No começo, era apenas um orb. Mas não um simples orb. Era um orb capaz de absorver as imagens das coisas, e transformar-se nelas. Da minha mão direita se fez este orb.
Eu resolvi lançar esse orb na Terra, para poder observá-lo. Lá, ele teria muitos estímulos, contatos e toques, imagens, sons, cheiros, gostos e sentimentos para aprender, e coletar informações sobre eles.
Assim que caiu sobre o chão, o orb tocou uma pedra. Como sendo seu primeiro contato com algo terreno, e sendo seu primeiro estímulo, o orb se transformou em uma cópia exata daquela pedra, átomo por átomo.
E o orb permaneceu daquela forma, por um longo e incontável tempo, apenas como pedra. Durante esse período, não teve muitos estímulos.
Então, com exposição à umidade e ao sol, as pedras ao redor cresciam sobre sua superfície musgo. E o orb copiou isso também, fazendo-se crescer musgo sobre si ao refletir musgo.
Certo dia, o Inverno chegou e começou a nevar. Um lobo branco apareceu, vindo do Sul, e já sem forças, ele não resistiu. O lobo estava com uma ferida na sua coxa esquerda traseira, e por causa do frio e da neve, pereceu, em cima do orb que estava em forma de pedra.
E então, o orb tomou a forma de lobo, tendo como primeiro instinto uivar ao céu. E assim, conseguiu se tornar consciente. Mas não sabia como andar, embora logo conseguiu aprender. Andava amorosamente.
Parece que havia reproduzido em si o mesmo ferimento que havia baquele lobo. Ele sentiu o primeiro sentimento, a primeira dor, o primeiro desconforto. Só que a recuperação ocorreu em vinte segundos, não foi um problema. Afinal, o orb tinha propriedades de recuperação elevada.
E então, começou a caminhar sem direção, sendo capaz de sentir pela primeira vez o frio em sua pele, e o cheiro de neve.
Estava o jovem garoto dos olhos roxos, pele clara e cabelos brancos em sua quente e confortável cabana, em meio a uma vila de madeira destruída e coberta por neve. Quando escuta um barulho, sai para olhar.
- "Johan! Finalmente você voltou!"
Diz o garoto vendo um lobo branco se aproximando, que na verdade era o orb em forma de lobo.
O garoto corre em direção ao orb em forma de lobo, acreditando que era o seu animal de estimação que estava perdido. Ele o abraça calorosamente, sendo esse o primeiro abraço do orb.
- "Que bom que está a salvo, eu tava tão preocupado! Você sumiu por quase dois meses, mas eu sabia que você jamais esqueceria de mim, né amigão?"
O garoto larga do abraço e percebe que o que parece ser Johan não esboça nenhum sentimento ou som.
- "Que foi? Você parece mais quieto que o normal... Entendi, entendi, tá cansado né?"
Então o garoto leva o lobo para dentro de sua cabana para cuidar dele, esquentá-lo e dar de comer a ele.
Dentro da cabana, existia muitas coisas desconhecidas, a boa sensação da temperatura do corpo esquentando, os aromas misteriosos, era um local instigante. Se pudesse falar, diria que gostaria de ficar ali para sempre.
Mas, distraído com todas aquelas sensações, acabou ficando muito perto do fogo da lareira, e uma brasa tocou seu focinho. Por ser muito sensível naquele momento, chorou pela primeira vez, de umanforma canina.
O garoto percebe, e diz:
- "Tá vendo? Eu sempre te falei pra não ficar tão perto do fogo... Toma, sua comida."
Disse o garoto pondo uma tijela de madeira cheia de ensopado de peixe. O lobo cheira, dá um chorinho sem entender, e encara o garoto.
- "Hã? Toma..."
Disse o garoto com uma colher levando a comida à boca do lobo, que não sabe comer ainda e deixa a sopa cair ao chão.
- "Ué... Já entendi, você não quer comer isso só porque não é leite de cervo, não é? Mas eu não posso fazer nada, já que nosso cervo morreu já faz mais de um ano!"
Quando a noite chegou, o garoto levou o lobo à sua confortável cama de um material que parecia lã bem fofa.
