Chereads / Doom: Soldados do Amanhecer / Chapter 2 - Para Sempre?

Chapter 2 - Para Sempre?

Seis Anos Antes Do Colapso

O vento soprava suavemente, levantando as folhas ao nosso redor.

O campo verdejante parecia se estender infinitamente, indo além do que a visão humana era capaz de enxergar, desaparecendo no horizonte. Mas isso não era um problema. Podia visualizar bem a silhueta a uma boa distância de mim, graças à precisa mira do meu velho rifle.

— Você está tenso. — a voz imponente de meu pai soou atrás de mim. — Não pense na arma como uma arma.

Meu cenho se franziu e eu virei para encará-lo.

— O que quer dizer?

— Foque no alvo. — ele ajeitou minha cabeça para frente. — Relaxe seu ombro, como te ensinei. Pense no rifle como uma extensão de seu braço e não em um objeto pesado que está lutando para manter estabilizado.

Parecia sensato. Tentei seguir suas instruções, embora meu ombro já formigasse em protesto. Respirei fundo, sentindo o ar fresco encher meus pulmões, e me concentrei no alvo à frente. A silhueta parecia mover-se levemente com o vento, mas mantive minha mira firme.

— Isso mesmo. Agora, tome seu tempo. A precisão não vem com a pressa. Solte a respiração devagar.

Com um último suspiro, envolvi lentamente o gatilho, sentindo a resistência do metal contra meu dedo. O som do disparo ecoou pelo campo e alguns pássaros levantaram voo.

A silhueta continuou intacta, inabalável.

Mas que droga!

— Não há tempo para lamentações — meu pai disse, pensei ter escondido bem minha frustração. — o alvo continua lá e você ainda tem um bala.

Assenti e então tomei fôlego novamente. Ajustei minha postura, obrigando meus ombros a relaxar e minha respiração a se acalmar.

Respire fundo. Concentre-se.

Dei um último olhar ao meu pai, que balançou a cabeça em encorajamento. Então me fixei no alvo à frente. Pressionei o gatilho, sentindo a familiar resistência.

O disparo ecoou mais uma vez e quando a fumaça se dissipou a estrutura de metal estava no chão.

Consegui.

Não consegui evitar o sorriso gigante que iluminou meu rosto e olhei para meu pai que mantinha uma feição impassível.

Qual é? Não foi de primeira mas eu consegui!

Um silêncio se instaurou entre nós enquanto esperava ansioso por seu veredito, mas nada veio em palavras. Meu pai apenas sorriu enquanto dava tapinhas orgulhosos em meu ombro.

Me desvencilhei dos esquipamentos e pulei em suas costas, o abraçando. Ele me levantou nos ombros e me girou no ar enquanto gargalhávamos alegres.

— Esse foi um belo tiro. — nós sorrimos. — Está melhorando, sargento.

Já fazia algumas semanas desde que meu pai começou a me ensinar. Duas semanas e três dias, para ser exato. Me lembro bem de quando finalmente consegui convencer minha mãe a deixar, quase não pude dormir de tanta empolgação. Desde então, nós treinamos todas as manhãs, bem cedo.

— A mãe ficará orgulhosa, mal posso esperar para contar à ela. Eu consegui! Quando será a vez de Mary?

Meu pai gargalhou.

— Paciência, sargento. Sua irmã é pequena e você ainda tem muito o que praticar. — ele me colocou no chão, bagunçando meu cabelo levemente. — Agora, vamos guardar tudo e voltar para casa. Sua mãe deve estar nos esperando com o café da manhã.

Assenti e comecei a guardar as coisas com um enorme sorriso. Quando terminamos, meu pai me colocou nos ombros novamente e partimos em direção à nossa casa. Estava em êxtase. Não pararia de falar nem um segundo até o caminho para casa.

— Pai?

— Sim?

— Nós vamos fazer isso juntos, não é? Para sempre?

Ele sorriu. Me apertando mais firme.

— Sim, garoto. Para sempre.

***

Dois Dias Antes do Colapso

A minúscula sala era feia, fria e escura. Suas paredes de um verde musgo desbotado pareciam menores a cada semana. Os singelos feixes de luz que entravam pela janela retangular gradeada iluminavam diretamente a carranca tediosa de Sr. Anderson. O relógio na parede marcava 11:00 em ponto. O maldito nunca se atrasava.

Sentei-me na cadeira de couro desgastada, o som do ranger ecoando na sala silenciosa. Sr. Anderson apenas começou a escrever algo em seu caderno e ajeitou o óculos em seu nariz antes de começar sua análise semanal. Ele me observou, suas pernas longas e esguias que mal cabiam na cadeira, estava esperando que eu desse o primeiro passo. Mas não aconteceu, nunca aconteceria. Ele já deveria saber disso assim como eu sabia exatamente o que perguntaria em seguida.

— Como você se sentiu quando atirou em seu pai?

