não sei como elas são. Não sei como expressá-las.
E, por minha causa, Tourm, você está aí, machucado. Você sofreu devido à minha presença.
Já não tem mais o que fazer, e uma decisão começou a tomar forma em minha mente. Eu não poderia mais me envolver com você, nem com ninguém. Minha presença trazia perigo, e eu não podia permitir que você sofresse novamente.
Golden, ainda deitada ao seu lado, me observou com seus olhos grande e tristes. Será que ela estaria pensando a mesma coisa? Que eu sou a responsável por tudo isso? Só sei que olhei para o rosto do Tourm, uma última vez, com meus próprios olhos antes de vendá-los novamente.
"Eu... preciso ir."— Sussurrei, embora ele não pudesse me ouvir.
Saí do quarto, cada passo pesado com a decisão que tomei. Desci as escadas lentamente, minha cabeça revivendo cada momento que passei por essa casa, cada coisa que fiz junto a ele. Chegando à porta da frente, hesitei. Ouvi o que parecia passos leves, algo batendo contra o chão freneticamente. Era Golden, descendo as escadas, quando me virei. Ela parou bem a minha frente, me olhando com a mesma tristeza e... confusão? Acho que sim. E ela foi a única integrante da família de Tourm que realmente conheci.
A única coisa que fiz a ela, foi me curva, uma reverência, sem dizer nada mais.
Com um último olhar para a casa que havia se tornado um refúgio temporário, abri a porta e saí, sentindo o ar frio da noite. Cada passo que dava para longe da casa era um passo mais difícil, mas sabia que estava fazendo o que era melhor para Tourm, para mim, para nós.
As memórias que vivi... devo esquecê-las. Preciso seguir meu próprio caminho. Não sei o que farei agora. E, sendo franca, acho que não me importo como eu acabe. Talvez se eu destruir esse meu corpo, as chances de Tourm se envolver comigo só diminuíram ainda mais. Se eu não existir, não terá mal nenhum. Nem a mim, nem pra ninguém.
Sim, isso é o certo. Sim, devo fazer isso.
Mas então, por que? Por que enquanto caminhava pela noite, passando por essas ruas vazias ou movimentas sem fim, sinto um vazio em meu peito e ao mesmo tempo meus ombros ainda pesados?
Eu estou partindo para protegê-lo, mas essa decisão parece ser tão difícil. Agora que estou sozinha, que não existe mais ninguém perto de mim, parece tão... doloroso agora. Eu não tenho... mais nada mesmo.
Me misturava à multidão que seguiam suas vidas sem saber da batalha interna que eu travava. Por alguma razão, não ouvia o que essas pessoas murmuravam. Só fui capaz de ouvir meus próprios passos, ecoando para mim. As luzes da cidade piscavam ao meu redor, mas mal as notava também. Eu estava perdida em meus pensamentos...
"....!!"
Até perceber uma presença familiar. Meus próprios sentidos me alertavam antecipadamente de sua aproximação. Assim, levantei minha cabeça e, quando alguém aleatória passava do meu lado, outra surgia me acompanhando, andando tranquilamente como se fôssemos apenas meras conhecidas passeando. Sua presença era inconfundível, com aquela aura confiante e despreocupada.
"Estava te procurando,"— Disse ela, com um sorriso despreocupado.— "Coincidentemente, te encontrei vagando por aqui. Finalmente, podemos acabar com isso e sair logo daqui. Tô exausta!"
Sua presença era inconfundível, com aquela aura confiante e despreocupada. Sim, era Shermie
"....."
Continuei andando, minha expressão inalterada.
"E onde está aquele rapaz bonitinho?"— Shermie olhou para mim de lado, sua curiosidade evidente.— "Ele não está com você? Ah, não me diga que foi chutada?"
"....."
"Hm?"— Shermie me encarou ainda sorrindo, mas um tom fingindo de confusão. Ela com certeza havia chegada numa conclusão similar em entender o que aconteceu.— "Ao menos poderia soltar algumas palavras."
Não respondi e nem pretendia. Agora era somente eu contra ela. Shermie não parecia se importar com meu silêncio, mesmo opinando sobre, e continuou a caminhar comigo, guiando-me por ruas e avenidas como se estivéssemos simplesmente explorando a cidade.
