Em uma casa no meio de um vilarejo rural, vivia um jovem garoto. Não era uma casa mal feita, suja, com goteiras, ou uma casa mal-assombrada que assustaria qualquer um que pusesse os pés nela.
Aquela era a casa de um Müller, e isso significava conforto, comida quente e toda a paz que se poderia imaginar.
Era uma casa bem feita e incrivelmente bonita, se me perguntasse. Suas portas eram de madeira de lei, esculpidas em ornamentos, pintadas de um azul escuro com maçanetas prateadas que brilhavam à luz do dia (embora não fossem feitas de prata).
Se a porta fosse aberta, você veria um corredor que levava até uma escada. Debaixo da escada, uma porta dava acesso ao porão (sim, havia portas externas, mas se chovesse, a pessoa se molharia até chegar lá).
O porão era onde ficava a adega e a despensa; a família Müller sempre gostou de acumular diversos tipos de bebidas, como vinhos, cervejas e até o velho brandy — mas falaremos disso depois. (Onde estávamos mesmo? Ah, sim.)
Os corredores da casa eram impecáveis, sem manchas de sujeira ou de fumaça, já que a cozinha ficava no mesmo andar.
As paredes eram pintadas de branco, com gravuras de madeira nas partes superior e inferior, seguindo os corredores.
Várias pinturas de paisagens e retratos dos ancestrais da família Müller adornavam as paredes. A maioria dos antepassados parecia compartilhar algumas características: cabelos rebeldes e bagunçados e olhos cinzentos.
Na sala de jantar, havia uma grande mesa rodeada de cadeiras, capaz de acomodar toda a família Müller (se ainda existissem). Raramente, alguns parentes distantes ainda vinham visitá-lo.
Se você voltasse para a entrada, veria cabideiros e porta-chapéus ao lado da porta (embora estivessem vazios no momento). A família Müller sempre gostou de visitas e sempre foi muito sociável, receptiva com todos que chegavam em sua humilde residência (embora, convenhamos, que ela fosse até luxuosa para os padrões comuns).
O quarto de hóspedes era quase tão bom quanto todos os quartos da casa, com janelas voltadas para as melhores paisagens da região: belos rios, campos de trigo e a montanha próxima à vila.
Os Müller sempre cuidaram de seus pertences e de sua terra com um zelo que passava de geração em geração, o que refletia em cada canto bem cuidado e em cada peça de mobília meticulosamente adquirida.
(Essa família, de fato, era bem de vida). A família Müller vivia nas redondezas de D'Avilla há gerações, descendentes dos primeiros moleiros que se estabeleceram na região.
A família foi dona dos maiores moinhos da região, prosperando com seus grãos moídos de boa qualidade.
Por isso, o nome Müller. As pessoas costumavam chamá-los assim para facilitar a identificação e, com o tempo, a família adotou o nome.
As pessoas consideravam essa família respeitável, não pela fortuna, mas porque eram responsáveis e porque nenhum deles se lançava em aventuras ou tinha ideias mirabolantes.
Eram pessoas simples e tranquilas, que gostavam da vida no campo, de beber e conversar com os amigos em torno de comida, cerveja e cantorias.
Eram exemplos de "cavalheiros" distintos (pelo menos, era o que diziam...).
A mãe desse jovem, Arryn Müller, chamava-se Amélia Ward. Dizia-se que ela era muito bela e que um dia apareceu na vida de Thomas Müller.
Contavam que fora uma aventureira, que já havia visto grande parte do mundo em suas viagens, mas aquilo parecia absurdo.
O que alguém que amava viajar faria em um lugar como aquele?
Não era mentira, contudo, que ela era rica. Se você visse a fortuna que trouxe consigo, ficaria ainda mais impressionado. (Até eu fiquei curioso sobre ela.)
O que ela achou de incrível nesse lugar para construir uma família ali? (Eu ainda não sei.)
Seria a vista? (Provavelmente não.)
Seria a paz e o conforto? (É um bom palpite, apesar de não ser apenas isso.)
Seria por Thomas Müller? (Hm… Não exatamente...)
Ou seria por causa de Arryn, que, naquele momento, estava para nascer, e ela havia finalmente se estabelecido? (Bem, agora não há como saber.)
Infelizmente, ninguém teve a chance de perguntar. Alguns anos após o nascimento do jovem Arryn, a família Müller sofreu um acidente terrível, do qual apenas ele sobreviveu.
Ninguém jamais soube sobre os detalhes do acidente (nem mesmo o jovem Arryn), e o mistério só se aprofundou quando alguns amigos de Amélia que buscavam respostas desapareceram misteriosamente, sem deixar vestígios.
O jovem Arryn então passou a viver sob a tutela de Samuel Müller, seu distante avô paterno, já que nada se sabia sobre as origens da família de sua mãe. Samuel teve de cuidar da criança sozinho. (As pessoas o chamavam apenas de Müller, ou de Sammy, se fossem amigos de longa data.)
O velho Müller, parente mais próximo de Arryn, criou-o contando histórias sobre heróis. Em sua juventude, foi um homem grande e saudável para sua idade e manteve essa presença vigorosa até seus últimos dias.
E Arryn cresceu saudável e sonhador, criado nos grandes campos de D'Avilla e trabalhando nas terras da família. Ainda assim, nutria o forte desejo de se tornar um aventureiro e, em seus momentos de descanso, era visto correndo para diversos lugares:
Às vezes, descia seguindo o curso do rio, curioso para descobrir até onde ele o levaria.
Às vezes, imaginava-se como um herói lendário, capaz de derrotar um imponente dragão, como nos antigos contos de fadas.
Às vezes, ouvia histórias de viajantes na estrada, na esperança de conhecer mais do mundo que ainda lhe era desconhecido.
Às vezes, tinha o desejo de abandonar tudo e seguir o caminho apenas com seus próprios pés.
Porém, esses sonhos começaram a desvanecer quando Samuel Müller, o bom contador de histórias, finalmente partiu.
Samuel morreu de velhice, de maneira pacífica e serena, aos oitenta anos, uma raridade para aquela época, não só por sua longevidade, mas pela forma tranquila como se despediu deste mundo.( me pergunto como será a minha vez).
Arryn sentiu a perda profundamente, pois Samuel era seu último parente próximo. Esse luto o moldou de maneira inesperada: ele abandonou os sonhos infantis de aventura e resignou-se a continuar morando na casa construída por seus pais, a mesma que descrevi momentos atrás.
A partir desse ponto, Arryn afastou-se do mundo exterior e das fantasias de sua juventude. Aos poucos, seu semblante, antes animado e curioso, tornou-se mais socialmente respeitável e rígido.
Adotou uma postura reservada, aceitando o peso de sua herança e as responsabilidades que ela trazia, deixando os sonhos para trás — ou, pelo menos, era o que ele pensava.