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Chapter 2 - Sangue Fervilhante

Desde o começo, fora dito que os desafios que a princesa ruiva enfrentaria seria muito mais duros do que ela poderia imaginar, e agora, ouvindo um chamado que a apressava, a pequena entendia que de todas as batalhas em que entrou, de todos inimigos que poderia enfrentar, o pior deles eram as suas dívidas. "Ei, garçonete!", uma mulher a chamou, e Vitória a respondeu com cordialidade, "Só um segundo. Já irei atendê-las". Dessa forma, a jovem que vestia um estranho avental escuro, com o simbolo de uma caneca com corações estampado sobre ele, se aproximou de umas das mesas dentro da cafeteria, e foi lá onde viu, quatro moças de cabelos negros e roupas casuais, usando óculos escuros em uma falha tentativa de esconder suas identidades. 

-... Esperança...?- Vitória se referiu à mais alta dentre as mulheres misteriosas

-Eh?!- A mulher foi surpresa pela palpite da garçonete -O q-quê? Esperança?...- Ela riu de nervoso -Por acaso está me cantando?- Ela riu novamente -A beleza da princesa é incomparável, eu nem sequer chego perto disso, não diga besteiras...

-Ah, saquei... Mas de qualquer forma: Terei que pedir que retirem os óculos...- A ruiva apontou para uma placa na parede, "É proibida a entrada de pessoas usando elmos ou qualquer coisa que escondam sua identidade", era o que dizia a mesma -Caso se recusem, terei que chamar a guarda...

-Ah! Não, não faça isso... Veja bem- "Essa não...", pensou a mulher "preciso de uma desculpa...". Foi então que, outra dentre as mulheres se intrometeu na conversa, uma moça com um corte militar, cujos os músculos marcavam sob suas roupas discretas

-CONJUNTIVITE!- Ela exclamou. Os outros clientes interromperam seu café, virando seus olharem para a mesa, onde o silêncio tomou conta pelos próximos segundos

-Ah! Saquei! Nesse caso vocês devem ficar mesmo de óculos...- Vitória afirmou. As mulheres sorriram e suspiraram de alívio ao ouvir essa confirmação, como se tivessem vencido essa dura batalha, porém, foi nesse momento que a ruiva apontou para outra placa, que dizia: "Aqueles com doenças contagiosas não são permitidos dentro desse estabelecimento" -Terei que pedir que se retirem.

Vitória sorriu de forma cordial, como uma mera empregada, porém, no fundo, ela ria incansavelmente, caçoando das "misteriosas" figuras.

-Tá bom!- A mais alta desistiu da ideia, retirando os óculos e revelando sua "secreta" identidade -Somo nós- Dizia Esperança, um tanto quanto envergonhada

-Ora, quem iria imaginar!...- A ruiva continuou com a chacota 

-Pode parar...- As outras princesas também tiraram seu óculos -Nós viemos ver como você tava no trabalho... Só isso- A segunda princesa parecia emburrada

-...- A anãzinha ficou envergonhada -Bom... Então vocês vão comprar algo pra me ajudar, certo?- Ela riu

-Sim! Claro.- As princesas fizeram seus pedidos e Vitória logo os trouxe: Quatro xícaras de café; um com leite para Isabela, um macchiato para Glória, um cappuccino para Esperança e (obviamente) um café puro para Graça (junto de alguns pãezinhos que serviriam de aperitivo).

As princesas bebiam quietas em seu canto, tomando cuidado para não serem reconhecidas pelo populacho, enquanto assistiam sua irmãzinha trabalhar. Era impressionante o quão tolerante a jovem estava, suas irmãs imaginaram que a qualquer momento ela explodiria de raiva e socaria a cara de algum cliente folgado, porém, Vitória apenas ria quando alguém fazia piada sobre ela ser uma princesa trabalhando de empregada, ou quando reclamavam da qualidade do café -que por sinal era ótimo. "Bom, isso é óbvio...", disse Graça ao levar uma bisnaga até a boca, "ela precisa de dinheiro afinal de contas", a mesma completou, contudo, isso deixou Esperança intrigada

-Por quê?- Ela perguntou

-Provável que seja para pagar as multas...- Graça respondeu -Caramba, esse café é bom!...- Ao dizer isso, a princesa pôde ouvir a ruiva ao longe tentando conter sua risada, e isso a deixou meio preocupada -Será... Será que foi Vitória quem os fez? Não, impossível...- Foi o que disse ao novamente tomar um gole da bebida quente

-Espera, vamos voltar ao assunto. Que multas são essa?

-Ah, só algumas por algo que ela fez... Vejamos: Agressão a funcionário público... Participar de lutas clandestinas... Esse tipo de coisa. Bom, ela já pagou boa parte, é provável que ela quite suas dívidas hoje... E bom, o treinamento também está perto de acabar, acho que ela não vai ter problema em juntar dinheiro daqui pra frente... Ter que dar folga para ela de vez em quando é realmente chato- A segunda princesa ficou meio aflita ao ouvir isso, imaginar que logo elas deixariam seu país a deixou inquieta

As quatro irmãs aproveitaram de seu tempo juntas e botaram a conversa em dia. Esperança resmungava sobre o quão duro era ter que estudar e treinar com seu pai, e Graça contava sobre como Vitória se portou durante os treinos, no fim acabou que a princesa soldado se animou um pouco demais ao falar sobre os feitos de sua irmãzinha, o que fez as outras rirem, encantadas pela doçura que a rígida garota demonstrava ao se empolgar com a conversa. Logo em seguida, foi a vez de Glória, que foi breve ao apresentar os avanços da pequena em seus estudos de magia.

-Ela é incrível!- A princesa exclamou, surpreendendo suas irmãs

-Sério?!- Esperança perguntou, alegre pela notícia

-Sim. É incrível como ela não tem talento nenhum!- Glória disse isso com um sorriso meigo

-Ah.

-Nossa irmãzinha é burra como uma porta. A chance de ela se tornar uma maga é zero!- Com o polegar destacado e um tom positivo, a rechonchuda princesa deu a má notícia. Porém, também havia algo bom nisso -Contudo- Ela acrescentou -Eu descobri algo bom!

-Eh? O que foi? Ainda há esperança?

-A Vivi pode não ter talento nem inteligencia pra usar magia, mas, ela tem mana até de sobra!

-... Mas de que serve ter mana se ela não sabe usar magia?...- As demais princesas ficaram confusas, inclinando suas cabeças para o lado

-Mana ainda assim é energia, é basicamente poder bruto! Com a quantidade que ela tem, é capaz que nem precise de feitiços ou magia!- As princesas sorriram, felizes com a notícia, que de fato era boa.

Assim como um leve véu, a mana sempre está a cobrir o corpo que a emana, vazando como fumaça saindo de uma panela de água fervendo. Porém, ao ser controlada de forma correta, como ao usar uma magia, ou na pratica de alguma arte marcial que leve seu corpo ao limite, a mana pode tomar diferentes caminhos. Ao reduzir seu fluxo, o contendo, uma pessoa pôde aumentar sua resistência física, diminuir a fadiga, e até mesmo retardar seu envelhecimento. Ao concentrar essa energia vital em seus músculos, é possível aumentar a força natural deles, e ao envolver sua pele, você pode torná-la tão resistente quanto uma verdadeira armadura. Os usos dessa energia variam, mas caso Vitória se torne uma mestre e controle a grande quantidade que possui, é certo que ela se tornaria imparável como uma locomotiva, um pequeno e perigoso colosso seria criado nesse momento.

-Eh??- A ruiva se aproximou -Do que estão falando??- Ela tinha escutado parte da conversa

-Nós... Estávamos falando sobre garotos!- Graça mentiu com um olhar sério

-Ah, saquei! Que surpresa, eu pensei que você jogava no outro time...- A terceira princesa ficou constrangida, caso não estivessem em um local público, ela provavelmente bateria em sua irmãzinha só por causa desse comentário -Mas e então, vão pedir mais alguma?- Esperança pediu um pudim com empolgação, já que era a sua sobremesa favorita. Sua boca já salivava, a garota mal podia esperar para dar uma colherada naquela doçura gelatinosa

-Mas falando sério, Vitória. Fiquei surpresa ao te ver trabalhar com tanto empenho. Você até que leva isso a sério. Achei que estaria gritando com os clientes a essa altura. Eu te julguei mal, sinto muito por isso

-Óbvio. Eu preciso de dinheiro!- Ela respondeu com determinação -E... Ah! pros clientes que enchem o saco eu tenho um segredinho!- A ruiva se aproximou, com um sorriso em seu rosto e um brilho maléfico em seu olhar, ela sussurrou a seguinte atrocidade -Eu cuspo no café deles!- "Shishishishi", era como soava sua risada travessa

-Que nojo! Você é louca- As princesas ficaram realmente assustadas pela falta de respeito da garota

-Eles tiveram o que merecem!... Mas mudando de assunto, o que achou do seu café?

-Ah! Estava delicio...- Graça nem sequer terminou sua frase, pois ao encarar a xícara vazia algo lhe veio a mente. Lentamente, a princesa soldado arrastou seu olhar para a face de Vitória, e foi então que ela viu, aquele sorriso diabólico e presunçoso no rosto da pestinha, sua risada contida e aquele olhar de chacota que a anãzinha tinha, isso fez o estômago da terceira princesa revirar. -Pessoal... Que tal a gente ir agora?- Esperança estranhou a pressa, "mas e o meu pudim?", foi o que pensou ao ver sua irmã se levantar -Eu meio que... Perdi a fome...- A garota saiu do estabelecimento, com um olhar vazio em seu rosto.