Mas não. Não era nada disso. Além da própria Shermie, notei também outros suspeitos nos seguindo ao longe. Deveriam ser aqueles mesmo homens que me abordaram hoje mais cedo, tentando me forçarem a ir com eles, que não conseguiram. Provavelmente estão servindo agora como apoio caso eu decida tentar escapar. Entretanto, mesmo se eu tentasse, não seria a melhor escolha causar uma comoção na frente de tantos civis. Isso também poderia ser um problema para eles. Mesmo durante esses minutos, Shermie me lembrava da ameaça constante que representava.
Atravessamos quarteirões, e as luzes da cidade começaram a diminuir à medida que nos afastávamos das áreas mais movimentadas. Assim, descíamos escadas abaixo que davam a uma estação de metrô aparentemente já fechada, mas, ao nos aproximarmos, os homens que nos seguiam apareciam por trás e passavam por nós, abrindo o caminho, permitindo nossa entrada.
A estação estava vazia, reservada exclusivamente para nós graças à organização para a qual Shermie trabalhava. A atmosfera mudou drasticamente. A serenidade da noite deu lugar a um silêncio inquietante. Nossos passos ecoavam nas paredes de concreto, o isolamento evidente.
Enquanto descíamos as escadas em direção à plataforma, olhei ao redor, avaliando minhas opções. Os homens atrás de nós mostravam estar armados e hesitantes se já deveriam ou não apontar suas armas para mim. Eles têm a noção da minha força, então é aplausível estarem atentos comigo. Um deles até estava com uma katana na bainha em sua cintura, o que seria perfeito para mim.
"Então,"— Shermie dizia, sua voz cortando o silêncio.— "Vai se juntar a nós voluntariamente ou precisaríamos continuar de onde paramos?"
Olhei para ela, minha expressão fria.— "Você sabe a resposta."
"Huhuhu!"— Shermie apenas ria, sem preocupação, mas animada.
Por causa da minha resposta, até os guardas atrás de nós pareciam levantar suas armas por um breve momento para mim, mas logo abaixaram quando perceberam que eu e Shermie não saímos do nosso ritmo, continuando a descer as escadas.
Agora, chegamos na plataforma deserta, no entanto, mais a frente, havia mais dez guardas aguardando por nós. O ambiente era tenso, iluminado apenas pelas luzes florescentes que piscavam ocasionalmente. A umidade do ar e o cheiro de concreto úmido eram evidentes.
Assim que um dos homens avistou Shermie, fez sinal para os outros agentes, que imediatamente apontaram suas armas para mim. Mesmo com a mira deles fixada em mim, não me abalei. Analisei rapidamente a postura e a posição de cada um, absorvendo o máximo de informações para planejar meu ataque. Cada detalhe, cada movimento sutil, era crucial para mim estratégia.
O homem que havia sinalizado para os outros esperou Shermie se aproximar antes de informá-la.— "Já tomamos e conectamos todas as rotas para seguimos sem atrasos. O trem chegará em breve para nos levar ao aeroporto. Temos um jato particular esperando para sair do país."
Shermie, de braços cruzados, virou-se para mim com seu sorriso. Ela sabia que eu não cooperaria. Mesmo sem ver seus olhos, ela estava animada com o que estaria prestes a acontecer.
"..."
[BAM!]
"OUCK!!"
[THUM!]
"GRAH!!"
"S-SUA...!!"
[DUM!!]
"AARHH!"
Em um instante, desarmei e nocauteei os três homens que estavam atrás de mim. Meus movimentos foram rápidos e precisos, cada golpe meticulosamente calculado. O terceiro homem, que carregava a katana, tentou resistir, mas consegui derrubá-lo e pegar a espada. Levantei a arma contra meus inimigos restantes, essa era quem eu era e a que sempre serei.
"Eu sou YoRHa No. 2 Type B. Minha missão é eliminar qualquer ameaça à sobrevivência da humanidade, e nenhum de vocês sairá daqui ilesos."
Eu declarei. Finalmente revelando o que eu era. Essa sou eu, uma guerreira nascida pela mentira, mas que conheceu a verdadeira dor.
Os guardas ficaram momentaneamente surpresos, mas rapidamente retomaram suas posturas defensivas. A plataforma estava agora em completo silêncio, exceto pela respiração pesada dos homens caídos. Shermie não fazia nada, apenas observava enquanto o guarda ao seu lado mostrava-se hesitar se deveria ou não me atacar.
