Chereads / Re:Zero – Rota da Melancolia / Chapter 4 - CAPÍTULO 3 – JULGAMENTO

Chapter 4 - CAPÍTULO 3 – JULGAMENTO

1

— Ele é culpado, senhor. Há testemunhas que viram a agressão que me foi proferida através das mãos imundas desse garoto.

Disperso de sua realidade, Tsuki acordou em meio a uma sala chique. Sua primeira percepção desse novo mundo em que estava foi a fala de um homem, o qual tinha uma voz levemente grossa e imponente.

Aos poucos, sua mente lhe permitia pensar com mais calma e profundidade, o que lhe causou novas reações.

— Não está sujo.

Olhando para suas próprias mãos, Tsuki reclamou em voz alta, chamando a atenção direta de todos que estavam na sala.

Além dele, do homem que falava e do homem que o ouvia falar, haviam mais alguns homens trajados de vestimentas formais.

O homem que falava era o próprio que tinha sido "atacado" por Tsuki no momento de sua vinda a esse novo mundo, enquanto o homem que o escutava parecia ser o equivalente a um juiz do mundo comum.

— Não estou dizendo isso de forma literal.

— Ah, então você simplesmente me ofendeu de graça. Isso não melhora muito a minha percepção sobre você, sinceramente.

O segundo impulso do corpo dele após acordar foi o pensamento. Para alguém que havia acabado de despertar, ele pensava rápido e formulava boas respostas para deixar qualquer pessoa sem reação ou palavras diante dele.

Não era como uma sabedoria, era algo mais como uma lábia suprema capaz de mudar contextos e distorcer coisas eticamente corretas.

— O senhor acha isso positivo, Kakka?

— …

O corpo dele nem mesmo havia se movido ainda desde que acordou, porém, suas palavras já causavam grande distorção na mente de todos que estavam naquela sala de jurisdição.

O homem responsável por julgar a culpa do garoto caído ao chão estava em silêncio. Não havia nada que pudesse explicar a atitude revelada diretamente pelas palavras do próprio acusador.

— Está vendo, você deixou Kakka sem palavras com sua atitude errônea.

O termo Kakka era a forma respeitosa usada para chamar chefes de estado ou pessoas de alto escalão da Justiça japonesa.

Era uma surpresa para Tsuki que aquele termo funcionasse da mesma forma naquele novo mundo.

— Tudo bem, Senhor. Ele está correto em sua afirmação sobre minhas palavras ditas de forma descabida, porém, sua agressão não pode ser ignorada independente da forma de tratamento verbal que eu lhe ofereça.

— Sinceramente, você parece os alunos do meu clube apresentando trabalhos de escola.

A escolha de palavras do homem que acusava Tsuki era confusa e notoriamente forçada, dando a oportunidade perfeita para que Tsuki pudesse tirar sarro dele por isso.

Aproveitando a sua energia extra. Tsuki ganhou forças renovadas em seu corpo e se levantou do chão com a força de seus braços.

— Está bem, seu pedido está aceito.

Por mais da evidente forçação que ele fazia para usar os termos mais formais que tinha conhecimento, teve seu pedido acatado pelo homem que dava a última ordem naquele local.

Esse homem estava de roupa social ainda mais destacada que todos os outros. Era uma roupa de malha grossa, similar a um termo comum de cor preta do mundo de Tsuki. Seu rosto também era diferente dos demais da sala, sendo o único a ter barba.

— Kakka.

— Diga sua defesa, Senhor.

Naquele ponto dos acontecimentos, Tsuki já havia percebido que não havia volta pra aquela situação em que estava. Suas opções se limitaram a agir de forma seria evitando as consequências mais severas ou…

— Quem mentiu está com a mão amarela.

Um velho truque de criança de sua terra natal.

— Está vendo, Kakka, ele olhou.

Novamente, o velho truque que adultos usavam para descobrir a culpa das crianças havia funcionado de forma perfeitamente pensada por ele.