-Até mais tarde, Vitória!- Dizia Glória ao deixar a loja, a garota tinha um sorriso até que feliz de mais em seu rosto, e a ruiva estranhou isso, porém, não teve tempo de perguntar nada

-Certo, até mais. Voltem sempre!- Foi o que respondera, se curvando de forma respeitosa, assim como mandam as normas de seu novo trabalho.

Agora, enquanto Vitória trabalhava naquela linda cafeteria no bairro nobre de sua cidade, algo acontecia em paralelo; Em um lugar sujo e desregrado, longe de Jaci, em uma parte sem rei do continente, uma garota entrava em uma taverna. O cheiro da cerveja de má qualidade logo adentrou suas narinas, o local estava cheio de bêbados, que gritavam, riam e papeava sem parar. Com suas canecas cheias em suas mãos cabeludas, vários humanos, halflings e até mesmo tieflings e outros "não-humanos" saudavam a moça na porta,"RUBY!", Eles gritaram em coro.

-E aí, seus merdas!- Ela riu, ao tirar o óculos de proteção de seu rosto, e sacudir seus cabelos negros sujos de areia.

-Ei, Ruby, não suje minha taverna!- A dona do bar, que limpava os copos detrás do balcão, reclamou com ela. Uma mulher branca e magra, cuja a idade avançada se tornava óbvio ao olhar sua pele enrugada, porém ainda podia ser questionada ao ver o modo como ela se vestia, um estilo "punk", com um lado da cabeça raspada, calças jeans rasgadas e uma blusa transparente sob sua jaqueta de couro

-Não dá pra sujar o que já tá sujo, nega- A garota entrou e se sentou de frente à dona, encostando sua mochila velha no pé do banco (junto de seu arco-longo), e logo colocando uma pequena pedra brilhante sobre o balcão. Essa pequena joia tinha um tom azul claro, e seu valor era imensurável continente acima, porém, naquela região, elas eram nada mais que moedas de troca -Tem algum trabalho pra mim?- A garota sorriu ao perguntar, seus dentes brancos e bem alinhados se destacavam graças à escuridão de sua pele. Ruby era uma das infames "crianças da noite", um velho povo que desapareceu a muito tempo. De acordo com as lendas passadas de geração em geração, esse povo tinha a epiderme tão negra como uma noite sem estrelas, e os olhos brilhantes em um tom vívido e alaranjado, assim como uma pedra de âmbar. Lendas dizem que eles eram uma tribo de canibais que acabou por ser extinta graças a uma doença, porém, essa história está longe de ser verdade, diferentes de outras, que dizem que eles usam um tipo de magia nunca antes visto e que até mesmo podem falar com as estrelas. Os contos variam dependendo da região, mas a verdade é que, esse povo é de fato incomum.

-Trabalho?...- A dona do bar apanhou o dinheiro, deu um trago em seu cigarro e pensou bem -Bom... Tenho uns pedidos... Tem um pessoal que precisa de um trato...

-Pode ir parando!- A jovem a interrompeu -Você sabe que eu não "cuido" de gente.

-Eu sei, eu sei. Mas aí você me complica...- A velha apanhou uma garrafa da estante atrás dela e serviu um copo de bebida à garota. Um licor de cor clara, um leve tom cereja, porém, embora parecesse inofensível, o cheiro forte do álcool ainda assim incomodou a jovem

-E eu também não bebo. Eu só tenho dezessete!

-E daí? Não tem guardas aqui no deserto- A mulher tinha um ponto. Naquela área a única lei prevalecente era a da mais forte, sendo que nesse caso, ele era o poder coletivo das pessoas da região, que resolveram se estabelecer naquele talvez prospero lugar, formando assim uma pequena cidade de foras-da-lei e mineradores, que desbravam os deserto em busca de especiarias e minérios

-Ficar bêbada arruinaria minha pontaria. Então, não, obrigada- A velha suspirou

-Que chata, hein, sua pontaria seria bem melhor se comprasse um revólver ao invés de ficar apegada a esse arco velho- A mulher bebeu o conteúdo do copo de um só vez -Argh! Que gosto horrível!- Ruby riu

-Esse arco, pra mim, vale mais que qualquer tambor de ferro ou bala de chumbo! Agora me arrume um trabalho

-Quanta pressa... Que tal isso... Não é um trabalho, mas, talvez uma oportunidade...- Novamente, ao tragar seu cigarro, a mulher levantava a expectativas da jovem

-DIGA LOGO, MULHER!

-Eu ouvi dizer que vai ter um evento em Pohsilga. No Coliseu, conhece?

-Claro que sim!- O reino de Pohsilga era bem conhecido dentre os foras-da-lei. Muitos ali creem que podem conseguir uma vida melhor caso visitem o coliseu. Embora seja um trabalho duro, viver como um gladiador era uma vida invejável, assim como a de uma celebridade

-Então, parece que vários aventureiros aspirantes e até mesmo alguns já experientes estarão lá

-Carregando armas e dinheiro, é o que você quer dizer...

-Sim. Um prato cheio para uma ladra como você- Ruby sorriu, empolgada

-Obrigado, vou passar um tempo na cidade, depois eu volto aqui- "Além de roubar algo, eu posso aproveitar para me divertir na cidade grande...", a garota curtiu a ideia, ter uma desculpa para visitar um reino tão bem estabelecido parecia bom demais para ser verdade. Nesse momento, a gatuna já podia se imaginar em uma vida de luxo.

-Aqui estão seus documentos...- A velha colocou algo sobre o balcão. Uma espécie de carteira, com não mais que quatro folhas, repletas de informações sobre a Ruby

-... Huh... Então é para isso que você precisava tirar uma foto minha... Podia ter me avisado antes... EU FIQUEI MUITO FEIA NESSA AQUI!- Por não saber para que as fotos eram necessárias, a garota cometeu o erro de fazer careta em todas que tirou, o que agora a deixou com nada mais do que uma documentação digna de piadas

-Bom. Aí não é culpa minha... De qualquer forma, quando pedirem sua documentação, você faz assim:- A mulher abriu a carteira ao lado de seu rosto, de forma que, a foto de Ruby ficasse alinhada com ela, e em seguida, imitou a careta que a garota fez, mirando seus dois olhos um para o outro e mordendo o lábio superior com a arcada dentária inferior

-O qu- Ruby não segurou o riso, gargalhando até que lacrimejar -Para com isso- A garota continuou a rir, até não aguentar mais

-Aqui, cuide bem dele. Foi caro pra fazer um desses- A garota agora tinha seus documentos em mão

-Pera aí... O que isso significa? Star... Starcovich?...

-Ah, sim! Gostou? Eu que escolhi... Você não tem um sobrenome, então eu escolhi um!

-Eu amei! Ruby Starcovich... Até o jeito que soa é legal!

-Agora vaza daqui! Vai trabalhar, vai.- A velha dispensou a garota, pois começou a se sentir meio que emocionada

-Okay! 

-Trate de voltar viva, ouviu?

-Morta é que eu não vou voltar...

A jovem se afastou do balcão, cumprimentando seus conhecidos, trocando algumas poucas palavras com eles, coisas irrelevantes, como: "E a família?", ou algo sobre o tempo, porém, houve alguém que chamou a atenção da garota com algo. "Ei, Ruby", um homem a chamou. De pele esverdeada e feição quase que suína -com duas presas saltando para fora de sua boca-, o Orc de longos cabelos trançados e porte parrudo, a fez uma pergunta estranha: "Você por acaso tem algum irmão?", foi o que perguntara, de forma até que casual, porém, ao ver a reação de espanto da jovem, ele logo se explicou, "É que passou um rapaz aqui mais cedo... Qual era mesmo o nome dele? Era algo com 'J'...", o homem indagou a seus companheiros, "Bom, ele estava te procurando, perguntou por você, mas como a gente não o conhecia, dizemos que você só voltaria daqui uma semana...".

-ME AVISASSE ANTES!- a garota gritou assustada -Mas... Bom trabalho me acobertando!- Ruby correu até o balcão -Me empresta a sua lata-velha!- Foi o que pediu à dona, inquieta, com medo estampado em seu olhar

-Ei...- A dona da taverna estava assustada com a pressa que a menina tinha -O que houve? 

-Melhor... E alugo ela... Aqui, toma isso- Batendo a mão sobre o balcão, Ruby deixou mais três daquelas pedras brilhantes como pagamento

-CARAMBA!- A mulher foi surpresa pela quantidade de dinheiro ali a sua frente -Pode levar...- Entregando suas chaves à garota, a velha sentia um peso em seu peito -Ei, Ruby... Você vai voltar?...- Os olhos da garota perderam o brilho ao ouvir aquilo, ela não mais conseguia encarar sua velha amiga -Entendi. Se cuide.

Ao apanhar as chave, a garota correu até a porta sem olhar para trás e ao sair, imediatamente sentiu um arrepio lhe subir pela espinha. Ela arregalou os olhos ao perceber que alguém a observava das sombras, a espreita, talvez esperando para atacar. Seu coração disparou no mesmo instante, a adrenalina correu por suas veias, e o medo a fez suar frio. No fim, fugir era sua única escolha.