Logo, esse mesmo guarda fez sinal aos outros, que se moviam tentando me secar em seguida. Cada um deles foi bem treinado, posso dizer isso. No entanto, suas habilidades não se comparavam as minhas. O verdadeiro problema era a própria Shermie. Pelo visto ela não tem intenção de interferir no trabalho de meros subordinados. Eu não entendo mesmo essa mulher. Tudo que entendo agora eram duas coisas... a firmeza no punhal de minha arma... e lutar.
"Grr...!!"— Assim que os guardas se moveram, o líder ao lado de Shermie erguia a mão.— "Ataquem!!— A ordem ecoou pelo local, desencadeando a ação.
[BANG!! BANG!!]
Os primeiros disparos foram dados e ouvidos, mas eu já estava em movimento. Desviei antecipando suas miras com agilidade, a espada em minhas mãos brilhando sob as luzes fluorescentes. Sendo rápida e seguindo a tática que montei em minha mente, corri para trás dos vários pilares da plataforma usando-os como barreiras.
[BANG!! BANG!!]
Os guardas continuavam atirando, sem hesitar. No entanto, notei algo intrigante. Vendo o estado dos pilares, vi que as balas não eram de chumbo. Eles não querem me matar, apenas me incapacitar. Isso faz sentido se levar em consideração que sou um experimento e uma descoberta extremamente importante para o chefe da organização deles. Sendo assim, possuo mais uma vantagem contra eles.
Continuei me locomovendo entre cada pilar até chegar perto o suficiente de dois guardas...
[SWISH!!]
E cortar suas armas, deixando-os desarmados e confusos. As armas que eles usavam eram bastante similares as minhas do meu mundo, mas antiquadas. Se eu manusear a lâmina de maneira precisa e correta e acertar entre as engrenagens mais frágeis, uma espada pode cortar facilmente seu armamento.
Outros tentaram cercar-me, mas já me antecipei.
[THUD!]
Com um giro ágil, atingi um guarda na lateral, fazendo-o cair ao chão com um grunhido, e o outro imobilizei segurando-o pelo pescoço e virando-o contra seus compatriotas restantes que já haviam começado a atirar contra mim. Eu tratei aquele homem como se fosse um escudo. Ele usava colete aprova de balas, então não iria se machucar tanto por balas que nem fossem de verdade.
"AI! OH! AUH! AAAHH!! DÓI, DÓI MUITO!! AUH!!"
Continuei a movimentar-me, bloqueando os tiros, e avançando até os inimigos mais próximos. Quando estavam dentro de meu alcance e pararam seus disparos por conta de suas armas se sobreaquecerem...
"N-NÃO, NÃO, NÃO... AAAAAHHHHH..!!!"— Arremessei meu escudo temporário contra mais dois guardas que foram derrubados por terem sido pegos de surpresa.
"Sua puta..!!"— Um guarda vinha até mim com um soco direto.— "Grauh!"— mas me abaixei rapidamente e o desarmei levantando minha perna para chutá-lo bem em seu queixo, fazendo-o ficar atordoado e cair.
Outro guarda vinha por trás de mim com sua arma apontada, um tiro a queima roupa. Porém, também me antecipei a isso e descia minha katana para destruir sua arma e o atingi-lo em cheio. No entanto, fui pega levemente de surpresa. Atrás desse homem vinham mais dois com bastões de ferro pra cima de mim em uma investida.
Não tive escolha a não ser desviar e pular para trás, dando um grande salto que me levaria em direção a mais dois guardas, que estariam recarregando suas balas. Um grande erro. Jamais desvie sua atenção da batalha. Então, como consequência, aproveitei minha posição para realizar um giro e chutar a cabeça de ambos...
[THUD!! BRAAH!!]
Os mandando voando contra uma máquina de bebidas que acabou toda destroçada pelo forte impacto.
Aqueles que tentaram um ataque surpresa com bastões, vieram até mim mais uma vez, uma pela direita e o outro pela esquerda, mas consegui desviar e desarmar ambos sem nenhuma pressão e usar a espada para atingir as pernas de ambos, resultando derrotados no chão.