- "O fogo vai apagar logo logo... Vamos dormir antes que esfrie."
Disse o garoto se deitando sobre a cama e se envolvendo em seu cobertor quente, sorrindo por ter de volta sua companhia de seu lobo.
Aquele garoto de quem sequer sabia o nome, foi a primeira pessoa com quem esbarrou...
No outro dia de manhã, a nevada estava bem fraca, o sol esquentava pelo menos um pouco o que parecia o pior dos invernos.
O garoto havia acordado bem cedo, e foi com seu machado para desmantelar uma das cabanas abandonadas da vila fantasma, e assim conseguir lenha para pôr em sua lareira, e resistir ao frio intenso.
- "Isso não vai secar nunca se continuar nevando."
Disse o garoto ao lobo, que o seguia amarrado por uma corda presa ao seu braço direito. O garoto se referia ao fato da lenha estar encharcada. Mas o orb não compreendia nada.
- "A madeira da tia não é das melhores... Se bem que eu não posso reclamar das coisas que eu pego dos outros, né?"
Ele olha para o cão um pouco triste e pensativo.
- "Desculpa, eu sei... O pessoal vai ficar bravo quando voltar. Mas não tem jeito Johan, se eu não fizer isso, quem vai morrer sou eu!"
Diz ele forçando um sorriso.
- "É verdade... Faz cinco anos que todos se foram... Só cinco anos!!"
Diz o menino com um sorriso enorme e grande esperança.
- "Eu só sei... Que todos foram pra lá... Foram muito, muito pra lá. Dizem que lá tem muitas pessoas e bastante comida... Pelo menos é o que todo mundo acreditava."
Diz ele olhando para uma direção. Depois abauxa para acariciar o lobo.
- "Sabe o que mais? Dizem que lá, tem muita, muita comida. Tem muito peixe e um montão de coisa gostosa gostosa que chamam de... Fruta... Ou algo do tipo! Tem muita gente bem mais inteligente que nós e todos vivem felizes todos os dias! Que inveja... Eu também queria ir pra lá... Você se lembra? Eu tentei ir junto com os adultos mas você me impediu. Você mordeu o meu pé! Aí eles decidiram me deixar pra trás pra ficar tomando conta do pessoal mais velho... Que maldade né?"
Os dois seguiram andando para um local mais afastado da vila.
- "Eles disseram pra mim que voltariam cheios de presentes legais depois que encontrassem o paraíso, você se lembra disso?"
Ele para e olha para o chão, com quatro lápides.
- "E no final... Os que ficaram pra trás foram os mais velhos, que eu não pude salvar... E nós dois."
O garoto escuta um som. Um barulho ao longe, e vai correndo com o lobo, até sua cabana para checar. Ele lentamente abre a porta, gritando:
- "Bem-vindos!"
O garoto tem seu coração fisgado ao abrir a porta pensando ser os adultos que voltaram, mas... Não havia ninguém.
Mas o barulho continuou, e era o sistema de linhas que balançavam conectadas à uma vara de pesca.
Ele corre em direção ao buraco no gelo onde havia a vara, e vê um peixe grandão. Com seu espírito otimista, ele pega o peixe comemorando, e o leva para a cabana, onde arranca a cabeça e pendura a outra parte do peixe, como vários outros que tem guardado.
- "Pra não gastar lenha, vou comer cru mesmo!"
Diz ele mordendo um pedaço arrancado do peixe, após lançar a cabeça do peixe ao lobo. Mas ele percebe que o lobo não queria comer, e só cheirava
- "O que foi? Você adora comer isso! Por acaso você esqueceu como é que se come? É assim ó... Morde... Mastiga... Gulp!"
O lobo olha o garoto fazer isso e mostrar a boca vazia, e logo aprende. Esse é outro ponto onteressante do orb, sua capacidade de aprender muito rápido. Ele morde, mastiga bem desajeitado, e engole, mostrando a boca aberta e vazia.
- "Olha só, parece que você consegue comer..."
À noite, o garoto preso em seu tédio, desenhava na parede da cabana várias pessoas, enquanto percebia o lobo encarando os desenhos.