Uma tempestade de areia se aproximava enquanto Ruby corria até os fundos da taverna, com chaves em mão, ela foi breve ao subir no mais precioso bem que a dona do velho estabelecimento possuiu. Uma velha motocicleta adaptado para aquela região, que usava um poderoso cristal como combustível. A garota logo atochou a chave na ignição e ligou o veículo, a explosão na câmara do motor mais parecia um tiro, e o cantar dos pneus o grito de uma fera. 

A moto era rápida até demais, sua aceleração era tamanha que ela quase seguiu caminho sem a piloto, contudo, agora sobre controle do veículo, Ruby fugia sem olhar para trás, girando o acelerador o máximo que podia, sentindo os pequenos grãos de areia baterem sobre sua face e sobre o óculos que cobriam seus olhos, enquanto a velha caruagem de ferro tremia sob sua virilha, como se estivesse prestes a se despedaçar.

 A tempestade que estava prestes a começar a acobertaria, um minuto de atraso poderia ter sido fatal para Ruby.

-O que faremos? Ela fugiu. Com essa tempestade vai ficar difícil de saber para onde ela foi- Dizia um homem que se ocultava nas sobras de uma das casas daquela pequena cidade em meio a imensidão dourada e árida dos desertos de Hunterra

-Nada tema...- Dizia o outro, ao caminhar para fora do beco, se expondo ao sol e revelando suas feições, sua pele escura como nenhuma outra, e seus olhos de cor incomum. Outra criança da noite ali estava -Ela saiu daquela taverna...- Disse, ao apontar -Basta perguntarmos com jeitinho e eles nos dirão aonde ela foi...

O que aconteceu então, começou assim como uma piada, com dois homens adentrando um bar, porém, terminou como uma lenda ou conto de terror, já que, naquele dia, uma até que povoada cidade em meio ao deserto, desapareceu do mapa, sem deixar rastros.

"No que eu estava pensando?", Ruby se indagava, o som dos pistões do veículo e do vento que assobiava em seus ouvidos não a deixava escutar seus próprio soluços, sua visão fora embaçada por suas lágrimas, a garota agora era afogada em medo e tristeza, porém, ela ainda assim continuava em frente, seguindo o último trabalho que lhe foi dado, a oportunidade que ainda tinha. "Com o dinheiro que eu conseguir, eu posso deixar esse continente!", foi o que pensou, se agarrando de forma otimista a essa última fagulha de esperança.

O terreno foi mudando com o cair da noite, a garota já havia percorrido o deserto e agora atravessava o sertão. A areia deu lugar ao solo de barro seco e rachado, e as pequenas cidades espalhadas pelas planícies douradas, deram espaço para míseros barracos no meio do nada. Ruby ficou espantada pela simplicidade do lugar, que em muito se diferenciava das grandes cidades com que fazia divisa, porém isso era óbvio para aqueles que ali moravam, já que não havia rei para cuidar do povo, e mal havia o que comer, pois nenhuma planta crescia devido à falta de água e nenhum animal sobrevivia ao calor do sol e à sede.

A noite caiu e a luz amarelada emanada pelo farol do veículo era a única coisa que mostrava o caminho a Ruby, que em breve chegaria a um reino chamado "Thatcher" -que faz divisa com Jaci e Pohsilga-, contudo, aos poucos se tornava cada vez mais difícil manter os olhos na estrada, a cabeça da jovem ao pouco pendia para baixo, suas pálpebras lutavam para se manterem abertas, e sua consciência ao poucos lhe fugia, fazendo assim, com que ela precisasse parar para descansar, sua jornada teve uma pequena pausa.

Voltando a Jaci; Vitória -agora em seu quarto-, contava o suado dinheiro que ganhara com seu trabalho duro, "Finalmente!", ela exclamou ao ver que conseguira juntar o suficiente para pagar suas dívidas, contudo, ainda faltava o dinheiro da taxa do evento, e isso a preocupou. "Tenho que voltar ao trabalho", foi o que disse a si mesma, "Ou... Eu posso esquecer minhas dívidas e fugir desse país com esse dinheiro... Hmmm, tentador...", ela ria de forma até que infantil, caçoando dessa possibilidade, quando uma voz soou em seu ouvido, a surpreendendo

-Que história é essa?- Aquele timbre era muito que familiar, Vitória reconheceu a voz de Esperança de imediato

-É só brincadeira!- A ruiva riu -Aliás, que bom que você apareceu!

-Eu não vou te emprestar dinheiro- A irmã mais velha foi direta

-...- O descontentamento estava visível na expressão da garota, ela já não tinha mais nada a dizer -Então, Tchau! Deixa você também. Quando for me pedir ajuda eu vou fazer questão de não aceitar!

-Eu não vou te emprestar, por que você nunca me paga! E além disso, eu tenho algo para te contar...- A princesa parecia séria

-Ui! Vamos fofocar?- A pequena riu e se jogou na cama, esperando as novidades

-Ah, não exatamente... Eu queria te fazer uma pergunta... Talvez possa ser meio estranha e tal...- Esperança estava séria até demais

-Se você vir com um daqueles papos estranhos de novo eu te expulso daqui, hein!- Vitória se referia às vezes em que Esperança fazia perguntas como: "E os namoradinhos?...", curiosa sobre os relacionamentos que sua protegida poderia ter

-Você... Ainda tem aqueles sonhos?- A ruiva ficou surpresa, o assunto em muito se diferia do que imaginara

-Sim. Eu ainda tenho aquele sonho...- A anãzinha viu pesar e preocupação nos olhos de sua irmã -Por que pergunta?

-Você pode me contar sobre eles?- Esperança se sentou sobre a cama, logo ao lado de sua irmã

-Bom... Eu me lembro que é quente... E...- A pequena aparentava estar incomodada, desviando o olhar, enrolando seus cabelos com a ponta dos dedos -Bom... É quente.

-Vitória... Eu tenho que te contar uma coisa...- A segunda princesa se lembrava das palavras de seu pai, havia algo que agora apenas os dois tinham conhecimento sobre. Mas ela não podia aceitar que a ruiva não soubesse de algo que a convém

-O quê? Eu sou adotada?!- A pequena fingiu surpresa, rindo em seguida, porém, Esperança não riu, não havia nada exceto preocupação em seu rosto -O que foi?- Ela agora ria de nervoso -Você tá me assustando...

-O nosso pai me contou uma história... E agora eu preciso contar para você...

A ruiva atentou seus ouvidos e escutou em silêncio, enquanto sua irmã, de cabeça baixa lhe contava que seu pai lhe contara, uma história de quinze anos atrás, que Vitória no começo pensou que pudesse ser uma piada, mas ao notar a semelhança que ela tinha com seus sonhos, percebeu que era sério. Um conto que de tão absurdo, poderia se tornar até mesmo algum tipo de lenda, que inspiraria bardos em tavernas de todo mundo a tocarem seus alaúdes de forma dramática, para dizer a todos o quão terrível foi o evento que começou dessa forma:

Dos céus, uma enorme criatura um dia surgiu, planando sobre as geladas terras ao norte de Hunterra. Seus enormes olhos de iris azuis e esclera negra, fitavam a cidade abaixo, um populoso centro comercial na região, cuja as minas de carvão e alumínio sustentavam diversas famílias. Contudo, as pessoas que ali viviam tranquilamente, provaram o gosto do terror ao admirar o céu noturno e verem aquela silhueta negra sendo destacada pelas luzes noturnas, revelando o contorno de suas grossas escamas, e o formato de suas garras afiadas. Nesse pequeno instante de clareza, quando os moradores se deram conta do perigo, não houveram gritos ou choro, mas sim presses, todos uniram suas mãos, cruzando seus dedos, e então, entoando um cântico em suas mentes, "Louvada seja Morte, senhora que rege o tempo e destino, eu não sou tolo de desejar a vida eterna, mas por favor, que eu possa viver mais um dia...", os crentes chamavam por sua deusa, porém, ela tapou seus ouvidos naquele dia.

Com em um anúncio de guerra, a fera liberou um estridente rugido, o chão tremeu e as casas de pedras ciclópicas começaram a vir ao chão. A enorme criatura, inspirou, acendendo as chamas em sua boca, abrindo sua mandíbula e mirando na praça abaixo. O fogo brilhou mesmo através de sua grossa carapaça, o brilho azulado das labaredas tornou suas costelas visíveis através de seu peitoral, e então, com essa visão foi que o povo encontrou seu fim, com o rugido do dragão, que disparou um feixe de luz anil, que explodiu em uma nuvem de brilho e calor ao atingir as construções abaixo.

"APAGUEM AS CHAMAS!", os guardas gritavam, "TIREM AS CRIANÇAS E MULHERES DAQUI!", era o que diziam ao puxar suas armas para enfrentar a fera, que ao pousar sobre as patas traseiras, deu a eles uma ideia de seu tamanho. O dragão negro era alto como a torre de um relógio, suas garras sozinhas já eram maiores que uma pessoa adulta, contudo, os homens não recuaram, lutaram com tudo o que podiam, até que encontraram seu fim ao ter seus torsos separados de suas pernas, ou suas cabeças decepadas .

Suas presas eram como lanças, e os ventos provocados por suas asas eram piores que uma tempestade, naquele lugar parecia não haver ninguém que pudesse enfrentar o monstro, que aparentava se divertir ao ver aqueles inferiores a ele perecerem, porém, enquanto a cidade se tornava cinzas ao ser alvejada inúmeras vezes pelo bafo de fogo da fera, um velho homem caminhou através das chamas como se estivesse em mais um dia comum. Sobre seus ombros, o couro escamoso de outra fera igual essa -com escamas avermelhadas como o sangue-, e em sua cintura, uma única espada, que logo fora desembainhada e apontada para o monstro.