"I-Isso é impossível!"— Ouvia a voz, cheia de raiva e incredibilidade, sendo daquele homem ao lado de Shermie— "Levantem, seus idiotas, e acabem logo com isso!"
Imediatamente me virei para trás e vi dois guardas erguendo-se e em posição ao lado de seu líder, os três apontando suas armas a mim e prestes apertar o gatilho. Em minha posição atual, poderia ser possível desviar e ir para trás de mais algum pilar, mas devo perder mais tempo.
Então, nesse momento, me agachava dobrando meus joelhos o máximo possível e...
"ATIREM!!! ATIREM!!!"
[BANG!!] [CRACK!!] [POW!!]
[VROOM!!!]
Os tiros foram o sinal para dar a largada e eu me movi disparando em direção a eles. Suas balas passavam por mim por um triz, quase sinto ralar em minha pele, mas o que importa agora é meu contra-ataque. Com os três dentro do meu alcance, em um instante, eles caíam ao chão, se encontrando com seus outros aliados, juntando a eles com a derrota.
E eu...
"..."
"Uau!"
Estava parada atrás de Shermie, de costas a ela que fingia espanto.
"Isso sim é um belo show!"— Pude ouvir Shermie falando enquanto batia palmas.— "Então a sua real especialidade é usar armas, é? Hmm... Significa que antes não te venci de maneira justa, né?"
"Não há injustiça aqui. Se você baixar sua guarda, eu venço. Se eu baixar a guarda, você venci."— Eu afirmava, olhando por cima do ombro.
Shermie se virava lentamente, de frente a mim mostrando estar animada.— "Então que venci a melhor, não é?"
"Você não vai me levar tão facilmente."— Respondi, levantando a espada contra ela.
A tensão entre nós era palpável. Mesmo não vendo os olhos uma da outra, podia sentir toda sua atenção direcionada a mim, assim como a minha direcionada a ela. E quando o breve momento desse silêncio foi se prolongando... a luta começou.
Shermie avançou primeiro, rapidamente, com a plena intenção de me imobilizar com um golpe direto! Sim, ela é mesmo rápida, mas não é com isso que devo me preocupar. Sua real especialidade é isso, a imobilização. Se eu for pega, não saberei como lidar. Nesse caso, já me antecipei pulando pra trás...!
[SWISH!]
Desviando e contra-atacando com um corte horizontal com a arma em minhas mãos! Porém, Shermie esquivou-se habilmente, seus movimentos fluidos como a água e fechando a distância entre nós novamente! Ela agarrou meu braço, em mais uma tentativa pra aplicar sua técnica! Não devo deixar! Aproveitando o impulso do próprio golpe, consegui afastá-la e rodopiando, libertando me braço e mantendo a katana em posição defensiva.
"Huhuhu..."— Shermie sorria ainda mais, suas mãos brilhavam com uma energia elétrica que crepitava ao seu redor.— "Vamos dançar mais, 2B!"
[CRACKLE!!]
".....!!!"
Shermie carregou e logo depois disparou uma grande descarga elétrica contra mim! Isso é ruim! Não imaginei que ela pudesse manipular a eletricidade dessa forma! Em um único momento, me movi por total reflexo e pulei para o lado, me esquivando por muito pouco, o calor da eletricidade passava ao meu lado! Estou em desvantagem! Pensei que em manter a distância, mas agora parece que é ainda mais perigoso assim. Se for assim, irei confrontá-la da mesma forma.
Aproveitando o meu salto, me movimentei com acrobacias para distrair Shermie e pegar uma das armas jogadas no chão pelos agentes e...
[BANG!!] [BANG!!] [BANG!!]
Disparei sem hesitar contra Shermie. Mirando em suas pernas. Eliminar Shermie está fora de cogitação. Ela, assim como eu, não veio a esse mundo por vontade própria. Se eu a incapacitar, irei conseguir o máximo de informações possíveis a respeito das pessoas pela qual ela estaria cooperando.
"Hahahaha!"
Essa era a ideia. No entanto, assim como eu, Shermie tinha a capacidade de desviar agilmente dos projeteis que disparava e se aproximava de mim ao mesmo tempo. Sua velocidade é impressionante! E...!
"Te peguei!"
"Grrh!!"
[THUD!!]