O homem que lhe acusava olhou sua mão de forma imediata em busca de encontrar as marcas amarelas, porém, apenas foi surpreendido pela fala planejada do garoto de cabelo de luzes.

— Isso é ridículo senhor.

O homem que acusava Tsuki tirou sua proteção de rosto e se aproximou da autoridade do local.

Enquanto aquele ato de rebeldia ocorria entre as duas partes amigas do Império, Tsuki observou minuciosamente o rosto do homem de armadura cinza.

"Não, ele não condiz com nenhuma das silhuetas que vi antes."

Por mais incrível que parecesse, ele havia decorado cada traço físico e aparência de cada uma das criaturas de luz que viu. Desde o primeiro homem que o atacou até o rosto daquela garota de cabelo prateado, olhos roxos e pele pálida que estava atacando antes de chegar a esse novo cenário.

— Porque você está nos olhando dessa forma?

Perdendo o rumo do mundo físico em que estava, se percebeu em um péssimo momento.

Os dois que estavam a frente de seus olhos pareciam ter lhe questionado algo, mas ele não estava pronto para ouvi-los naquele momento.

— Me desculpem, eu não os ouvi, Kakka.

— Seu respeito é admirável em alguns momentos, porém, não permito que haja esse tipo de comportamento aqui dentro do escritório dos cavaleiros. Por hoje, você vai sair daqui ileso, mas suas consequências podem piorar caso não mude sua forma de viver e agir.

O mundo mudou de forma rápida. Enquanto entrava profundamente em seu mundo único de pensamentos, tudo do mundo real foi resolvido pelos dois serviçais do Império.

— Ufa, pelo menos tudo acabou bem, não é?

Aliviado, Tsuki deixou de expressar isso em seu rosto, o qual havia sido a única parte ainda dispersa da nova forma de realidade que estava vivendo naquele momento.

Lançando suas palavras de alívio para todos que estavam na sala, foi respondido por uma grande indiferença. Ela foi acompanhada do mover simultâneo das cadeiras que rodeavam a sala extensa de paredes brancas

O homem que o acusou e o homem responsável pelo julgamento se afastaram dali, saindo em direção ao castelo.

Os homens que sobraram na sala andaram devagar em direção de Tsuki.

Logo, ele foi agarrado por cerca de oito homens, sendo levado para o lado de fora da sala em que estava conversando e, principalmente, sendo lançado diretamente na rua.

— Ai!

Sem forças para se debater ou impedir aquilo, tudo que restou para ele foi aceitar seu destino.

Ao cair na rua, bateu a cabeça e perdeu um pouco da consciência que tinha ganhado a poucos minutos. Seu corpo cambaleou para andar e perdeu a capacidade de alinhar seus pensamentos de maneira linear.

Nisso, Tsuki ouviu um novo barulho. Seu movimento de sair do chão usando a força de seu braço foi impedido. Uma carruagem de dragão revestida de ouro estava vindo em sua direção. Fisicamente era impossível sobreviver aquilo, porém…

— Cetus!

O homem que comandava a carruagem gritou, mudando drasticamente a direção de corrida do Dragão terrestre, desviando do garoto que ainda permanecia de joelhos na rua.

A carruagem, por sua vez, perdeu o controle para manter seu próprio peso, caindo no chão logo após desviar do garoto que estava em seu caminho.

2

Levemente afetado pela pancada sofrida, Tsuki se percebeu deitado no meio da rua.

Seus olhos se abriram facilmente sem o atrito da forte luz do sol. Era como se ele nem mesmo tivesse fechado seus olhos por um grande período de tempo.

Sua consciência já estava restaurada quase que imediatamente após ter percebido sua vitalidade.

— Algo aconteceu nesse meio tempo…

Sua mente estava desperta da mesma forma de antes do momento do acidente que havia sofrido. Seu corpo se movia sem problemas e sua mente podia pensar normalmente.

Nem mesmo parecia que ele havia passado segundos inconsciente na rua.

— Arg! Minha cabeça doi.