Era tarde demais e o homem sabia disso, provavelmente não havia mais ninguém a ser salvo naquela cidade, mas mesmo assim, com furor em seus olhos, ele decidiu lutar, não por vingança, mas por dever, pois era sua obrigação como um aventureiro. Naquele dia, Joshua, se viu de frente com um terrível inimigo, uma ameaça sem igual, algo que seria um problema para o mundo se continuasse vivo, contudo, o rei nada temeu.

Com espada em mãos, o aventureiro avançou em direção ao confronto, enquanto assistia a fera escamosa novamente preparar seu rugido de fogo. O feixe de luz foi disparado, o ar quente se expandiu com um estrondo ensurdecedor, e as chamas logo cruzaram todo o caminho até o homem, que com o brandir de sua espada as empurrou de volta, liberando um corte de luz com o formato de uma lua minguante, que partiu as labaredas e as forçou para dentro da garganta da criatura, que cambaleou para trás, esbarrando em uma velha capela, a destruindo parcialmente, ao se escorar na mesma.

O dragão urrou de dor enquanto o homem caminhava, se aproximando a passos lentos, até parar a frente monstro, que o olhou de cima para baixo, fazendo seus olhares se encontrarem por um instante, antes de ambos partirem para o ataque. O grande terror negro, destacou as garras de sua pata direita e as estendeu na direção de seu alvo, pronto para o fazer em pedaços, todavia, nesse instante a fera viu algo que lhe fez hesitar. Atrás do homem, escondida em sua aura, uma figura pairava, um ser dourado se fazia ali presente, sua forma era a de um touro, cujos os chifres apontavam na direção de seu adversário. Vendo isso, o dragão entendeu que havia cruzado o caminho de um humano perigoso, contudo, não havia como fugir, pois esse pequeno serzinho inferior já havia desferido seu golpe. Um corte vertical ascendente, que ergueu um torre de luz que aos pouco ia se curvando para trás, novamente criando a figura de uma lua.

O peito da fera fora ferido, suas escamas fissuradas e um de seus olhos cortado ao meio, fazendo assim, seus espesso sangue jorrar para cima, enquanto o monstro entoava um profundo lamento, que fora ouvido apenas por Joshua, que se banhava naquela chuva escarlate que caía sobre ele, e por mais uma pessoa, que chorou ao sentir as pesadas gotas escorrerem sobre sua jovem pele. 

Afugentado, o dragão bateu asas o mais forte que pôde, na tentativa de afastar o homem, e tamanha era sua força, que o vento gerado fora suficiente para manter Joshua no lugar tempo o suficiente para que seu oponente fugisse. O monstro alçou voo, sangrando e derrotado, para longe do alcance de seu oponente, que agora gritava em busca de um sobrevivente. "ALGUÉM!?", ele bramiu, correndo pelas ruas da cidade, em busca de alguém ainda vivo, contudo, tudo o que encontrara fora corpo carbonizados ou esmagados por escombros.

Joshua acabou por voltar ao lugar onde feriu a fera, apenas para apanhar uma de suas escamas negras, a qual apertou em suas mãos, como quem fizera um juramento, ele decidiu que encontraria de novo esse monstro e o mataria, contudo, enquanto prometia isso aos céus, algo chegou aos seus ouvidos, um som que normalmente seria irritante, mas que nesse momento se tornou um alívio. O rei mal podia acreditar no que ouvia, suas surpresa e descrença estava estampada em seu rosto durante seu trajeto até o interior da igreja, onde claramente pôde escutar o choro de uma criança, um bebê que havia acabado de nascer, e que agora clamava por sua mãe, porém, o homem não o via, não havia nada ali, exceto os bancos de madeira destruídos, os vidrais despedaçados e o que sobrou do telhado após ele desabar.

O rei foi adentrando o grande salão da capela, seguindo o som do choro, que o levou a procurar por entre os escombros, removendo-os com pressa, até chegar à uma parte manchada de vermelho, pintada pelo sangue da fera. E foi lá que ele -ao remover as telhas e tijolos-, encontrou, uma jovem caída, já sem vida. O coração de Joshua apertou, a tristeza que sentia no momento era demais, contudo, o homem não tinha tempo para se lamentar, pois o choro continuava.

Um recém-nascido sobrevivera, protegida pelo já frio corpo de sua progenitora, chorando em busca de alguém que o confortasse, e esse conforto veio do colo do aventureiro, que o apanhou com cuidado, derramando lágrimas sobre seu frágil corpo, que também fora manchado pelo sangue da fera. Joshua tentou limpar os restos do dragão, usando uma velha flanela que levava consigo, porém, essa foi uma ação vã. O homem assistiu ao momento em que aquele líquido escarlate secou sobre a pele da pequena criança de cabelos vermelhos, selando assim seu destino.

"Não...", O rei lamentava, "Por favor, não....", ele esfregava as manchas de sangue, porém, já era tarde demais. A criança havia sido tingida pela fera, e agora, no presente, ela ouvia essa mesma história, sem entender ao certo o que isso significava.

-INCRÍVEL!- Vitória entoou, empolgadíssima, sacudindo seus braços, com um brilho em seus olhos -Nosso pai é incrível, né? Afugentou um dragãozão daqueles. Poxa, eu quero logo sair pra lutar com um também. Pegar ele assim pela cabeça, assim com toda minha força e...

-Vitória.- Esperança calou a garota, seus olhos estavam vazios. A princesa agora passava por um dos piores momentos em sua vida -Você sabe o que significa ser...- Ela sentiu um peso em seu peito ao tentar dizer essa palavra -Manchada?...

-Sei lá. Bom, se for algo ruim eu to ferrada, certo? Aquela garota da história só pode ser eu, né?- Ela riu -Essa não, será que eu peguei alguma doença estranha... É isso que você quer dizer? Eca, aids de dragão...

-Não... Não é uma doença... "É pior que isso"...- A princesa acabou por sussurrar a segunda metade

-O quê?- Esperança não conseguia dizer. Com sua testa franzida, mordendo seus lábios em frustração, a princesa abaixou a cabeça, cerrando seus punhos, sem forças para por em palavras aquilo que precisava ser dito

-Não... Não é nada...

-Ufa!... Mas, por que você me contou isso agora?

-Eh?! Você não queria saber...?

-Não. Eu não me importo nem um pouco... Bom, pelo menos eu sei de onde vem aqueles pesadelos... Olhando para trás agora, eles se tornaram menos assustadores agora que sei a verdade

-Que bom... Pelos menos ajudou em algo. Ah! Vivi. Não conte isso para ninguém, okay?

-Por quê?

-Só não diga nada. Entendeu?- Esperança estava preocupada, com a mão em seu peito, sentindo uma dor enorme ao ver que sua irmãzinha não fazia ideia da verdade

-Você quem manda!- Vitória riu, sem entender a preocupação que sua irmã tinha.

Ao deixar o quarto da pequena, Esperança novamente se sentiu frustrada, como se sofrera uma enorme derrota, e de fato isso foi o que aconteceu, seu objetivo principal não foi atingido, Vitória ainda assim continua ignorante sobre sua própria natureza, enquanto a segunda princesa sofria sozinha o peso de saber a verdade. Logo, a princesa fez questão de contar a mesma história à suas outras irmãs, inclusive Aurora.

"Mentira...", Graça ficou incrédula, ao ouvir aquelas palavras, suas pernas perderam a força e a imbatível princesa soldado veio de joelhos ao chão, "Isso não tem graça, irmã... Diga que é brincadeira!", Esperança não negou nada, "Essa não...", a princesa soldado teve dificuldades em aceitar aquilo;

"Vivi...", Glória também estava chocada, ela nunca teria imaginado que tamanha desgraça pudesse recair sobre alguém tão próximo a ela, porém, ao olhar para Aurora, a princesa entendeu que -desde o começo- essa família fora amaldiçoada com infortúnio;

"...", Isabela nada disse, porém, sua expressão já fora resposta o suficiente. Abraçada a uma almofada, a garota se prostrou de tristeza, lutando para conter suas lágrimas. Desde o início, a quinta princesa manteve uma relação de amizade com Vitória, as duas se ajudavam sempre que possível, e a tímida princesa era grata por isso;

"Então...", Por último, Aurora fez sua voz ser ouvida, "por que ela está viva?...", a mesma perguntou isso de forma séria.

-O que quer dizer com isso?- Esperança a questionou

-Digo...- Aurora foi breve a se explicar -Um recém-nascido manchado tem que ser morto na hora. Essa é uma das regras que segue os aventureiros... Mas ainda assim. Nosso pai, um aventureiro, não só deixou uma criança dessas viva, como ainda a adotou- Ao ouvirem isso, ambas (Esperança e Graça) se alteraram 

-O QUE ESTÁ DIZENDO? VOCÊ QUERIA QUE ELA FOSSE MORTA?- A segunda princesa gritou, irritada

-Errado. Não ponha palavras na minha boca. Você sabe que o que eu digo é verdade. As lendas são verdadeiras, irmã... Aqueles que são manchados após seu nascimento...- Aurora nem sequer pôde terminar sua frase, pois Esperança já caminhava em sua direção, com punhos cerrados e raiva no olhos, contudo, Graça a impediu.

-PARE, IRMÃ!- A rechonchuda gritou -Se você bater nela, é capaz que ela morra...- Esperança recuperou seu raciocínio, e logo desviou seu olhar, envergonhada de ter perdido a paciência.