Shermie agarrou meu pulso, torcendo-o com força e fazendo-me soltar a arma! E, antes que eu reagisse, ela lançou-me ao chão com um movimento rápido! O impacto, minhas costas e nuca, a dor se espalhava, mas rapidamente rolei para escapar de seu alcance antes que eu acabasse submissa a ela!
Minhas opções estão se limitando muito rápido. Se eu me aproximar sem cuidado, Shermie irá me jogar contra o chão. Se eu manter distância sem cuidado, Shermie irá disparar seus poderes contra mim ou virá até mim e acabarei no mesmo resultado. Nesse caso, o que devo fazer é pressioná-la ainda mais!
Levantei-me, preparando a katana novamente, e avançando com um ataque direto, minha arma brilhando enquanto cortava o ar, o espaço onde estaria Shermie, que desviou pulando para trás. Agora eram as mãos dela que brilhavam! Ela vai disparar seus poderes novamente? Não. Desta vez não! A eletricidade permanecia em seus punhos e voltou para cima de mim contra-atacando!
[CRACKLE!] [SLASH!] [CRACKLE!] [SLASH!]
Nós trocávamos golpes sem parar! Pressionando uma contra a outra! Enquanto tentava desferir golpes com a parte de trás da espada, tive que desviar ou bloquear seus punhos com a minha própria Katana! Graças a bainha da arma, a eletricidade não me prejudicava, isso é um grande alivio e sorte! Vou aproveitar isso para...!!
"Toma!!"— Gritei, me agachando e rodando para pegar impulso e chutar o estomago de Shermie com força, após evitar seu soco esquerdo, e a mandá-la contra pilares que quebravam pelo intenso impacto.
"Graah!!"— Ouvia Shermie gemendo pela dor, mas não podia dar a atenção a isso! Meu objetivo era claro! Pressioná-la até incapacitá-la! Dessa forma, eu corria em sua direção, pegando outra arma de fogo do chão e disparando mais tiros!
[BANG!] [BANG!] [BANG!]
Shermie escutou os disparos e ficou atenta. Ela se levantou e desviou novamente com cambalhotas e movimentos acrobáticos, mas eu continuei avançando, alternando entre a golpes diretos e a distância.
"Arrh! Agora isso não vale!!"— Shermie afirmava, estando irritada com minha forma de conduzir a luta.
Eu a apenas ignorava, pois sabia que estava conseguindo! Shermie está encurralada e em breve irá se cansar! Desse jeito, ou eu a venço ou ela se renda entregando a luta! Só que não parece mais isso. Não parece mais uma simples luta aos meus olhos. Devo pensar assim por causa da própria Shermie. Por causa de seus movimentos e os meus. Nosso confronto... era uma dança mortal. Cada ação era um jogo de vida ou morte. Cada tiro das armas minhas e os poderes de Shermie iluminavam a plataforma do metrô, ofuscando de vez em quando a tanto a minha visão quanto a da própria Shermie. Pude notar isso pelos seus deslizes que ela mesma cometia de vez em quando. Uma vez ou outra, Shermie tentava me agarrar várias vezes, mas consegui desviar e contra-atacar com golpes precisos! No entanto, ela também conseguia me acertar!
[SPARKING!]
"Aaaaaarh!!"— Gemia pela dor, Shermie me acertou com seus poderes e me mandou pra longe! Sentir minhas costas baterem contra a parede e a dor me consumir. Minha pele estava quente e arrepiada, minha coluna doía tanto. Eu... Eu...
"Aaff... Aaff..."— Não consigo reunir fôlego. Tenho certeza que sou mais forte que Shermie, mas seus poderes e agilidade é que me fizeram me encontrar assim, caída e... derrotada.— "Nã- Não!"
Eu... não estou caída? Ah... estou usando a katana como apoio para me levantar de novo. Estranho, eu não admito isso? Eu não admito que perdi? Não... não, claro que não! Se eu perder, se eu perder essa luta... seria perder minha primeira luta de verdade!
Ah... agora... eu entendi. O motivo por essa luta não ser igual as mesmas nas quais já enfrentei... é porque é real. Não é uma mentira. Não é... falso. Sinto tudo... real. Meu sangue, é real. Meu corpo, é humano, real. A dor... a dor é tão... viva. Se eu perder, posso desmaiar ou... morrer de verdade mesmo. Essa é a sensação de lutar pela própria vida. Pela própria alma.
