Após dias de viagem, Aric finalmente avistou uma pequena vila ao longe. O cansaço pesava-lhe nos ombros, mas o jovem guerreiro continuava determinado. A floresta, que sempre o acompanhara como um manto protetor, agora parecia uma memória distante, com as suas árvores a desaparecerem no horizonte. À sua frente, o terreno era mais aberto, com colinas suaves que levavam até à vila, onde casas de madeira e pedra se amontoavam de forma humilde, mas acolhedora.
Aric parou no topo de uma colina, respirando fundo. O cheiro da terra molhada misturava-se com o aroma distante de comida a ser cozinhada, algo que há muito não sentia. O som das vozes humanas, ainda que baixas à distância, trazia-lhe uma mistura de curiosidade e cautela.
Ele nunca estivera numa aldeia humana antes, não tão de perto. As histórias que ouvira enquanto crescia na floresta eram, na maior parte, de desconfiança e conflito. Mas também sabia que agora, para além da floresta, teria de lidar com o mundo dos homens.
Com passos cuidadosos, Aric começou a descer a colina em direção à vila. O caminho de terra batida estava marcado por pegadas recentes, e à medida que se aproximava, pôde ouvir o som de uma forja a trabalhar e o murmúrio de conversas ocasionais. Crianças corriam pelas ruelas, e os adultos moviam-se ocupados nas suas rotinas, transportando cestos, lavrando os campos ou cuidando de animais.
Quando Aric entrou na vila, as primeiras pessoas que o avistaram olharam com curiosidade e desconfiança. Ele percebeu que as suas roupas rústicas e as cicatrizes que trazia do treino com Varek podiam torná-lo uma figura estranha ali. Contudo, manteve-se calmo, observando cada detalhe. Não procurava conflito, mas também não poderia baixar a guarda.
Uma mulher mais velha, de cabelos grisalhos e olhos atentos, aproximou-se cautelosamente.
— És viajante? — perguntou ela, com um sotaque local, mas sem hostilidade.
Aric assentiu, mantendo o tom firme e respeitoso.
— Venho da floresta. Procuro abrigo por uma noite e talvez algumas provisões, se possível.
A mulher estudou-o por um momento, os seus olhos percorrendo as cicatrizes e a postura confiante de Aric.
— A floresta, dizes? — Ela estreitou os olhos, como se pesasse as suas palavras. — Não são muitos os que vêm de lá... mas, se não procuras problemas, és bem-vindo. Fala com o ferreiro, ele pode ajudar-te com comida e abrigo.
Aric assentiu em agradecimento.
— Obrigado. Não pretendo causar problemas.
Com um último olhar para a mulher, dirigiu-se ao centro da vila, onde uma pequena oficina de ferreiro estava ativa, o som do martelo a ecoar no ar. Cada passo que dava naquela terra estranha era um lembrete de que o seu verdadeiro teste começava ali, entre os humanos.
Aric aproximou-se da oficina do ferreiro, onde o som do martelo a bater sobre o metal ecoava de forma constante. Ao entrar, foi recebido por uma onda de calor que saía da fornalha, misturada ao aroma do ferro em fusão. O ferreiro, um homem robusto com barba espessa e braços musculosos, estava concentrado em seu trabalho, mas levantou o olhar ao perceber a presença de Aric.
— O que desejas, viajante? — perguntou o ferreiro, limpando o suor da testa com o braço.
Aric hesitou por um momento, ciente de que a sua aparência poderia causar estranhamento. As cicatrizes no rosto e nas mãos, vestígios de suas batalhas e treinamentos na floresta, contavam uma história que ele ainda não estava pronto para compartilhar. No entanto, sabia que precisava ser honesto.
— Venho da floresta — começou Aric, a voz firme, mas respeitosa. — Estou à procura de abrigo por uma noite e algumas provisões para continuar a minha jornada. O caminho foi longo e... — ele fez uma pausa, como se ponderasse se deveria mencionar o perigo que enfrentara — ...desafiador.
O ferreiro o observou atentamente, avaliando a sinceridade no olhar de Aric. Ele então pousou a peça de metal que estava a trabalhar e se aproximou.
— A floresta é um lugar traiçoeiro. Não é comum ver alguém que venha de lá — disse o ferreiro, cruzando os braços. — O que te trouxe até nós?