O maior problema é que, o que Aurora dizia era verdade e as princesas sabiam disso, porém, por se tratar de uma de suas irmãs elas negavam esse fato. Vitória realmente deveria estar morta, mesmo que não fosse mais uma criança, caso algum aventureiro descubra o fato de ela ter sido manchada, seria sua obrigação tirar a vida da garota, assim como manda o grimório de regras. Tudo isso devido ao poder que o sangue das feras carrega, poder esse que, quando absorvido por um adulto, pode torná-lo ainda mais forte, fazendo-o superar os limites de sua carne, porém, quando absorvido por uma criança que acabara de nascer, a amaldiçoa de tal forma que ser morta é a forma mais rápida de acabar com seu sofrimento e com a destruição que ela poderia causar. Ter sido tingida pelo sangue da fera -para Vitória-, só significava uma coisa: Em breve, a própria ruiva se tornaria um monstro por natureza. Sua personalidade será esmagada e ela deixará de ser quem é, se tornado uma abominação escamosa e cruel, que superará seu próprio criador. Joshua sabia disso, mais ainda assim, naquele momento, com suas mãos em volta do pescoço da criança, ele não pôde matá-la, lhe faltou a força necessária para fazer tal coisa e, até mesmo Rebecca -sua esposa- sentiu dó da pequena ruiva, também a poupando.

Embora a própria Vitória não se importasse com isso -afinal não entendia a seriedade da situação-, Graça ainda não podia aceitar, seu medo agora crescera, a deixando em um estado de pânico, andando de um lado para o outro em seu quarto, roendo as unhas de seus dedos até sentir o sangue escorrer por seu lábios. Inquieta, a mulher acabou por tomar uma decisão precipitada, correndo ao quarto da ruiva para chamá-la, ignorando tudo em seu caminho, apenas com uma coisa em mente: "ELA NÃO VAI SAIR DAQUI!", não mais importavam os sonhos de sua irmã, não mais importava sua força, a terceira princesa continuaria a proteger-la como podia, pois, essa era a única forma de pagar pelo erros que cometera, embora ninguém nunca a tenha cobrado.

Enquanto se aproximava do quarto, a princesa sentiu uma velha dor voltar ao seu peito. Deslizando seus dedos sobre seu torso, podia sentir o alto relevo de uma velha cicatriz, que agora ardia enquanto ela se lembrava daquele evento fatídico. As memórias de Graça a levaram para um dia de tempestade, quando as estrelas estavam encobertas e o único som que podia ser ouvidos eram o dos trovões e os seus soluços. A dor do luto fora demais para suportar, a terceira princesa sentia falta de sua mãe, e por isso, chorava a todo momento, até se cansar e cair no sono. Ao acordar, a pequena logo se lembrava do que acontecera, e novamente entrava em prantos. Essa é uma história que aconteceu a dez anos atrás, quando as gêmeas não tinham mais do que oito ano de idade.

Graça ainda se lembrava do que uma das empregadas lhe havia dito, ao vê-la chorar: "Senhorita...", dizia ela, "Se sentir saudades de vossa mãe, vá lá fora e olhe as estrelas... Se uma delas brilhar um pouco mais forte para você, é sua mãe lhe dizendo 'oi'...". Essas palavras se fixaram na mente da pequena, de tal forma que isso era basicamente a única coisa que fazia. Durante o dia a garota chorava e durante a noite a mesma chorava um pouco mais, porém, com seus olhos fixados no céu acima, esperando por um sinal que possa vir de sua mãe. Contudo, houve noites em que o brilho dos astros celestes foram cobertos pelas nuvens, houveram noites de chuva, e claro, uma noite de tempestade chegou após algum tempo.

E então, a garota, que se sentou do lado de fora, sobre a muralha, vigiando o céu acima, esperando pela volta das estrelas, sob a forte chuva e ventos que a empurravam sem dó, não pôde imaginar o desfecho que seus atos teriam. "irmã!", uma voz soou próxima à garota. Era Glória que corria a procura de sua gêmea.

-O que está fazendo aqui? Vamos rápido para dentro!- Glória, ensopada pela chuva, tremia de frio ao chamar sua irmã

-Não...- Graça resmungou, emburrada, com o nariz escorrendo e o rosto vermelho de tanto chorar

-Por quê?- A princesa se agachou agachou próxima à sua irmã

-Estou esperando... As estrelas voltarem...- Como em um preságio, um trovão ecoou ao longe

-Deixa disso, vamos para dentro. As estrelas não vão voltar hoje. Se ficar aqui fora vai acabar resfriada

-Me deixa!- A mais velha das gêmeas se irritou -Eu não pedi pra você ficar preocupada comigo! Some daqui! Não me atrapalha!- A luz dos relâmpagos acentuaram o brilho das lágrimas nos olhos castanhos da princesa

-Qual é o seu problema? Eu sou sua irmã!- O som ensurdecedor da tempestade continuava

-E daí?! Você não nasceu grudada em mim! Me esquece. Eu não saio daqui até ela me dizer "oi"!

-Huh?- Glória estava confusa -Quem?

-... A cozinheira me disse... Que se um estrela brilha pra mim... Quer dizer que é a mamãe dizendo... "Oi"...- Graça ficou envergonhada ao ouvir Glória rir

-Que besteira!

-NÃO RIA!

-Tá bem então. Você quer conversar com a mamãe, certo? Então que tal se hoje, ao invés dela, você conversar comigo?

-Por que eu faria isso?

-Hoje você conversa comigo, e amanhã eu venho conversar com a mamãe junto com você!- Glória sorriu, estendendo a mão até sua irmã, que naquele momento sentiu seu coração ser tocado, e que pela primeira vez entendeu que ela não estava sozinha, ela tinha suas irmãs com ela, e mesmo que tenha perdido sua mãe, ainda havia com quem conversar.

-Tá bom!- Graça riu, com um grande sorriso que mostrava os dentes, enquanto apertava a mão de sua gêmea, que também ria de forma afável

Foi então que, o destino tomou um caminho estranho, na forma de um fulgor de luz e calor, que caiu junto com as gotas de chuva, viajando pela umidade do ar, até atingir a terceira princesa, atravessando seu corpo, queimando tudo em seu caminho e então passando para a irmã que segurava sua mão, para no fim, ir para o solo através de seus pés. As duas ficaram de pé por um instante, até que em seguida despencaram no chão de pedra molhada. Graça se lembra de sentir o sangue em sua garganta e o calor em seu abdômen, era quase como se seus órgãos tivessem sido cozinhados, seu corpo inteiro doía, sua pele ardia como se ela estivesse em chamas, seus ouvidos zumbiam, e sua visão nem sequer funcionava mais. Perdida em meio a escuridão e ao silêncio, a garotinha se perguntava pela situação de sua gêmea, pois naquele momento, a pequena princesa não se importava em morrer, desde aquela próxima a ela pudesse sobreviver.

Agora, se lembrando disso, a princesa hesitou por um momento, parando no meio do caminho, revivendo o momento em que acordou na enfermaria. O cheiro do Éter se misturou com o do sangue que manchava seus curativos. A princesa mal conseguia se manter acordada, mas ainda assim, sua irmã não lhe saia da cabeça. Ela procurou pelo cômodo, olhando em volta com preocupação, mas a pequena não viu nada além dos médicos e enfermeiras. "Ela acordou!", um dos médicos exclamou com alegria tais palavras de esperança, "Que bom!" as enfermeira entoaram em coro, "No fim, as duas sobreviveram!", essas palavras alegraram a garota, que novamente perdeu a consciência.

Em seu corpo, feridas permanentes foram deixadas, cicatrizes que cobrem seu peito e costas, que se ramificam sobre sua pele como verdadeiros raios, assim como em Glória, que teve os pés desfigurados pela descarga de energia. No fim, Graça perdeu parte de sua audição no ouvido esquerdo, porém seus olhos não sofreram danos permanentes. Contudo, a maior ferida que sofrera fora em seus ideais. A princesa continuava envergonhada pelo acontecido, se culpando cada dia mais, esses sentimentos negativos continuavam a crescer dentro dela e por isso ela não podia aceitar os desejos de Vitória. A terceira princesa não aguentaria ver outra de suas irmãs se ferir por sua causa.

"Tudo bem se eu estiver sendo infantil...", Graça pensou consigo, "eu não me importo se eu estiver apenas sendo medrosa. Eu não quero mais me afogar em arrependimento!", com isso em mente ela avançou, a passos apressados em direção ao quarto de sua irmã, sem nenhuma intenção de voltar atrás com o que havia decidido. Porém, seus planos foram por água abaixo ao bater na porta do quarto da ruiva e não receber nenhuma resposta.

-Ei! Vitória!- Graça gritou frente a porta, mas não houve resposta -Estou entrando!- A princesa se surpreendeu ao girar a maçaneta e ver a porta destrancada -Vitória...?- A preocupada irmã mais velha, procurou pela pequena, mas ao olhar em volta, ela não a viu, até que, adentrou o quarto e acabou por tropeçar em algo, vindo ao chão de forma brusca

-"Hmmm... Eu... Cuido disso..."- Graça ouviu alguém murmurando algumas palavras sem sentido

-Vitória?- Ao olhar para seus pés, ela viu que, a ruiva esteve ali o tempo todo, deitada no chão, rolando de um lado para o outro, sonhando com algo

-"Aqui..."- A pequena continuava a murmurar, o que deixou sua irmã curiosa

-Ela... Está tendo um sonho normal?- Graça estava perplexa

-"Tome!"- Vitória movia seus braços e sacudia suas pernas enquanto dormia, e sua irmã que assistia acabou por perder a compostura

-O que está fazendo?- Ela perguntou, ao tirar a garota desacordada do chão, a pegando no colo e colocando novamente sobre a cama, para então cobri-la com o cobertor que havia caído.