"Inazuma!!"— Escutei, levantando a cabeça e vendo Shermie, sorrindo triunfante, sua energia elétrica aumentando em intensidade, concentrando em sua perna.
Ela... vai usar o mesmo golpe da outra vez. Droga, eu acho que... não poderei desviar. E no fim, acabarei igual as outras vezes. Incapaz de mudar o fato de sempre perder no fim. Sempre perder... a vida.
"Jon, Du, Rekuree!!"
[BANG!!!]
"...!!!"
"A-Aaarrhh!!"
De repente, antes mesmo de Shermie vir pra cima de mim, um som muito familiar e conhecido por mim ecoou por toda a plataforma. Esse som, era o tiro de uma arma. E esse tiro, atingiu o joelho de Shermie, justamente a perna na qual seu poder estava concentrado, a obrigando cambalear para trás e grunhir pela dor.
Estranho... Mas como isso aconteceu? Eu mesma não tenho nenhuma arma de fogo perto de minha posição e duvido que algum soldado aliado de Shermie a trairia ou confundiria, afinal, todos que se encontravam foram derrotados por mim.
Então... quem...?
".....T... Tourm...?"
Olhei na direção que veio o som da arma e, simplesmente, não acreditei no que via. Era... você? Tourm? Sim, de fato, é você, mas tão diferente agora. Seu rosto se encontrava ainda machucado, com arranhões e pequenos hematomas, mas com arma na mão e uma expressão determinada e feroz. Seus olhos azuis pareciam tão afiados quanto uma lâmina. Por um instante, até pensei que fosse uma outra pessoa.
"Quem é o fofo agora, puta?"— Tourm falou, com a arma ainda apontada a Shermie e se aproximando de mim sem pressa, até chegar ao meu lado.
"Grr!! Ora seu...!!"— Shermie levantava o rosto para Tourm, sua dor e raiva evidentes em sua voz.
Toda a sua atenção estava direcionada a mim, ou seja, sua guarda estava baixa para qualquer ataque inesperado não importa qual fosse. Só que... Tourm atirou mesmo contra ela? E conseguiu ainda acertar justo em seu joelho? Será que foi uma tentativa e sorte ao pará-la de qualquer jeito?
"Fica bem longe da TwoB. Não quero mais ver a sua cara por um bom tempo."— Tourm parecia ordenar Shermie, sua voz também estava tensa, grave e... ofegante? Ele estava cansado?
Shermie tentava se levantar, segurando sua perna ferida.— "Como... Como você chegou aqui?"
Respondendo à pergunta dela, ouvi um outro som. Som esse que era bem baixo, mas agradável aos ouvidos. Olhei para o lado e encontrei Golden se aproximando de mim apressadamente descendo as escadas da plataforma.
"Um cachorro?"— Shermie questionou, confusa e incrédula.
Sim, era mesmo a Golden vindo até mim preocupada e logo se posicionava em minha frente, rosnando para Shermie com raiva alertando que estaria me protegendo.
Eu... eu mesma não posso acreditar nisso.
Eu... disse que não deixaria ninguém mais se envolver comigo.
Eu... disse que não deixaria mais ninguém se ferir ou morrer por minha causa.
Mas... mas agora... sinto alívio. Um alívio que me faz voltar a recuperar o ritmo de minha respiração e me acalmar.
Voltando para Shermie, ainda cambaleante, tentou avançar até nós...
[BANG!!]
Mas Tourm disparou mais um tiro, acertando o chão perto de seus pés.— "Eu já disse, não quero mais ver você por aqui."— Ele repetia, realmente a mandando se retirar daqui.— "Cai fora!"
"G-Grr..."
Shermie estava tensa. Ela sabia que não tinha condições de ir contra Tourm já que sua mobilidade foi crucialmente limitada. Ela estava encurralada.
Mas deixa-la fugir? Tourm, você não deve fazer isso. Ela ainda...
[WHOOSH!] [SCREECH!]
O trem chegou, cortando o ar com um ruído metálico enquanto as portas do vagão se abriam. Shermie parecia hesitar por um momento, avaliando a situação, mas ao perceber a chegada de reforço e a minha incapacidade de continuar lutando, tomou sua decisão. Ela me lançou um último olhar, um misto de frustração e desafio, antes de ir e embarcar no trem que já dava o sinal de sua partida. As portas se fecharam e logo começou a se mover, levando Shermie para longe.
