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Chapter 10 - Capítulo 10

Localização; Avalon - Calabouço 

Maeve

Do teto úmido pingavam gotas de água no chão, que reverberam por toda a cela com um som irritante.

Maeve se assustou centenas de vezes durante a noite, mas não sabia dizer se era por conta do barulho, ou por causa dos pesadelos que enchiam sua mente em seu sono. 

Todos eram sobre sua vida antiga, parecendo tão reais que ela se confundia se estava realmente vivendo tudo de novo ou não. O gosto deles era amargo, cheiravam a morte, sangue e demônios. Ela ouvia correntes se arrastando pelo chão, gritos de desespero e de euforia e soluços que vinham de choro. 

Ela cobriu seus ouvidos, uma tentativa falha de parar os sons aterrorizantes que continuavam a atormentá-la, virou as costas para a parede, e depois lançou um olhar para a grade da cela, buscando uma posição que não ouvisse nada, que fosse silencioso. 

Mas de nada adiantou, não existia lugar no mundo que diminuísse seu desconforto, Maeve estava fadada a se sentir desesperada apenas por existir e respirar.

Seu corpo encolheu em uma bola enquanto seu coração batia desenfreadamente, sua garganta lutava pelo ar e seus pés balançavam sem previsão de parar, inquietos como nunca. 

Só mais tarde aos sons de passos precisos e lentos que Maeve saiu de seu devaneio e se concentrou em sua visita. Ela não queria agradecer mentalmente pela possível distração, mas era impossível.

A rainha de Avalon surgiu próximo às calçadas, sua expressão era solene, calculada e difícil de decifrar. 

Para Maeve a mulher era um enigma. Ela ouvira pouco sobre a mesma, e o que sabia era o suficiente para ter sentimentos conflitantes. Era uma mistura de respeito e desconfiança, nunca escutou mal sobre a pessoa que Davina era e sim pelo contrário, mas já fazia tempo que ouviu sobre também. 

O tempo poderia tê-la mudado e transformado em uma pessoa irreconhecível, além da sua ocupação no trono, que certamente moldou de alguma forma seu caráter, concluiu.

Maeve não queria julgá-la de cara, poderia estar mais errada do que certa se fizesse, mas não queria conhecê-la para descobrir a verdade. Se contentava com o pouco que julgava e seguia em frente.

Restava apenas saber até onde a rainha levaria essa conversa e porque.

Davina parou em uma distância considerável da cela e a analisou com os lábios em linha fina. Só depois de dar uma bela olhada em Maeve, falou.

— Maeve, pensei ter ouvido gritos. Como está?

Pela forma cabisbaixa que sua cabeça estava e pelo desinteresse na postura da serpente a rainha quase pensou que não haveria uma resposta, mas após um longo momento Maeve disse.

— Como você acha que uma prisioneira está?

— Definitivamente razoável.

Após apenas olhar para a parede, Maeve lançou um olhar frio para a rainha. — Não usaria essa palavra.

— Lamentável então? Em todos os sentidos você está… na pior?

— E a estimada rainha contribuiu para que isso piorasse.

Maeve apresentou os pulsos e os tornozelos queimados pela magia, metade de seu sono havia ido embora na noite por conta dos ferimentos. E nem era a pior parte quando sentia o ar em seus pulmões. A serpente dúvidava que se acostumaria ou conseguiria sobreviver.

Davina entrelaçou os dedos e deu voltas pelo corredor, olhando as paredes descascadas e velhas com pouco caso, como se desconhecesse o sofrimento de Maeve, ela dizia de forma simples.

— Não me culpe por isso, quando não sabemos domar um cachorro usamos uma coleira.

— Não sou um animal.

— É uma serpente.

Maeve levantou o nariz e analisou a rainha. As duas mulheres se encararam com tensão e respeito. Não havia desprezo entre elas, mas havia uma disputa silenciosa por controle. Maeve sabia sobre sua natureza implacável e o quao difícil era ser domada por alguém. Ela não era do tipo que facilitava ou acreditava tão facilmente nas pessoas, sua ingenuidade fora arrancada de si há muito tempo e agora restava apenas um solo infértil para cultivar suas relações. 

Ela perguntou após refletir sobre a rainha.

— O que quer?

— Como?

A rainha parecia confusa, mas Maeve preveu que fosse apenas um disfarce para não ter suas motivações mostradas. A serpente não tinha o mesmo empenho de fingir.

— Não sou burra, sinto o ódio a cada palavra que recebo dos meus inimigos e cada atitude das pessoas que encontro, houve uma comoção para que me matassem, mas isso não ocorreu, a rainha parou seu próprio povo, duas vezes. Me pergunto que respostas a senhora procura, adianto que não será fácil achá-las como pensa.

Curta e direta. — Observou — é bom que poupa nosso precioso tempo.

