Algumas risadas saíram de curiosos que prestavam atenção na conversa entre o vendedor e o outro homem. Eles não estavam totalmente errados, já que a simples existência dos "limões" da casa de Bakster era, há muito tempo, uma fantasia e apenas uma história contada há gerações.
Irian Bakster e suas fábulas narravam a história de um jovem de uma família quase extinta. Todos morreram devido à antiga Praga Cinza, que ocorreu no pré-Século 0.
A praga ceifou quase 10% da população da época, sendo a maioria fazendeiros e agricultores. Entre eles estavam o pai, a mãe e o irmão mais velho de Irian Bakster.
No futuro, Irian se tornaria o 7° Cadeira ou 7° Servo do Deus Louco, tornando-se uma existência irreal, assim como todos os seguidores do Louco. A ideia de que eles fossem reais era praticamente impossível para Lucius, pois os campos onde os únicos limoeiros floresciam haviam sido devastados há muito tempo em conflitos armados. Para ele, aquele homem certamente era um charlatão, tentando enganar turistas da cidade.
O vendedor franziu a barba levemente desgrenhada. "— Vai querer ou não?" — perguntou, um pouco impaciente. O homem riu e, simplesmente, depositou o limão nas mãos do vendedor novamente, na banca, e com um sorriso disse: "— Você deveria parar de tentar enganar as pessoas dessa forma." O vendedor retrucou com a testa avermelhada.
"— Não é mentira, definitivamente são os limões de Bakster!" — Sua afirmação foi forte e convicta, porém, não surtiu efeito entre os que estavam ouvindo, e todos, exceto ele, o ignoraram.
Irritado, o vendedor sentou-se em seu banquinho, com certa raiva, e, com desdém, pegou um lápis, começando a sublinhar algo no jornal MagaWith n°4 do dia. Lucius apostou que ele estava resolvendo os jogos de caça-palavras do dia, pois todos em Castelmar, e até nas cidades próximas, estavam viciados nesses jogos diários.
Lucius leu o enunciado da notícia do dia, que estava na contracapa. Havia uma imagem do então governador da província de Govement, sorrindo para a câmera, com seu terno e cartola preta. Ele era um homem gordinho e baixo, com cavanhaque. A notícia dizia: "A 5° emenda dos direitos femininos irá para a segunda sessão de votos para sua cassação. Os votos a favor da queda chegam a quase 79 contra 5. A decisão enfurece a Igreja da Mãe do Sangue e seus adeptos."
Lucius comentou para si próprio: "— Parece que querem uma guerra com as mulheres..." Seu comentário, embora seco, refletia uma dura verdade, pois essa emenda provavelmente seria restituída em menos de cinco meses, devido às possíveis greves e manifestações das mulheres que exerciam trabalhos fora do casamento.
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(Nota: A 5ª Emenda do Trabalho e Direitos do Estado de Govement afirma que: Mulheres com mais de 21 anos e 5 meses de idade, que exerçam trabalhos remunerados, seja em áreas braçais ou sociais, terão direito, após 9 meses de remuneração, a um auxílio pago pelo estado, além do direito a um recesso negociado junto ao empregador, com acordo formalizado por escrito e com os devidos selos de identidade, em circunstâncias de formação de família ou gravidez.)
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O vendedor notou a sombra de Lucius e, com satisfação, sorriu por entre o jornal. "— Vejo que temos um interessado em meus produtos, afinal..." Seu rosto tinha uma expressão clara de loucura, típica de um charlatão, mas o jovem estava interessado no produto, desde que o preço fosse justo.
"— Qual o preço, afinal, velho?" — perguntou Lucius. O vendedor deu de ombros. "— Não sou tão velho quanto pensa. De qualquer forma, o quilo está 45 Wisos!"
Era muito caro para limões claramente falsos. Lucius tentou barganhar. "— Não quero o quilo. Quanto você me venderia uma unidade?"
O homem pareceu confuso, como se o jovem estivesse louco. Ele pensou por alguns momentos, até que respondeu: "— Não vendo por unidade, mas posso abrir uma exceção, já que você é um dos meus únicos clientes do dia."
"— Você não tem muitas opções de qualquer forma!" — brincou Lucius, deixando o vendedor com uma carranca inquestionável presa ao rosto.
"— Tanto faz. Que tal 10 Wisos por unidade?" — disse o vendedor.
Lucius pensou por alguns momentos e então pegou um dos limões gigantes. Ele escolheu o que parecia mais suculento com seus olhos de cozinheiro. "— Compro por 6 Wisos."
Alguns momentos depois de finalmente sair do mercado com suas compras — duas latas de peixe em conserva e apenas um limão —, ele passou pelas ruas de Newist, Liops e, finalmente, pela singela Axcel, chegando à pequena casa marrom de número 1467 da Axcel List.
Subiu a pequena escadaria que levava à varanda modesta. Suas chaves, que estavam no bolso direito da calça, logo abriram a porta sem dificuldade.
A vizinha, Austin Graudy, estava tricotando uma roupinha de lã na varanda, e Pamela Ford, com seus filhos, acabava de chegar. Lucius cumprimentou ambas. Austin o alertou, preocupada, que os tempos frios estavam chegando. Já Pamela o saudou com o tradicional cumprimento da Mãe do Sangue e, como de costume, ajeitou o cabelo atrás das orelhas ao falar com Lucius.
Era uma casa modesta, porém acolhedora. Os papéis de parede xadrez davam um ar moderno à sala. Ele jogou as chaves no pequeno prato de vidro sobre a mesinha e foi até o sofá verde, novo, que comprara há pouco tempo.
Apesar de ser seminovo, ainda parecia de fábrica. Lucius fez um ótimo negócio ao comprá-lo de uma senhora que morava a três casas dali e estava se mudando para ficar mais próxima de seus recém-nascidos netos. O preço? Apenas 170 Wisos.
Apesar de um pouco cansado, Lucius estava ansioso para mais uma de suas sessões de culinária. No entanto, ao se espreguiçar no sofá, sentiu seus olhos cederem. "— Talvez fechar os olhos e descansar alguns minutos seja o melhor..."
Os minutos se transformaram em horas, e apenas os raios de sol do outro dia o despertaram novamente. Ele olhou para o relógio e viu que eram 8h15 da manhã. Resmungou e se levantou do sofá com calma, passando o braço sobre os olhos por conta da tontura. Mais um dia de trabalho.
Suas compras e o enlatado haviam dormido fora da geladeira, ele notou também.