Aric respirou fundo. Ele sabia que a verdade poderia gerar dúvidas, mas não queria ocultar a origem da sua jornada.
— Estou em busca de algo maior. O meu treinamento na floresta com um mentor me preparou, mas agora preciso enfrentar o mundo dos homens. Não quero conflitos, apenas uma oportunidade de prosseguir.
O ferreiro parecia ponderar suas palavras, inclinando a cabeça de lado.
— Treinamento na floresta? — ele repetiu, como se a frase tivesse ressoado em sua mente. — Se é assim, deves ser um homem de valor. Este lugar é seguro, mas é importante que ganhes a confiança dos habitantes. Muitos têm receio do que não conhecem.
Aric assentiu, compreendendo a importância da aceitação na vila. Ele já se sentia um intruso, mas estava determinado a se integrar e aprender a viver entre os humanos.
— Agradeço a sua hospitalidade — disse Aric, mantendo o olhar firme. — Se houver algo que eu possa fazer para retribuir, estou à disposição.
O ferreiro sorriu levemente, a expressão se suavizando.
— Trabalhar é uma boa maneira de se integrar. Temos algumas colheitas para serem transportadas até o mercado e reparos a fazer nas ferramentas. Se puderes ajudar, ficarei feliz em fornecer abrigo e comida em troca.
Aric sentiu um alívio e um novo senso de propósito.
— Farei o que for preciso. Onde posso começar?
— Primeiramente, vai até os estábulos e ajuda o Thorin com os animais. Ele saberá o que fazer. Depois, voltamos aqui e verás o que mais posso pedir — orientou o ferreiro, voltando a dirigir-se ao seu trabalho.
Aric saiu da oficina, o coração leve com a ideia de que estava a dar os primeiros passos para se integrar ao novo mundo. Dirigiu-se aos estábulos, onde uma série de animais pastava, e sentiu a adrenalina percorrer o corpo. Apesar do cansaço, um novo espírito de determinação tomava conta dele.
Nos estábulos, Aric encontrou Thorin, um homem mais jovem que o ferreiro, mas igualmente robusto, com cabelo desgrenhado e um sorriso amigável.
— Então, és o novo viajante, não é? — Thorin disse, limpando as mãos na calça. — O ferreiro falou de ti. Estás aqui para ajudar?
— Sim, estou — respondeu Aric, sentindo-se mais confiante. — O que precisas que eu faça?
Thorin apontou para os animais.
— Precisamos limpar os estábulos e alimentar os animais. Depois, poderás ajudar-me a carregar as cestas para o mercado. É um trabalho pesado, mas vale a pena, especialmente se quiseres ganhar a confiança do povo da vila.
Aric acenou, sentindo-se grato pela oportunidade de se envolver e contribuir. Começou a trabalhar com Thorin, cuidando dos animais e ajudando a limpar o estábulo. Cada movimento lembrava-lhe das horas passadas a treinar com Varek, moldando o seu corpo e fortalecendo o seu espírito.
Enquanto trabalhava, Aric não pôde deixar de observar os habitantes da vila que passavam, alguns lançando olhares curiosos e outros ignorando-o completamente. Era um lembrete constante de que, embora houvesse aceitação, também havia desconfiança. Contudo, ele estava decidido a superar isso, um passo de cada vez.
Após algumas horas de trabalho árduo, Thorin e Aric pararam para descansar, sentados em um tronco ao sol.
— Como é a floresta? — Thorin perguntou, com curiosidade genuína nos olhos. — Sempre ouvi histórias sobre aqueles que lá vivem, mas nunca conheci alguém que tenha saído de lá.
Aric hesitou, pensando nas suas experiências. A floresta era tanto um lar quanto um campo de batalha, repleta de perigos e de beleza.
— É… é um lugar mágico, mas não é fácil — ele respondeu. — Ensina-te a ser forte, a respeitar a natureza. Mas também exige sacrifícios.
Thorin escutou atentamente, encantado pela visão que Aric descrevia.
— Deve ser fascinante. Eu só conheço o campo e as colinas ao redor da vila — Thorin disse, sorrindo. — Mas talvez um dia, eu possa visitar a floresta.