Sem coragem para acordá-la Graça decidiu deixar um bilhete para sua irmã, encima de sua cômoda, com uma pequena mensagem escrita, não mais que algumas poucas linhas, dizendo: "Eu te desafio! Uma luta de verdade. Amanhã de manhã, traga suas armas e me encontre no pátio. Assinado: Graça❤". A princesa deixou ali o recado, meio incerta de que aquilo seria o suficiente. "Assim está bom? Espero que ela entenda... Será que o coração foi demais?...", de qualquer forma, sua parte já havia sido feita, agora só restava que Vitória aceitasse o desafio.

Contudo, o próprio universo parecia estar contra Graça, pois ao fechar a porta escancarada do quarto de Vitória ao sair, a garota gerou uma pequena brisa com o movimento rápido que fizera, e essa foi o suficiente para soprar os papéis que estavam no quarto, inclusive o bilhete que ela havia deixado, o fazendo se perder entre a bagunça espalhada pelo chão.

No próximo dia, logo cedo, o sol esquentava o solo, porém, o seu calor não era nada comparado ao do sangue da princesa soldado, que fervia, pulsando nas artérias saltadas em sua testa. "ELA NÃO VEIO!", indignada estava Graça, que já esperava a pelo menos uma hora, de pé no meio do pátio, de lança na mão e armadura vestida, já furiosa pela ausência de sua irmãzinha, que nesse momento, continuava sua rotina sem nenhuma preocupação.

Rodando a cidade, em busca de trabalho, Vitória sentia um arrepio subir sua espinha, sem saber que esse mal agouro vinha de sua irmã, que se sentiu traída ao ter seu desafio ignorado. Contudo, a ruiva continuou seu caminho sem se importar, perguntando em toda loja que encontrava, se eles precisariam de algum funcionário, o que novamente a levou àquela cafeteria, onde a dona -Sra. Andrêssa- logo lhe deu a má notícia. "Pra uma adolescente, você tem dívidas até demais!", a patroa estava impressionada, tanto com a força de vontade da garota, quando com o infortúnio que a acompanhava, "pena que, como você disse que no próximo dia seria seu treinamento, eu acabei por contratar outra pessoa...".

Vitória ficou irritada com sua falta de sorte, mas o que realmente a tirou do sério, foi ver o novo empregado se aproximando, saindo da cozinha, amarrando o avental em volta de sua cintura. Uma criança, baixa e bem mais jovem que a ruiva, usando uma boina sobre a cabeça, com um expressão cheia de marra. A princesa o reconheceu no mesmo instante, era impossível não se lembrar daquela figura caricata, porém, era difícil acreditar que, Ghost havia arrumado um emprego.

-AH!- O rapaz se assustou -VIVI??!

-Ora, ora... Esse mundo é pequeno mesmo...- Vitória já estralava os dedos, de punhos cerrados ela se aproximava da criança, enquanto a patroa observava, sem entender nada

-Veja bem... Vamos deixar a violência de lado e vamos conversar...

-E quem foi que falou em violência? O que vai rolar aqui é apenas um acerto de contas- A garota se aproximou do rapaz, ficando de frente para ele, e mesmo sendo baixinha, ela ainda conseguia encarar aquela criança de cima. Seus olhares se cruzaram e Ghost podia ver o brilho sinistro que emanava dos de Vitória, a garota estava realmente motivada

-O que você vai fazer?... Ei! Patroa, me ajuda! Chama os Guardas!- A dona Andrêssa sacudiu a cabeça, ela não queria se envolver nesse assunto

-Você queria que eu apanhasse pra você ficar com o dinheiro... Nada mais justo que você passar pelo o que eu passei...

-ESPERA! Não é assim também... Eu não ia fugir com o dinheiro! Depois que você tomasse a surra, eu iria dividir o dinheiro entre a gente!- Vitória olhou bem para a cara de Ghost, e não viu mentira nos olhos do rapazinho

-...- A princesa suspirou, já sem vontade de implicar com o garoto, porém, ainda um pouco irritada -Tudo bem... Vou esquecer tudo aquilo...

-Oh! Você até que é bem madura!- Vitória empinou o nariz ao ouvir o elogio

-Claro que sim! Quem você pensa que eu sou?

-Hmmm, eu sei lá. Pelo menos você não é só uma trombadinha qualquer!- A ruiva havia se esquecido de que o garoto não a conhecia de verdade

-Agora escute aqui! Eu gosto dessa loja, então faça questão de trabalhar direito, okay?!

-Certo!

-Não roube nada, ouviu?

-EU NÃO SOU UM LADRÃO!!!- Ghost estava começando a se irritar, "que mulher pentelho, essa aí...", porém ele mantinha um sorriso enquanto a xingava mentalmente

-E mais uma coisa: É proibido usar boné dentro da loja!- Foi o que a princesa exclamou, ao retirar a boina do garoto sem aviso prévio -Ah!

A surpresa da ruiva e da dona da loja ficou óbvia nas suas expressões de espanto, quando a boina foi retirada e os longos cabelos de Ghost caíram sobre sua face e ombros, chegando à altura de seu peitoral. A situação havia mudado de figura, agora, olhando a face da criança, nenhuma das duas mulheres ali presentes conseguiam a enxergar como um menino.

-ME DEVOLVA!- Ghost atentou por apanhar a boina de volta, mas Vitória ergueu sua mão, estendendo seu braço a uma altura que a criança não alcançaria. "Então é assim que eles se sentem ao fazer isso comigo?", ela pensou

-Calma, calma...- Vitória afastou o antes garoto e logo em seguida, fez algo um tanto quando estranho -Deixa eu ver...- Ela apalpou a menina, esfregando a palma de sua mão contra o peito dela -Hmm, não tem nada aqui... Você é uma garota, certo?

-GAH! O QUÊ? TIRA A MÃO! QUAL O SEU PROBLEMA? CLARO QUE NÃO TEM NADA! OLHA A MINHA IDADE! E VOCÊ NÃO PODE FALAR NADA!- Ghost deu o troco -VOCÊ É BEM MAIS VELHA E TAMBÉM NÃO TEM NADA! O QUE É ISSO, VOCÊ NÃO TEM VERGONHA DESSAS CASQUINHAS DE SORVETE AQUI NÃO, É?!!- Vitória fez questão de dar um cascudo na criança

-Que mal educada!

-VOCÊ QUE É! DEVOLVE O MEU CHAPÉU!

-Aqui!- A garota jogou a boina de volta para sua dona, que de forma apressada, novamente escondeu seus cabelos sobre ela -Mas assim: Se você quer esconder que é uma menina. Não seria mais fácil cortar os cabelos?

-É por isso que eu to trabalhando! Não me atrapalhe!- Ghost estava furiosa com a princesa

-Não seja por isso! Eu corto eles pra você! Eu sempre cortei meus próprios cabelos, pode-se dizer que eu levo jeito para a coisa!

-Não, obrigado!- Ao ver o penteado de Vitória, Ghost cordialmente rejeitou a oferta

-Gerente?- A ruiva chamou pela dona da cafeteria -Eu posso pegar ela emprestada por uns instantes?

-"Diga que não"- A criança sussurrava, contudo, a resposta da dona foi um sinal de positivo -"AAAAAAAAAAAAH!"- foi como a pobre garotinha de rua gritou ao ser arrastada por Vitória

-Fala sério, você é bem escandalosa...

-CLARO! ISSO É UM SEQUESTRO!

-Você errou a palavra... "Resgate", é isso que quis dizer, né?- A princesa riu, caçoando da garota

-IDIOTA! DAONDE QUE...- Ghost enfim percebeu algo crucial. Enquanto Vitória a arrastava, ela acabou por olhar em volta, e foi então que notou o ambiente mudando, elas estavam indo cada vez mais fundo em direção ao território nobre, ao invés de ir para as favelas -Ei... Você por acaso é rica?!- A garota estava sinceramente assustada

-Não... Eu sou tão pobre quanto você...- Ghost suspirou aliviada -Mas a minha família é cheia da grana

-ISSO É O MESMO QUE SER RICA!!!- "Essa não...", A garotinha começou a se arrepender de ter conhecido a ruiva, "parece que eu me meti com alguém perigosa. Não basta ela ser louca, ela também é burguesa!".

Ghost já estava espantada o suficiente, tanto que, ao ver a ruiva adentrar o castelo, sua reação foi simplesmente aceitar, "Ah, ela trabalha no castelo...". Nada parecia fazer sentido, até que então, um dos guardas veio falar com a ruiva, dizendo coisas que faziam ainda menos sentido para a menina de rua. "Ei, Vitória!", dizia o homem de armadura, "Por onde andou? A princesa Graça andou te procurando!", ouvindo isso, a própria ruiva ficou confusa.

-Eh?... Eu esqueci o treinamento?...- Ela se perguntou -Não! Eu avisei que iria faltar hoje... Eu acho...

-Eu não sei o que foi, mas ela parece irritada. Você não deveria deixar sua irmã esperando. Vai logo!- O guarda a deu esse concelho -A propósito... Quem é esse garoto que você tá arrastando?

-Um amigo. Mantenha isso em segredo.