Era óbvio que mesmo com todos os fatos positivos, as dores, confusões e consequências de seu acidente se mostrariam nos pequenos detalhes após seus primeiros movimentos e pensamentos.

Logo, ele decidiu ignorar sua dor para que pudesse olhar para tudo que estava a seu redor.

Ainda sentado no chão ao meio da rua, observou a frente de sua visão que o movimento de carruagens havia parado. A rua foi fechada por cavaleiros que se vestiam similares ao homem que havia acusado Tsuki a pouco.

Girando a cabeça sem mover bruscamente seu corpo do chão, observou o que estava ao seu redor. Durante o passar de seus olhos, viu que paredes com aparência medieval e pessoas semi-humanas eram predominantes naquele lugar.

Ao chegar finalmente ao seu objetivo principal, percebeu que a situação estava controlada. Por mais da carruagem que estava no chão, tanto o dragão terrestre, quanto o homem estavam aparentemente bem.

— Esse lugar é sinistro e assustador.

Virando todo o corpo enquanto se arrastava sentado fixo ao chão, observou de forma direta o que estava ocorrendo no local em que a carruagem estava caída.

"Como aquele cara tirou o dragão do caminho naquela velocidade?"

Recuperando lapsos de lembrança da situação que ocorreu a pouco, percebeu que tudo não fazia tanto sentido quanto deveria segundo as leis da física de seu mundo normal. Aquele dragão estava em uma velocidade extrema demais para que pudesse alterar seu deslocamento simplesmente ileso ao atrito do ar.

"Talvez magia?", essa foi a forma dele pensar sobre aquilo que via. Sua nova impressão sobre o mundo onde estava foi formada através do pouco que tinha visto até aquele momento.

Pensando bem, ele nem mesmo tinha parado para observar e descobrir onde estava. Tudo era tão rápido que ele não conseguiu nem mesmo se desesperar pelo fato de não estar mais em seu mundo de origem.

Mesmo com isso pairando sobre sua mente, aquela não era a hora de pensar nisso. Ele sabia que mais tarde teria a oportunidade certa para parar e pensar.

— Por enquanto eu devo ignorar alguns grandes detalhes para focar em outros.

Alinhando sua mente com palavras ditas, levantou seu corpo do chão para andar em direção ao homem que comandou a carruagem durante o ato de heroísmo do dia.

— Força, Tsuki.

Batendo em seu próprio rosto de forma leve, ajeitou sua roupa e bateu a poeira de sua bunda para que pudesse estar pronto para seu próximo passo.

Enquanto andava em direção ao homem de cabelo ciano, Tsuki observou com cuidado cada detalhe que estava ao seu redor.

Cada passo dado revelava um novo cenário. Aquele lugar estava coberto de prédios com estruturas medievais e simples, pintados a cores primárias e padrões que podiam ser encontrados de forma simples na natureza.

— É estranho pensar que a diversidade de cores de cabelo é maior que a de cores de prédios.

Mantendo seus passos em ritmo lento, demorou alguns segundos para terminar de atravessar todo o caminho livre entre o local que se levantou e o local onde a carruagem estava caída.

Naquele ponto a multidão já começava a se manifestar rodeando o homem que tombou a carruagem. Eram pessoas humanas comuns que trabalhavam perto dali e se dispuseram a ajudar.

Além dos humanos comuns, também haviam semi-humanos. Criaturas que tinham corpos metade humanos e metade animais, como homens-lagarto, homens-coelho e até mesmo uma mulher-raposa.

"Híbridos? Espero não estar em nenhum tipo de experiência de descoberta química do governo."

Torcendo para que tudo aquilo fosse uma fantasia, Tsuki finalmente chegou até a multidão a ponta da multidão.

Com pressa para ter um contato direto com o homem de cabelo ciano, atravessou forçadamente por meio da multidão.

Todos que o viam passar fechavam sua expressão. Nem mesmo parecia que ele havia sido uma das vítimas de toda a situação.

"Por que eles estão me olhando dessa forma?... Na verdade, isso não importa agora."

