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Aço e Sangue

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Synopsis
O mundo sempre acreditou estar no controle. Civilizações erguidas sobre pilares de ordem, progresso e poder. Mas a verdade é simples: tudo desmorona. Sempre desmorona. Na noite em que o céu se rasgou, o que era certo tornou-se dúvida. O que era forte tornou-se presa. E aqueles que não tinham nada—órfãos da própria história—descobriram que o destino reserva segredos sombrios para os esquecidos. No fim, restará apenas uma pergunta: quando o aço se chocar contra o sangue, quem se erguerá das cinzas?

Table of contents

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Chapter 1 - Presságio do fim

A tempestade que se aproximava do orfanato não era apenas uma tempestade de inverno. Era uma tempestade como nenhuma outra, uma tempestade de presságios. O vento gelado cortava a pele, e as nuvens pesadas se acumulavam no céu, como se o próprio mundo estivesse se preparando para algo sombrio. Dante observava pela janela quebrada, perdido nos próprios pensamentos, enquanto o resto das crianças brincava despreocupadamente no pátio. Ele sempre sentia uma estranha sensação de desconexão em relação a todos ali. Não sabia de onde vinha, mas sabia que era diferente.

Seus cabelos loiros, quase brancos devido à palidez da sua pele, balançavam com o vento enquanto ele observava o horizonte turbulento. Ele não sabia quem era, nem como havia chegado no orfanato. Havia perguntas que o atormentavam há anos, mas nenhuma resposta se mostrava clara. Todos no orfanato falavam sobre ele com certa distância, como se fosse uma sombra, uma presença sem identidade, sem afeto.

— Dante, você vai ficar aí o dia todo? — chamou uma voz familiar, mas sem calor. Era Lúcia, a cuidadora. Ela não parecia odiá-lo, mas também não parecia gostar dele. Ela nunca sorria para ele, apenas dava ordens secas e sermões burocráticos.

Dante tirou os olhos do horizonte, o vento cortante ainda sussurrando em seus ouvidos, e se virou lentamente. Por um momento, a tempestade parecia refletir seu estado interior, como se o mundo também estivesse prestes a desabar. Mas ele sabia que não podia se perder nisso, não hoje. Sem dizer uma palavra, ele se afastou da janela e caminhou até o refeitório. Cada passo parecia um afastamento de si mesmo, uma tentativa de se deixar envolver pela rotina do lugar, pela normalidade que lhe era estranha.

Ao entrar no refeitório, o barulho das outras crianças e o cheiro de comida fria o atingiram como um choque. A vivacidade delas parecia tão distante, como se ele estivesse em outro lugar. O refeitório, com suas mesas simples e a luz artificial, era um reflexo perfeito do orfanato: funcional, sem vida, sem cor. Dante caminhou até seu banco isolado, no canto, longe de todos, onde poderia se refugiar em sua solidão. O projetor de última geração estava ali, desligado, como sempre. Era uma das poucas coisas que o governador recém-eleito havia dado ao orfanato, provavelmente como parte de sua campanha política. Dante achava um pouco irônico. Uma máquina cara que servia apenas para exibir as notícias do mundo por alguns minutos ao dia.

Ele pegou o prato de comida, que estava frio, como todos os outros. Não que se importasse. A comida nunca era realmente o problema. Era o vazio, a sensação de que nada ali tinha importância. Com a bandeja em mãos, ele se acomodou em seu banco predileto e ligou o projetor.

"Boa noite, espectadores. Estamos ao vivo com as principais atualizações do mundo em uma edição especial de Notícias Global."

A voz do jornalista preencheu o ambiente silencioso, interrompendo o fluxo de pensamentos de Dante.

"Em um marco histórico, a guerra no Oriente Médio chegou oficialmente ao fim após mais de duas décadas de conflitos. Os tratados de paz firmados na semana passada entre as principais potências envolvidas, incluindo os países do Conselho de Cooperação do Golfo e as potências europeias, foram um passo crucial para a estabilidade regional. A comunidade internacional, especialmente a ONU, comemora a cessação das hostilidades, embora analistas alertem para os desafios na reconstrução de nações devastadas pelo longo conflito. A paz é frágil, mas é um começo."

Dante ouviu as palavras com uma sensação estranha, uma mistura de ceticismo e curiosidade. Ele não sabia ao certo por que a política o interessava tanto. Talvez fosse por se sentir tão desconectado de seu próprio mundo que ele se apegava a esses eventos globais. Eles eram tão distantes, mas ao mesmo tempo pareciam tão reais, tão imponentes.

"Além disso, uma nova era de cooperação global em relação ao terrorismo tem se desenhado, com importantes avanços em políticas de prevenção e compartilhamento de inteligência. Países do mundo inteiro têm trabalhado juntos, com destaque para a recente aliança entre potências asiáticas e ocidentais, o que resultou em uma diminuição significativa das ações extremistas internacionais. Autoridades acreditam que, com a implementação dos novos tratados de segurança e da ajuda mútua, os atentados terroristas caíram 35% no último ano."

Ele não sabia se acreditava nisso, mas havia algo reconfortante nas palavras do jornalista. Talvez, de alguma forma, o mundo realmente estivesse tentando melhorar. Ou talvez fosse apenas uma ilusão. Aquelas notícias sobre paz e cooperação global não pareciam muito diferentes da tempestade lá fora — algo bom tentando se estabelecer em meio ao caos.

"E no âmbito ambiental, temos boas notícias: os índices de emissão de gases poluentes caíram consideravelmente. Dados da Organização Internacional de Energia revelam que, graças a um esforço conjunto entre governos e grandes corporações, a redução de carbono global atingiu 15% nos últimos cinco anos."

Dante prestou atenção, mas, como sempre, sua mente divagava. Ele se pegou pensando em como aquele mundo, em sua busca por sustentabilidade e paz, estava tão distante do orfanato, da vida que ele conhecia. Para ele, a realidade parecia bem mais crua, sem as promessas de um futuro melhor que as notícias faziam questão de destacar.

A voz do jornalista continuou, mas Dante já não estava mais ouvindo com atenção. Ele estava perdido em seus próprios pensamentos, absorvendo mais as imagens do mundo em sua tela do que as palavras em si. Por um momento, ele se perguntou: será que o mundo estava realmente mudando? Ou seria tudo uma fachada?

O ano era 2030, com a Agenda 2030 da ONU se concretizando. A população florescia após tantos anos de epidemias e guerras contínuas, o desenvolvimento sustentável atingia picos nunca antes vistos, além da diminuição assídua da taxa de pobreza mundial. As guerras haviam acabado, o mundo entrava em eixo, e a natureza se mantinha controlada — o mundo parecia finalmente dar passos positivos, ao invés das eras passadas, que o homem incessantemente buscava a destruição de seu próprio planeta. Dante se pegava pensando em assuntos diplomáticos inúmeras vezes, talvez fosse um gosto peculiar dele. Política era algo fascinante, de fato.

Ele escutou por alguns minutos as notícias futebolísticas, mas logo se levantou e foi para seu quarto. O som do vento lá fora ainda uivava, como se a tempestade não tivesse fim. Hoje era dia 25 de junho, o que significava que amanhã seria seu aniversário.

"Malditos sejam!"

Era claro que ele odiava seu aniversário. Era o único dia que as pessoas davam atenção a ele, fazendo com que ele se sentisse mais alienígena ainda. No fundo, ele preferia a solidão do que o desconforto de ser o centro das atenções, mesmo que isso significasse mais um ano de mistério sobre quem ele realmente era.