- "Estes são meu tio, e tia... Meu primo mais velho e seus filhos, o cara cabeludo que mora aqui perto, e essa aqui é a nossa vizinha! Tá igualzinha né? Eu só queria te mostrar que existiram outras pessoas aqui e... Também... Pra não esquecer... Johan, eu também quero sair daqui um dia, encontrar muita gentes, e sentir diversas coisas. Com certeza vão ter experiências ruins também, mas eu ainda quero conhecer o mundo. E é claro, quero que você venha comigo!"
E assim, a rotina do orb em forma de lobo e do garoto seguiu. Os dois viveram da mesma forma todos os dias: Coletando madeira da casa dos vizinhos, pescando peixes, limpando a neve, cozinhando, arrumando a casa... Mas um dia, o garoto tomou uma decisão.
O garoto decidiu que, já que os adultos não vieram até ele, ele iria ao tal paraíso junto de quem pensava ser Johan.
Os dois partiram bem cedo, para evitar o frio e a nevada da noite. Pelo caminho, haviam pedras com setas que indicavam onde ir, o que dava muita esperança para aquele jovem.
Quando a noite chegou, já estavam bem longes de casa, e sobreviviam comuma fogueira bem preparada cozendo os peixes que levara o garoto. Ele tinha experiência de sobrevivência muito elevada.
- "Você sabe o que são vegetais, Johan? Acho que já comi no passado, mas não me lembro muito bem. Sabe, também existem coisas redondas e doces que se chama... Fruta... Eu perguntei ao meu tio o que seria uma coisa doce mas eu não entendi a explicação que ele deu! Eu queria poder experimentar... Tô tão animado, eu serei muito livre!"
Disse o garoto cozendo apenas peixe.
A viagem se seguiu, por muitos dias, o garoto sempre encontrava pelo caminho outras pedras com setas gravadas, o que sempre o tirava um sorriso, e alimentava sua esperança e otimismo. E por isso, mesmo com o frio, seguiram viagem.
Mas, um dia... Começou a nevar novamente. O garoto já estava bem mais perto da montanha que escondia o suposto paraíso. Lá, encontraram um rio congelado, onde acidentalmente o garoto caiu e se feriu na perna esquerda, que começou a sangrar. Mas, por ser experiente nisso, soube lidar e amarrou um pano ali.
No outro dia, a nevasca aumentava gradativamente, ficando cada vez mais forte. Mas ele prometeu que não desistiria, mesmo que não sabia se o paraíso existia. Ele não queria voltar, com medo de morrer sozinho lá... Um lugar com comida gostosa e pessoas simpáticas o aguardava... Até que...
Ele encontrou um pedra com uma seta novamente, mas dessa vez, com um enorme X na pedra. À frente, ele seguiu e encontrou um monte de túmulos, ao lado de uma vila totalmente destruída pela neve.
O garoto percebeu o que havia acontecido ali, mas estava negando, e tentando se enganar.
- "Mas isso é muito incrível Johan! São evidências de que pessoas passaram por aqui! Eles só... Eles passaram por aqui de verdade! Isso quer dizer que... Que estamos no caminho certo! A gente vai conseguir chegar nas montanhas, a gente vai conseguir... Não é? Será que conseguiremos..."
O garoto olha para seu lobo de joelhos perguntando.
- "O que... O que você acha, Johan? A gente vai conseguir? Me responde! Fala alguma coisa como você sempre faz Johan!! Acho... Acho que você não pode me responder, não é mesmo Johan? Eu só tava falando comigo mesmo esse tempo todo! Que droga! Que droga!! Que droga... Que drogra!!!"
E assim, o menino cai com seu rosto dobre a neve chorando, com seu rosto vermelho pelo frio intenso, suas lágrimas escorriam junto com seu nariz.
- "Puxa vida... Me desculpa Johan, você me acompanhou por todo esse caminho, eu não devia ter dito isso... Me desculpa... Me desculpa!"
Disse ele abraçando-o, decidido em voltar para casa, antes que a nevasca ficasse mais forte do que já estava.