Touché.

Sua voz era suave como de costume, sem traço de julgamentos, mas a pergunta sempre me atingia como um soco, não importava se a fizesse em todas as nossas sessões desde que cheguei a este lugar.

Olhei para minhas mãos, as cicatrizes visíveis nas juntas. Mas não respondi. Nunca havia respondido. Em dois anos, Sr. Anderson nunca escutou minha voz. Ele passa exercícios, faz perguntas que eu não respondo, anota em seu caderno — como está fazendo agora — e então nos vemos na próxima semana.

— Quero que veja algo — disse Sr. Anderson, finalmente quebrando o silêncio.

Ele retirou um pequeno envelope de uma de suas pastas e estendeu para mim.

— Abra.

Hesitei. Por que hesitei? Essa era uma coisa nova e acho que por isso me sentia tenso. Observava o envelope agora em minhas mãos como se guardasse uma cobra prestes a dar o bote e sabia que Sr. Anderson analisava.

Podia sentir meus dedos trêmulos quando finalmente o abri com lentidão. E então, meu coração se afundou.

— Preciso entender — ele sussurrou, como se estivesse falando para si próprio, mas ainda encarava meus olhos. — Preciso entender a diferença entre esse garotinho para o delinquente sentado agora em minha frente.

Delinquente?

— Onde conseguiu isto? — Com certo esforço, consegui fazer com que minha voz saísse firme o suficiente. Sem denunciar o turbilhão de emoções em meu interior.

— Não foi muito difícil. — ele deu de ombros enquanto retirava os óculos. — Estava exposta no Vale assim como diversas outras em que você aparece segurando um troféu ao lado dele.

Podia sentir meu coração acelerar. Queria quebrar seu nariz. Ver se ainda continuaria com esse sorriso sarcástico quando seus olhos estivessem tão inchados ao ponto de não conseguirem enxergar um palmo de distância.

— Eu vi o seu depoimento — Sr. Anderson continuou sem cerimônias, como se já não tivesse falado demais, feito demais. — Você não queria, embora suas palavras dissessem o contrário. Você estava tão assustado que lhe faltava fôlego até mesmo para terminar as ofensas aos agentes.

Cerrei os punhos. Queria gritar para que parasse de falar, para que fosse embora e nunca mais retornasse. Mas minha voz desapareceu. Meus olhos ainda estavam fixos na foto em minhas mãos, meus pensamentos tentando encontrar algo que fizesse sentido.

Por quê agora? Nos dois anos em que estive nesse lugar, ele nunca havia ultrapassado os exercícios de adaptação, os tipicos desenhos reveladores e a mesma pergunta infame de sempre. Por quê hoje?

Me sentia tonto.

Vale dos Alvos… o local onde aconteciam todos os torneios. Minhas mãos seguravam um pequeno troféu dourado e os braços de meu pai estavam ao meu redor. Nós dois sorríamos para valer. Um sorriso que há muito eu não me lembrava, embora jamais fosse esquecer esse dia.

— O que aconteceu com você, William? — Sr. Anderson perguntou com um pouco de cuidado e não pude evitar uma risada.

O que aconteceu comigo?! Está brincando?! Essa não deveria ser a pergunta, Sr.

Talvez devesse perguntar isso a meu pai. Pergunte o que aconteceu com ele! Porque ele deveria estar neste inferno e não eu. Eu não tive culpa…

Eu tentei, o máximo que pude. Mas as lágrimas desceram por meu rosto descontroladamente. Aí está Sr. Anderson, o que você não conseguiu em dois anos.

Lancei o envelope do outro lado da sala e enterrei o rosto em minhas mãos. Não deveria estar chorando feito um moleque, mas não conseguia controlar minhas próprias lembranças.

Senti uma mão agarrar meu ombro.

— Agora eu tenho certeza — Sr. Anderson falou. — Que o garoto nesta foto ainda está aí em algum lugar.

Me afastei, retirando sua mão. Não precisava de sua pena.

— Por quê?! — vociferei. — Por quê agora? Isso é algum tipo de exercício de merda para a próxima semana?

Sr. Anderson apenas sorriu, um sorriso cansado.

— Não haverá próxima semana, nosso tempo neste lugar acabou. — estreitei os olhos, surpreso. Era a primeira vez que seu rosto tinha alguma expressão. Parecia… medo? — Mas estou tranquilo porque sei que você está pronto.

— Pronto? — meu cenho se franziu. — Pronto para quê?

— Volte para sua família, Will. — ele caminhou em direção à porta.

— Espere! Não pode sair assim.

— Espero que possa encontrar a paz que tanto procura.

E então ele saiu. Me deixando sozinho com meus pensamentos, me afundando em minha própria mente. O tempo acabou? Mas do que diabos estava falando? Quando havia se tornado tão enigmático?

E por quê esse lugar estava tão silencioso?