Enquanto o trem desaparecia no túnel escuro, senti uma onda de dor atravessar meu corpo. Eu estava ferida, mas o que mais me perturbava era ver Tourm ali, a arma ainda em suas mãos e olhando para o túnel, seu rosto marcado por uma mistura de preocupação e determinação, ao que parece.
Levantei-me com dificuldade, apoiando-me na parede, e virei-me para Tourm. Tentei reunir forças para falar, minha voz saindo fraca e trêmula.
"Tourm... você... não devia ter vindo."— As palavras soaram quase como uma súplica, carregadas de algo que eu mal conseguia nomear. Eu queria afastá-lo, protegê-lo, mas ele estava ali, bem na minha frente.
Tourm se virou para me encarar, e vi a raiva e o estresse em seus olhos, algo que eu nunca tinha visto antes. Ele parecia estar lutando contra algo dentro de si, mas não segurou as palavras que explodiram em sua boca.
"2B, TUDO ISSO ACONTECEU PORQUE EU ESCOLHI!"— A força em sua voz me atingiu como um golpe. Até mesmo Golden se assustou com o tom de sua voz.— "Fui eu quem decidiu levar você para casa! Fui eu quem decidiu dar roupas para você! Fui eu quem decidiu dar comida, um lugar para descansar! Fui eu quem decidiu ajudá-la!".
Suas palavras reverberaram em minha mente, e cada frase era como uma faca girando no meu peito. Isso me faz lembrar de algo... Me faz recordar de momentos com o... Nines?
Sim... havia vários momentos como este. Momentos em que eu só pude vencer minhas falsas lutas, minhas batalhas de mentira, com a ajuda do Nines. Só pude apreciar pequenos momentos falsos de alegria e descontrair da verdadeira realidade porquê... eu não estava realmente sozinha. Nines estava lá... e eu... o esfaqueando de novo e de novo.
Cheguei no ponto em pensar que sozinha estaria me saindo melhor, mas não era verdade. Por muitas vezes falava para Nines que pra vencermos aquela guerra de mentira, precisávamos nos unir. A nossa união fazia com que escapássemos da... morte. Várias vezes.
E agora, estou aqui. Sendo repreendida por alguém que nunca nem sequer pensei que conheceria. Um humano que... que... por que me faz lembrar tanto de você, Nines?
Por que... por que... por que estou me sentindo tão aliviada?
Por que... por que.... por que estou sentindo lágrimas prestes a se formarem meus olhos?
Por que... por que... por que a minha viseira não está em meu rosto?
Ele continuou, sem hesitar.
"Você deveria saber como retribuir a gentileza dos outros!! Não é justo que você tente me afastar agora!!"
Me coração apertou com força. Essas palavras eram tão pesadas, mas tão boas de se ouvir. Palavras como essas foram capazes de me fazer sentir... sentir tudo.
Um soluço escapou da minha garganta antes que eu pudesse detê-lo. Minha visão ficou turva, e minha viseira realmente havia caído, revelando meus olhos. Essas lágrimas eu quase nunca soube como deixá-las sair. Eu queria ser forte, manter a distância, mas agora, tudo desmoronava.
Eu me aproximei de Tourm, a passos lentos e incertos, até que meus joelhos cederam, e eu me deixei cair contra o peito dele. Minhas mãos se apertaram contra sua camisa, escondendo meu rosto enquanto as lágrimas finalmente escapavam.
"Eu sinto muito...,"— Murmurei, minha voz quase inaudível.— "Eu sinto muito por tudo isso. E... obrigada. Por tudo isso."
Pela primeira vez em muito tempo, eu permiti que as emoções tomassem conta de mim. Não havia mais barreiras, não havia mais a necessidade de ser uma guerreira inabalável. Ali, nos braços do Tourm, percebi que talvez fosse possível encontrar algo mais do que apenas dever. Talvez fosse possível encontrar... a minha própria humanidade.
......
.......
......
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......
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Essas palavras que eu disse. Eu também gostaria de tê-las dirigido as a você... Nines.
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Próximo Capítulo: É Agora Que As Coisas Mudam. Quero Agradecer.