-Hm... Certo, agora vá logo até o pátio

-Okay valeu- A ruiva correu castelo a dentro, arrastando a criança com ela

Aquela paisagem era absurda, nunca em sua vida, Ghost havia imaginado tamanha sofisticação, de fato, o hall de um castelo não era algo que uma criança de rua estaria preparada para ver. O tour pelo palácio acabou no pátio, aonde Graça esperava de forma impaciente.

-AH! VOCÊ CHEGOU!- A terceira princesa exclamou, furiosa -DEPOIS DE TODO ESSE TEMPO QUE EU ESPEREI, VOCÊ FINALMENTE RESOLVEU ACEITAR MEU DESAFIO?

-...- Vitória inclinou a cabeça para o lado junto com Ghost -O quê?- Ela disse

-EU ESTOU DESAPONTADA COM VOCÊ, VIVI!

-Como assim, caramba, o que eu fiz?

-EU TE DESAFIEI E VOCÊ AMARELOU!

-Pera, quando foi isso?...- A confusão de Vitória preocupou sua irmã

-... Você viu o bilhete?

-...?

-Eu deixei um bilhete na sua cômoda!... Você viu?

-Do que você tá falando?- Atrás de Graça, estava Glória, que agora tentava conter sua risadas. Esperança e Isabela também estavam presentes

-Ah... Ahem! De qualquer forma: EU TE DESAFIO, VITÓRIA!

-EU ACEITO!- A sexta princesa não sabia hesitar

-ESPERA! Deixa eu falar sobre o que é o desafio!... Essa será o último teste do seu treinamento! Você vai lutar comigo!- Nesse momento, a pequena princesa se deu conta do armamento que Graça carregava. A princesa soldado vestia um armadura e escudo, e carregava uma espécie de lança, sem contar que, Glória tinha consigo uma caixa grande com algum tipo de suplemento militar, provavelmente algo que daria suporte à princesa durante a batalha

-Você está levando isso a sério, não é?- Vitória ficou séria por um instante, Ghost podia sentir a tensão no ar. "Eu acabei vindo em um momento ruim... O que diabos está acontecendo?", ela se perguntava

-Claro que sim! Desculpe por isso, mas, eu sou uma má perdedora, eu não aceitaria ser derrotada por você! Por isso, eu não pretendo te dar nenhuma chance! Se prepare. Se você perder para mim, pode desistir dos seus sonhos e ambições!

-Ótimo. Obstáculos são bem-vindos, porém, não me culpe quando eu passar por cima de você!- A princesa se livrou de seus chinelos, e alongou seus músculos, em seguida, ela se dirigiu para suas outras irmãs, dizendo -Ei! Esperança. Busque as minhas espadas! Isabela. Cuide dessa criança pra mim!

Vitória largou a amiga que trouxe consigo e começou a caminhar na direção de sua irmã. Esperança correu para apanhar as armas da jovem, enquanto Isabela - ainda calada- puxava Ghost para um canto. A ruiva tinha um brilho em seu olhar e um sorriso presunçoso em sua face, enquanto lentamente caminhava e estralava seu pescoço. Durante esse tempo, Graça aprontou sua arma, uma grande lança como as usadas pela cavalaria, porém, com um pequeno segredo, sua lâmina era nada mais que uma peça adjacente, pois o ponto forte daquela arma era o seu poder de fogo. Era fácil perceber isso ao olhar o diâmetro de seu cano, feito para disparar grandes projéteis, capazes de derrubar até os mais temíveis monstros.

Chamada de lança-canhão, a arma empunhada pela terceira princesa era um dos avanços da engenharia moderna, importada de um país distante chamado: Memprove, esse modelo era dito como uma arma anti-colossus. Sua principal função é disparar balas capazes de perfurar as grossas escamas ou carapaças dos monstros comumente encontrados no continente, contudo, Graça não planejava usar tamanho poder de fogo contra sua irmãzinha.

-Ei, Glória, me manda a de impacto!- Ao pedir isso para sua irmã, Graça assistiu a princesa procurando dentro do Grande container, até que, a rechonchuda encontrou o que procurava -Isso, essa mesmo!- Glória jogou a munição para sua irmã, que logo a equipou. Apoiando a lâmina da lança no chão, a soldado abriu sua culatra e enfiou a cápsula com o projétil

-Ei! Ei! EI! Que trabuco é esse?! Isso obviamente é forte demais pra uma luta amistosa!- Vitória protestou

-Amistosa?... Eu já disse. Eu não estou aqui para perder! Vou fazer você desistir de ser aventureira nem que tenha que te mandar pro hospital. Mas não se preocupe! A munição de impacto só machuca, ela não mata! Quase como um soco... So que mais forte... E com alcance maior. Acho que você vai ficar bem

-VOU NADA! Onde tu conseguiu essa coisa?

-Eu comprei! Ela poderia ser sua, mas que pena, pena mesmo. Você preferiu usar facas, né? E olha que eu recomendei que usasse uma lança!

-Não importa como eu olhe, isso não é uma lança! Use os punhos, covarde!

-Você não tem direito de me chamar de covarde! Por que não veio para cima ainda?!

-... Eu tô ganhando tempo!- Vitória ardilosamente esperava por sua irmã, que a essa hora já deveria estar trazendo suas armas, porém, a verdade era que, Esperança estava em uma situação complicada.

"Onde elas estão?", era o que a segunda princesa se perguntava ao olhar a bagunça que era o quarto de sua irmãzinha. Haviam roupas sujas pelo chão, papéis amassados, embalagens de comida e até mesmo pratos sujos. "Não tem jeito", pensou ela, "terei que arrumar isso primeiro! Aposto que ela consegue se virar por enquanto.". Esperança estava terrivelmente enganada, nesse momento, Vitória passava por mal bocados, tentando se esquivar das estocadas que Graça realizava com furor. A lâmina na ponta da lança não aparentava estar afiada, contudo, ela ainda assim faria estragos. Acabou que, mesmo que a ruiva fugisse dos ataques, ela mesmo não conseguia encaixar um contra-golpe, o espesso escudo de aço que a princesa soldado carregava anulava completamente os socos da pequena, resultando em nada mais do que ferimentos nos punhos da mesma. Essa era sem dúvidas, uma luta unilateral.

Vitória tentou por usar de sua agilidade, correndo em volta de sua oponente, esperando pelo o seu ataque, porém, mesmo segurando aquela arma pesada, e vestindo uma espeça armadura, Graça ainda assim era veloz. Sua estocada foi quase que instantânea; A lança vinha de encontro com a face da ruiva, que por pouco conseguiu desviar ao se inclinar para trás, mas que ainda assim foi ferida pela lâmina cega, que cravou uma fissura em sua face, um corte vertical bem abaixo de seu olho esquerdo, o que a fez cair sentada. 

A princesa soldado não deu tempo para sua irmã se recuperar, e logo ergueu a lança para o alto, realizando um corte descendente em direção à pequena, que por reflexo juntou sua forças e se jogou para longe do ataque, que causou um estrondo ao abrir um buraco no solo. "Daonde que isso é justo?!", por coincidência, Ghost e Vivi pensaram a mesma coisa, ambos estavam surpresos com a força da terceira princesa, porém, ao contrário da criança, a ruiva só se empolgava cada vez mais, embora temesse por sua vida.

Os golpes de lança continuaram a destruir tudo o que tocavam, seja o solo ou os muros do castelo, porém a pequena princesa continuava firme e forte, desviando como podia, até que, Graça realizou um ataque que parecia desesperado, um golpe rasteiro, vindo da direita para a esquerda, almejando as pernas da ruiva, que saltou sobre ele, já destacando um de seus punhos, sorrindo, pronta para socar a cara de sua irmã, a quem pensava ter cometido um erro, porém, Graça largou a lança, logo após ter apertado seu gatilho. O som do disparo puxou a atenção de Vitória que viu a explosão propulsionar a arma na sua direção. O cabo cumprido da lança atingiu o abdômen da lutadora que foi carregada por ela, empurrada contra as grossas paredes da muralha.

-Caramba!- Ghost estava assustada -Ei! Mudinha- Ela se referiu à Isabela -Ela vai acabar morrendo assim!- A quinta princesa nada disse, contudo, a quarta fez questão de acalmar a criança

-Você é amigo da Vivi?

-Eh?... Não diria amigo... Um conhecido talvez...- Disse ela, envergonhada

-Saquei. Fico feliz que se preocupe, mas isso não é necessário, porque ela é bem forte!

-Disso eu sei! Mesmo assim... Uma porrada daquelas...

-Ela vai ficar bem!

-Tem certeza? Ela meio que parou de se mover faz um tempo...

-... Ela vai ficar bem... Eu acho

A ruiva estava em silêncio, caída no chão próximo à muralha contra a qual foi jogada. Porém seu silêncio cessou com suas reclamações. "Caralho, que dor!", ela gritou ao se levantar, meio bamba, sem sequer entender o que a acertou. "Vamos ver se você gosta disso!", foi o que disse ao apanhar a lança, com ambas as mãos e apontar para Graça, que fingiu estar surpresa. Vitória apertou o gatilho com um sorriso no rosto, porém, nada aconteceu. A garota sacudiu a lança, confusa, sem entender como aquela arma funcionava, olhando cano adentro e até mesmo esmurrando-a, a espera que algo acontecesse.

-Você é mesmo burra, hein!- Graça a provocou

-Como é que é?!- Vitória a respondeu

-Você não viu eu preparando ela? Eu coloquei uma munição. E agora eu dei um tiro. Faça as contas...

