Acordo com meu pai gritando meu nome. Abro os olhos e percebo que dormi fora da casa, encostado na parede ao lado da porta da frente.
- "Oliver! O que está fazendo aí?"
Nem eu sei, então demoro formular uma resposta consistente. Olho para o céu, e vejo que já está nascendo o sol, então entendo o porque da pergunta nervosa.
- "Ah eu... Eu sentei aqui agora há pouco, queria ver o nascer do sol."
Disse com medo de que meu pai soubesse que eu na verdade dormi a noite toda ali.
- "Mas aqui? Achei que você gostasse de ir até a colina."
Disse meu pai agora num tom calmo, sento-se ao meu lado no chão.
- "Ah... Não sei se quero mais ficar observando a natureza, sabe?"
Meu pai fica um pouco vermelho com minha afirmação. Ele nega com a cabeça e me repreende.
- "Filho, você deve amar a natureza de alma. Tudo que não deve fazer é ir ao bosque sagrado. Fora isso, você pode ir à colina e observar o bosque de longe."
Eu finjo concordar e ele finge acreditar que eu estou de acordo.
Continuamos a ver o sol nascer juntos lado à lado, até que decido fazer aquela pergunta que pensei ontem antes de dormir.
- "Pai, existe um deus das estrelas?"
Meu pai levanta uma sobrancelha e me olha de lado, como se também questionasse isso em si.
- "Com certeza filho... Existem deuses para cada coisa que existe..."
Minha mente vai a mil em pensamentos, de quantos e quantos deuses poderiam potencialmente existir... Até que eles são cortados por meu pai.
- "... Mas que eu saiba, a antiga religião dizia que existem apenas quatro deuses."
Eu olho para meu pai bem interessado, mas também decepcionado por existirem só quatro deuses.
- "Só quatro deuses? Deixa eu advinhar, um deles é o deus Natureza?"
Meu olha para mim meio irritado, o que me faz parar de falar sobre isso.
- "Sim, quatro suficientes deuses. E o sagrado deus Natureza, que deu origem à toda a vida natural! Além dele, existem outros três, como por exemplo o deus Fogo, que controla tudo aquilo que é quente ou brilha, ou seja, ele seria o deus das estrelas que você perguntou."
Há um brilho em meu olhos quando ele me diz sobre o deus Fogo. Ele deve ser um cara muito legal!
- "Nossa! Ele deve ser o melhor deus então!"
Meu pai dá uma risada.
- "Não Oliver, todos os deuses são especiais e necessários... Como o deus Água, que governa os mares, as chuvas e a vida aquática. Ou o deus Ar, que enche seus pulmões todo o momento, governa os ventos e as aves."
O assunto se encerrou entre mim e meu pai quando ele decide se levantar e ir ao trabalho. Agora, por não poder mais lenhar o bosque sagrado, ele tem que sempre acordar mais cedo e ir com um grupo de lenhadores para longe, em busca de árvores.
Mas eu sei que essa conversa entre nós foi bem necessária. E é útil conhecer sobre as entidades superiores que governam o nosso mundo, mesmo que eu não goste de alguma delas...
Como meu pai não me quer indo para longe com ele para lenhar, fui com minha mãe, a dona Marta, para cozer alguma coisa. Ou pelo menos tentar...
Chegando na cozinha, procurei por Caius, meu grande amigo, mas não o encontrei. Então descobri que Caius partiu com os lenhadores, pois foi banido das tarefas da cozinha desde o incidente do carvã- digo, do pão.
Então, fui à area próxima dos fogões, onde ficam as mulheres e os jovens que cortam os legumes. Eu fui encarregado de cortar cebolas, mas eu sabia o que me aguardava ali... Cebolas são cheias de angústia, tristeza, amargura, e esses sentimentos são liberados quando você as corta. Sim, talvez eu esteja exagerando, mas minhas lágrimas dizem o contrário.
Terminando a minha tarefa, meus olhos estavam bem vermelhos, mas as cebolas já estavam na panela, junto das batatas e dos tomates. Pelo visto, a carne acabou e não temos nenhum animal para abater.
Quando comemos carne nessa aldeia, normalmente é comprada de alguma aldeia ou vila vizinha, que obtemos com um escambo bem arcaico. Não que não tenha moedas e comércio nas áreas vizinhas, mas é que nós não nos adaptamos bem aos sistemas deles ainda.
Além do mais, abater algum animal nosso, no momento, iria ser uma péssima ideia. Afinal é necessário manter sempre a mesma quantidade de animais, seis ou sete ovelhas, seis ou sete galinhas e duas ou três vacas. Mas não é costume de comer a carne destes. As ovelhas produzem nossa lã, as galinhas os nossos ovos e as vacas nosso leite.
Mais tarde, estava eu sentado, sozinho na mesa, pensando na vida, preocupado com meu pai e Caius que estavam bem longe. E se algo acontecesse com eles? Ninguém saberia, nos perderíamos para sempre.
Talvez eu seja pessimista demais, ou talvez essa história de natureza mexeu demais com a minha cabeça por esses dias. De todo modo, o melhor é...
- "A comida está pronta!!"
Comer! O melhor é comer! A velha senhora Grey gritou, então todos ali devem comer juntos. É a tradição local. Na verdade, ninguém nunca colocou ela à frente da cozinha, nem nunca deram à ela o cargo de chefe de cozinha. Ela, com seus mais de 70 anos de experiência, se autoproclamou a chefe da cozinha e ninguém nunca ousou contestá-la. Ainda mais porque ela cozinha melhor do que qualquer um ali, inclusive mais que minha mãe... Mas eu é que não tenho coragem de dizer isto.
Nos ajuntamos todos à mesa principal e às demais mesas, em torno da cozinha. Ali estão quase 40 pessoas, seriam mais de 60 se os lenhadores estivessem ali.
Eu tomo meu prato de sopa e começo a comer bem depressa. Com fome, tomo um pão feito por minha mãe e molho na sopa. O sabor do tomate e da cebola se misturam no pão, me lembrando a vez que comi pão com carne bovina. Era gostoso, mas por enquanto, só a parte do molho me é suficiente.
Termino a minha tijela, lambendo os cantos dela, até reparar minha mãe me encarando de cara feia. Então devagar eu largo a tijela e limpo o rosto com o antebraço. Dou um sorrisinho para amenizar e minha mãe revira os olhos.
Eu achei que ia sair dali e descansar o almoço, mas sou encarregado pela senhora Grey para lavar a louça no tanque de água. Como eu não posso reclamar, obedeço sua autoridade e vou lavar.
E então, olha só quem me aparece! É o marido da senhora Grey, o senhor Grey! Não, eles não tem o mesmo nome, mas preferem ser chamados pelo sobrenome apenas.
- "Olá filho... É você que é filho daquele lenhador? O... Seu Roberto?"
Eu concordo sorrindo. Aquele senhor parece ser tão simpático, é uma pena eu nunca ter tido uma conversa com ele, mas isso pode mudar agora mesmo.
- "Sim... Meu pai é quem vocês dizem ser quase o líder dos lenhadores."
Isso tira um sorriso sincero do senhor Grey, mas ele logo muda sua feição para algo mais fechado.
- "É filho... Seu pai é uma boa pessoa. Que pena que... Bem, deixa isso para lá... Não vou mais te atrapalhar."
Eu fico ansioso com o que ele iria dizer. O que será que é? Eu realmente queria saber, então chamo sua atenção.
- "Que pena que o quê? O que houve?"
Ele olha para trás e diz num tom calmo.
- "Quando ele chegar, quero conversar com os dois..."
E assim, ele se vai pela grama verde em direção à sua cabana.