Davina demorou para responder e Maeve não teve dificuldade para esperar, o que ela mais tinha era tempo e ficar sozinha com seus pensamentos era mais torturante do que alguém evitando respondê-la. 

Davina disse. — Tem algo que você não sabe sobre mim, mas sou muito paciente. Até demais. Eu penso em preservar pela sua vida, assim todos saem ganhando.

Maeve franziu a testa, pensando se a rainha realmente pensava ou não.

— Será mesmo? Seu povo quer me matar a todo custo e a senhora não? De qual lado o rei ou o conselho ficarão quando descobrirem? Estou muito curiosa. Aposto que eles vão decidir me matar tão lentamente que nem vão cojitar minha sobrevivência.

— Porque acredita que não há possibilidade de sobreviver? Talvez possa mostrar ao mundo que ele está errado sobre a sua pessoa.

— O que me impressiona é a senhora acreditar que o mundo está errado. — respondeu Maeve sem nem pensar — Não me importo com o que Adira, você ou toda a sua raça repugnante pensa. Se depender de mim todos vocês morrem queimados. Suplicando por ajuda.

Maeve falava demais, sendo hostil mais do que queria e deveria, mas era impossível se controlar, a raiva que esvaziava de sua boca era necessária, ela tinha que colocar tudo para fora.

— Que cruel da sua parte, ameaças perigosas para alguém preso, principalmente por um inimigo mais forte no momento.

As palavras não eram ameaças, mas Maeve sentiu como se fosse.

— Nada do que vocês fizeram comigo será pior do que já passei, acredite.

— Não duvido, talvez devesse buscar vingança pelos que a derrotaram. Demônios não foi?

A expressão de Maeve se transformou numa frieza, surgindo tão de repente que até Davina se assustou, talvez a maga tivesse passado do ponto com as palavras e ferido a serpente no momento errado, mas logo o tédio surgiu na mesma rapidez, dando um ar de uma calma incerta para o rosto da serpente. Naquele momento, Davina percebeu que usou as palavras erradas para chegar em Maeve. 

No entanto, elas não podiam ser retiradas. Já haviam chegado fundo no peito da prisioneira.

— O que está propondo? Só para saber.

Reunindo toda sabedoria adquirida por anos, tentou a rainha. — Um voto de confiança. Digamos assim.

Maeve riu seco. O desdém em suas próximas palavras.

— Eu nunca vou confiar em nenhum mago ou qualquer ser que exista em Adira novamente.

— Confia em Guia.

Lembrou Davina, e se arrependeu por cutucar o leão com vara curta.

Maeve se fechou, notando que tinha falado demais para seu próprio bem, e encostando a cabeça na parede buscando apoio, ela pousou suas mãos em seus joelhos e permaneceu assim até Davina se tocar que ela não queria saber de mais nada. A rainha já tinha dito suas intenções, e agora que Maeve sabia iria recuar e permitir que a outra fosse embora quando se cansasse, assim levaria sua arrogância com ela. Para o azar de Maeve, ela não foi tão cedo, e insistiu.

— Gostaria de saber que relação havia entre vocês, além dos dois serem escolhidos.

Os lábios de Maeve se curvaram um pouco, era a primeira vez que sorria desde sua volta, era estranho se divertir com a curiosidade recente da mulher, mas nada respondeu, e Davina, que era um poço de calma e quietude um segundo atrás, se alterou.

— Responda. — exigiu — Deve colaborar!

Maeve fingiu interesse nas palavras vazias. — Porque faria?

— Posso te ajudar! Posso salvá-la e deixar que faça o que nasceu para fazer. Apesar de ser um mago, uma raça distinta da sua, sei que nós no fim queremos a mesma coisa.

Davina parecia desesperada quando dizia as palavras e apertava a grade da cela com força ao mesmo tempo. Maeve poderia tentar atacá-la, tentar discutir, mas estava cansada do rumo da conversa, e não teria chances, a cela tinha uma barreira protetora que se ela encostasse desmaiaria de tão fraca que estava. Por fim, apenas esclareceu.

— Seu discurso não me comove. Eu não quero a sua ajuda ou qualquer coisa que venha de vocês. E se pensa que haverá qualquer acordo entre nós, está enganada. O que eu puder fazer para ser inútil para qualquer mago, fênix ou pessoa que acha que pode me controlar, farei, com maior prazer.

Maeve sentiu sua pulsação na garganta e fechou os olhos ao perceber que poderia ter desespero em seu olhar. Sua postura poderia ser descontraída, mas estava nervosa e chateada.

Quando Davina finalmente se cansou, disse.

— Mandarei trazer seu café e almoço, precisa estar forte para quando começar a lutar.

Maeve abriu um dos olhos e viu a mulher se afastando. 

Depois daquela conversa seu dia inteiro foi comprometido.