Por mais de suas dúvidas, ele preferia deduzir que aquilo se tratava simplesmente do incômodo pelos empurrões que ocorriam durante sua passagem forçada por dentro da multidão.

Mantendo o foco, continuou andando em meio aos olhares tortos e confusos que vieram em sua direção.

— Ei, você está bem amigo?

— …

Por mais de sua determinação forte, sua ansiedade também o dominou em um curto espaço de tempo. Antes que ele pudesse perceber, estava a poucos passos do homem que planejava conversar, mas que não tinha pensado no que dizer para ele.

— Você é o garoto que estava no caminho, não é?

— Sou sim, me desculpe por isso Senhor.

Abaixando a cabeça, Tsuki pediu sinceras desculpas para o homem que estava a sua frente.

Aquele homem tinha cabelos cianos lisos de tamanho curto. Seus olhos eram predominantes amarelos e suas roupas eram finas como a de lordes de desenho animado.

— Eu que peço desculpa por não te reconhecer quando chegou. Você está bem?

— Ahn?

A reação do homem foi estranha para Tsuki. Ele sorriu de forma alegre a ponto de ter seus olhos praticamente esmagados por sua bochecha levemente carregada. Seus dentes se mostraram levemente em meio a sua vermelha boca. Suas palavras foram gentis e sua postura ajudava ainda mais a promover a visão que se tinha de suas atitudes.

O garoto de costumes estranhos e mente perturbada não soube responder a altura, praticamente rosnando em confusão para a resposta elegante que lhe havia sido dada.

Ao final, sua confusão se transformou em uma expressão carregada, a qual o fez esquecer de responder a pergunta que lhe foi feita.

— Está bem, acredito que seja cedo para tirar conclusões profundas de tudo que aconteceu.

Olhando Tsuki de cima para baixo, o homem que carregava ao seu lado um grande dragão da Terra sorriu ainda mais profundamente, mostrando todos os seus dentes brancos.

— Você me parece estável fisicamente, então podemos começar de novo a partir do ponto certo.

Resgatando sua postura, Tsuki ouviu todas as palavras do homem. Sua expressão leviana foi retirada de seu rosto e alterada para um pequeno sorriso.

— Meu nome é Tiga Rauleon, mas você pode me chamar somente de Tiga.

Estendendo as mãos em direção de Tsuki, o jovem de olhos profundamente amarelos chamado Tiga se apresentou em diretas palavras e simples.

— Meu nome é Tsuki Yokoyama, mas eu também prefiro que me chame apenas pelo meu nome, Rau-san.

Apertando a mão estendida, Tsuki sorriu de forma sincera após entender tudo que estava ocorrendo. Aquele mundo que até aquele momento parecia estranho e cruel mostrava agora novos ares de calma e esperança. Aquele homem chamado Tiga podia transmitir a esperança que nem mesmo Tsuki imaginava precisar tanto.

— Por mais da nossa situação, fico feliz em poder conhecer você, Suki-san.

— Acho que me sinto igualmente sobre isso.

Da mesma forma que Tsuki havia lhe criado um apelido improvisado, Tiga respondeu parecido, usando a mesma fórmula para apelidar Tsuki de uma maneira exclusiva até aquele momento.

— Me desculpa não conseguir te dar atenção por agora, tenho que resolver coisas que acabaram pendentes em relação ao acidente, porém, ainda quero falar com você.

De forma séria, Tiga mudou sua expressão enquanto avisava Tsuki sobre seus deveres e vontades.

— Está bem. Estarei te esperando.

Concordando de forma direta com um movimento de sua cabeça, Tsuki voltou a afirmar sua decisão e avisou com os olhos o lugar que planejava ficar.

Após o ato rápido de despedida entre eles, Tiga seguiu seu caminho de obrigações, enquanto Tsuki se retirou lentamente em direção a uma escada que estava próxima a um beco na parede da rua.

Por mais da situação em que eles estavam naquele momento e pela forma que se encontraram, parecia surgir dali uma possível nova amizade.

Para Tsuki, aquele foi o verdadeiro início em sua jornada em um outro mundo.