Quando caía pelo caminho, seu lobo puxava a corda que os unia, ajudando-o a se recompor, levando o garoto para casa.
A viagem foi um sucesso, os dois chegaram em casa, mas o garoto pegou um forte resfriado.
Em sua cama, olhava os desenhos de seus queridos e conhecidos na parede da cabana enquanto se debrulhava em lágrimas. O lobo só assistia, sem reação. Mas no fundo, se preocupava.
O orb havia aprendido um sentimento novo, a tristeza. Ao perceber que o garoto só ficava na cama, sem levantar, vermelho e fraco, ele começou a chorar com sua voz de lobo.
- "Haha... Mas que carinha é essa? Hm... Você está se sentindo mal? Ou tá tentando me alegrar e me fazer sorrir hein? Entendi, entendi... Você tá com fome né?"
Diz o garoto tentando se levantae da cama mas caindo no chão de fraqueza. Ele se levanta e vai em direção à lareira.
- "Eu vou preparar alguma coisa pra você comer..."
Diz o garoto acendendo o fogo e pondo uma panela cheia de água e peixe, mexendo com uma colher de pau.
O garoto senta na cama de volta, mas sua ferida na coxa esquerda voltou a sangrar, chamando a atenção do lobo que começou a cheirar.
- "Acho que tá melhorando... O que foi? Eu tô com cheiro de comida gostosa é? Quando isso cicatrizar, a gente vai tentar de novo, tá Johan?"
Mais à noite, o garoto volta à sua cama para repousar, mas não consegue dormir. O frio e o resfriado estão causando uma dor insuportável, e o orb tem a capacidade de perceber essa dor alheia a si mesmo.
- "Isso é... Estranho..."
O lobo sobe na cama e olha o garoto, rosnando enquanto o olhava preocupado.
Mais tarde, novamente o garoto cai da cama, e quase fica desacordado. O lobo fica o cheirando para entender, mas o garoto desperta.
- "A cadeira..."
Diz o garoto levantando do chão e sentando sobre uma cadeira de madeira que estava ao lado dos desenhos que fez na parede. Ele senta na cadeira de forma desajeitada, quase caindo, mas tem forças para se manter sentado e pôr suas luvas.
- "Hm... Sabe, seria patético estar dormindo, quando eles todos chegarem, não acha? É que... É o melhor lugar para esperar eles..."
O garoto dá uma risada, e percebe que acabou. A lenha acabou, o frio tomou conta, e ele não tinha mais forças.
- "Johan... Eu... Tenho um pedido pra te fazer... Eu queria que você se lembrasse de mim pra sempre..."
Foram as últimas palavras do garoto antes de deitar com sua cabeça para trás, e falecer por completo.
Seu corpo cai da cadeira para o chão, e como sempre, o lobo puxa o garoto por sua roupa para tentar ajudá-lo a se levantar, mas... Não havia mais vida ali.
E de repente, o lobo sentiu algo novo. De uma foa extremamente dolorosa, seu corpo começou a mudar, suas patas se transformaram em mãos, suas pernas da frente em braços, seu tronco em corpo humano, suas patas traseiras em pernas de homem, e por fim sua cabeça em cabeça humana. Ele havia se tornado o garoto.
O garoto que morreu acordou num sonho, um sonho onde os adultos finalmente chegavam, e iriam levá-lo ao paraíso. E na frente deles, Johan.
- "Hã? Johan! Pessoal! Então... Vocês estavam esperando por mim! Que bom que eu não tô mais sozinho, agora eu posso continuar me esforçando! Vocês estão vendo, tem mais gente ali! Como é aquele lugar, vocês sabem o que é uma fruta? Ah, boa tarde, o meu nome é..."
O orb, agora em forma de garoto, viu o corpo do garoto, estava ali sem vida alguma, e por isso, abriu a porta para ir embora, num caminho aleatório e desconhecido. Naquele momento o dia já havia começado.
Certas condições precisam ser alcançadas para obter uma nova forma. Precisa de estímulos, então começou a caminhar em busca de novas inspirações. Irá conhecer diversas pessoas e sentirá diversas coisas. Assim como garoto sempre desejou...