Aric sorriu, pensando que, se Thorin tivesse a oportunidade de experimentar a floresta, poderia encontrar uma beleza que não se via na vila. Aquele era um vínculo que estava começando a se formar, e Aric sentiu que, aos poucos, estava se tornando parte daquela nova comunidade.
Depois de um dia de trabalho, Aric e Thorin voltaram à oficina do ferreiro. O sol estava começando a se pôr, tingindo o céu de laranja e vermelho, e o ferreiro aguardava por eles.
— Bom trabalho, rapazes! — disse o ferreiro, satisfeito. — Agora, vamos preparar algo para comer. Acredito que ganhaste o teu abrigo, viajante.
Aric sorriu, grato pela hospitalidade. Estava começando a perceber que, apesar das dificuldades, havia espaço para crescer e se desenvolver em um novo mundo. Ele estava pronto para enfrentar os desafios que viriam, armando-se não só com força, mas também com o espírito de comunidade que começava a florescer em seu coração.
— A floresta é um lugar de contrastes — começou Aric, os olhos a brilharem com a recordação. — Tens a beleza das árvores altas que parecem tocar o céu, os rios a correrem rápidos, e as flores a brotar em cada canto. Mas também há os perigos, como as tempestades inesperadas e as criaturas que vagam nas sombras. É um local onde deves estar sempre alerta, onde cada som e cada movimento podem significar tanto a beleza da vida como a ameaça da morte.
Thorin ouviu com atenção, absorvendo cada palavra. Ele não conseguia imaginar a intensidade das experiências que Aric vivia na floresta.
— E quanto aos animais? — perguntou Thorin, a curiosidade transparecendo em seu olhar. — Eles são diferentes do que encontramos aqui?
Aric assentiu, recordando as inúmeras interações que teve com os animais da floresta.
— Sim, muito diferentes. Há uma harmonia entre eles. Eu passei muito tempo a observar e a aprender com eles. Eles têm um instinto que vai além da nossa compreensão. Por vezes, podiam sentir a mudança no tempo ou perceber um perigo muito antes de nós. O respeito por essas criaturas era fundamental para a minha sobrevivência. Nunca poderia ser um predador sem primeiro entender a presa.
Thorin ficou pensativo, admirando a profundidade das palavras de Aric.
— Nunca tinha pensado nisso. A vida na vila é simples. Trabalhamos a terra e cuidamos dos nossos, mas não há essa ligação com a natureza que tu descreves.
Aric sorriu, sentindo um vínculo a se formar entre eles.
— Há algo de especial em viver em harmonia com a natureza. É um desafio e uma lição constante. Por vezes, eu sentia a solidão, mas a floresta tinha uma forma de me acolher.
Thorin olhou para Aric, uma nova determinação refletida em seus olhos.
— Pode ser que um dia eu tenha coragem para explorar a floresta. Não será fácil, mas agora sei que há pessoas como tu que a conhecem e a respeitam.
— Quando estiveres pronto, estarei aqui para te mostrar — disse Aric, apreciando a ideia de compartilhar a sua casa com alguém que parecia tão genuinamente interessado.
A conversa fluiu entre os dois, e, enquanto o sol começava a se pôr, os primeiros sinais da noite tomaram conta do céu. As estrelas começaram a aparecer, e uma sensação de calma os envolveu.
Thorin e Aric voltaram ao trabalho, ajudando a alimentar os animais e organizando as cestas para o mercado. Aric sentiu que, com cada gesto, estava a construir uma ponte entre ele e a vila. Cada pequeno ato de bondade ajudava a dissipar a desconfiança que o cercava.
Quando o dia chegou ao fim, Thorin e Aric concluíram as suas tarefas e foram ao encontro do ferreiro, que os aguardava com um sorriso satisfeito.
— Parece que vocês dois se deram bem — disse o ferreiro, enquanto preparava a refeição. — O trabalho no estábulo é só o começo. Se quiseres, Aric, há muito mais que você pode aprender e ajudar aqui na vila.
— Estou disposto a ajudar onde for preciso — respondeu Aric, o coração a aquecer-se com a oferta de pertencimento.
E assim, a primeira noite na vila começou, cheia de risos, histórias e a esperança de um futuro onde Aric não seria apenas um viajante, mas parte da comunidade. Com cada momento, ele sentia que se aproximava mais da vida que desejava, um passo de cada vez, sob a luz das estrelas.