-Nesse caso... Ei! Glória, me manda uma dessas!- A garota apontou pro caixote. Contudo, Glória se negou a ajudar, sacudindo a cabeça, recusando o pedido -Qual foi?! Por que só ela recebe ajuda? Ei! Ghost, Isabela. Me ajudem vocês então!- "BOA SORTE!", A criança exclamou, torcendo pela ruiva, enquanto fazia um sinal de positivo junto de Isabela -ISSO NÃO ME AJUDA EM NADA!

Sem escolhas, a ruiva usou o que tinha a sua disposição, a lâmina da lança seria sua arma. Porém, nesse momento a princesa tirou um instante para ficar impressionada, pois aquele trabuco era incrivelmente pesado, tanto que ela precisou de muita força para o colocar sobre os ombros, o segurando com ambas as mãos, assim como um taco de beisebol. Imaginar que Graça estava balançando aquela arma com apenas uma das mãos era assustador, Vitória não conseguia aceitar o tipo de "monstro" que sua irmã era, sonhar com tamanha força era quase que fantasioso para pessoas comuns, contudo, as irmãs da pequena tinham o sangue de Joshua e Rebecca em suas veias, não era difícil imaginar que a força delas fosse anormal.

Correndo em direção ao seu alvo, Vitória cerrou seus dentes e flexionou seus músculos, pronta para atacar, enquanto Graça aparentava se aprontar para o impacto, colocando seu escudo a frente. No momento do embate, a ruiva atacou sem demora, erguendo a lança como se fosse uma espada, desferindo um golpe vertical, que acumulou muita força graças ao peso da arma, contudo, a princesa soldado não o aceitou, abaixando seu escudo e saltando para trás, escapando do alcance da lâmina. A sexta princesa tentou novamente erguer a arma, porém, embora as veias saltassem em seu braços, ela não tinha forças para fazer isso de imediato, o que deu brecha para que a terceira princesa fosse mais rápida, pisando sobre a lança-canhão, impedindo que ela saísse do chão.

"Ah... Isso vai doer", Vitória teve essa pequena linha de pensamento, enquanto via o pesado escudo se aproximando de sua face. A princesa foi atingida e jogada para longe, o som do metal vibrando ao atingir seu crânio ecoou junto do grito de dor da garota, que sentia o sangue jorrar de seu nariz, e seus dentes já tortos serem empurrados para dentro de sua boca. Seu corpo veio ao chão com um som abafado, a ruiva gemeu de dor ao tentar respirar através de suas narinas ou garganta entupidas com seu sangue. Vendo tal cena, Glória fechou seus olhos e Ghost desviou o olhar, elas não haviam imaginado que Graça fosse tão longe.

Ao tentar se levantar, a princesa acabou de quatro, assistindo seu próprio sangue pingar no chão, vendo seu patético reflexo naquela poça escarlate. Tal imagem a irritou, essa não era a visão que queria ver, ela não deveria chegar tão baixo, no fundo, em sua alma, a garota sentia que deveria ser maior que isso, e que não deveria aceitar o que estava acontecendo, e por isso, a pequena bramiu, se levantando enquanto rugia enfurecida cerrando seus punhos e os dentes que lhe restaram com ainda mais força.

Glória sentiu um arrepiou sobre sua pele, algo havia se chocado contra sua aura, e isso foi o suficiente para a alarmar, a fazendo procurar em seus bolsos. A quarta princesa pegou o olho mágico, a ferramenta feita para enxergar informações da energia alheia. Ela olhou através da lupa, na direção de Vitória, e foi então que algo a animou, a visão de algo que antes não estava lá a empolgou.

-Ei! Graça- A rechonchuda chamou -Você consegue a irritar mais?

-Heh?!- A terceira princesa ficou confusa -Por quê?

-Confia.

-Claro, eu posso sim!

Glória continuou a observar a ruiva, a princesa agora claramente podia ver, um pequeno resquício do que podia ser o "talento" que faltava em Vitória. Aquilo era um feitiço, selado dentro da pequena, imperceptível até então, algo que deixou a quarta princesa curiosa até demais, ela já não mais se preocupava com a saúde da sua irmãzinha, pelo contrário, ela estava incentivando sua irmã mais velha a dar uma surra nela. 

A vontade da princesa foi feita, Graça retirou sua armadura e largou seu escudo, e em seguida, correu até Vitória. Seus punhos eram como raios, rápidos e fortes, acertando incessantemente, deixando a pequena na defensiva, a atingindo na face ou abdômen, acabando com sua resistência, e alimentando sua ira. Enquanto isso, Glória assistia com interesse, vendo aquilo que crescia dentro da pequena, uma minúscula mancha negra se formava no fundo de sua aura incolor, e então crescia, se esticava e expandia, se espalhando por suas veias e músculos, pelo seu sistema nervoso e pele, tomando conta de seu corpo.

Enquanto isso, Vitória podia ouvir claramente; Alguém ria dela, com uma voz profunda como a de uma mulher adulta, porém irritante como a de uma criança. Mais do que os socos, aquilo era o que realmente a irritava, pois reverberava nas paredes de sua cabeça, perturbando sua mente sem parar, era quase como se essa risada viesse de dentro.

-Patético!- A voz exclamou, gargalhando

-"Quem é?..."- A anãzinha se perguntou

-E você ainda pensou que podia me empunhar! Que piada!

-"Você é..."

-Aquela criada por uma das melhores, certo? A maioral? Eu sei!

-"Você é mais irritante do que eu imaginei..."

-Tudo o que eu digo é a verdade! Se é irritando isso é culpa sua. Agora e quanto a você?

-"?"

-Lutando em busca de uma mentira! Você uma aventureira? A mais forte de todos? Besteira!- Vitória ouviu isso deitada no chão, derrubada, já aparentemente derrotada

-"O que você quer?..."

-Eu estava pensando em ter esse corpo... Andar sobre duas pernas seria bom. Porém... NEM A PAU QUE EU VOU FICAR COM ESSA CARCAÇA! UM CORPO MANCHADO, QUE NOJO!

-"Cala boca... Eu não preciso ouvir isso de você!"- Vitória se levantou, ofegante e acabada

-Escute: Sua irmã está me trazendo... Não ouse me empunhar! Eu não quero ser vista com uma abominação assim! Se apresse e tombe logo, não tem mais nada que você possa fazer!

-EU AINDA POSSO LUTAR!- A ruiva gritou isso em voz alta, o que fez Graça novamente erguer seus punhos

-Você quer bater de frente? Quer enfrentá-la de igual? Mostre um pouco de força e talvez eu deixe você me usar um pouco!

-"Calada! Com quem pensa que tá falando??!"- A garota estava possessa pela raiva

-Exato, quem é você?

-"Eu sou Vitória! A sua nova dona!"

-Hmmmmmmm, quem?

-"Aquela que vai conquistar tudo!"- A ruiva riu

-Por quê?...

-"Esse é meu desejo!"

-Tem certeza que esse desejo é seu? Manchada por um dragão negro, aquele que procura por aumentar seus domínios e posses, uma criatura de mal inimaginável! Tem certeza que ele não influenciou na sua forma de pensar?- A voz gargalhou

-"NÃO FAZ DIFERENÇA! MESMO QUE ESSE DESEJO NÃO SEJA MEU, EU RESOLVI SEGUI-LO! QUANDO EU DECIDO ALGO EU NÃO VOLTO ATRÁS!

-Ora...- Impressionada, o ser tagarela se calou por um instante -Gostei! Vamos ver o que saí disso... Agora, se quer ter alguma chance contra a sua irmã, você precisa se lembrar...- Como se sussurrasse nos ouvidos da pequena, a voz a dava instruções -Se lembre de seus sonhos. Se lembre daquele terror! O calor das chamas e o cheiro de carne queimada e carvão. SE LEMBRE, VITÓRIA! DEIXE ESSAS LEMBRANÇAS QUEIMAREM EM SUA MENTE. QUE QUEIMEM TUDO, QUE PEGUEM FOGO ATÉ TORNAREM SEU CORPO EM CINZAS!

Inconscientemente, a ruiva acabou por se lembrar, aquele sonho já não a atormentava mais, porém, ainda assim, era difícil se lembrar dele. Sua alma tremia ao se recordar daquele terror, embora na época ela fosse jovem demais para sequer guardar lembranças daquilo, em seu interior fora gravado cada detalhe, como se tivesse sido esculpido nela, marcado para que nunca saísse, para que esse trauma nunca fosse superado, mas ao contrário do que era esperado, medo não era a única coisa que Vitória sentia ao se lembrar da fera, ao ver seu ar de superioridade e seu poder, a garota sentia raiva e inveja, uma cólera inigualável seguida de uma vontade de derrubar aquele monstro, de superá-lo e fazer-lo pagar pelo que fez.

-AÍ VEM!- Glória gritou

-Certo!- A terceira princesa estava atenta, ela não cometeria o vacilo de subestimar a ruiva e por isso apanhou a lança-canhão ao ver a garota vir em sua direção -GLÓRIA! UMA DE IMPACTO, RÁPIDO!

A garota jogou a munição para sua irmã, que foi rápida ao recarregar a arma. O velho cartucho vazio caiu ao chão não um segundo antes do próximo tiro ser disparado. Como uma bola de fogo, o projétil voou até Vitória em um instante, a força do tiro foi tamanha que Graça foi arrastada para trás após o disparo, porém, a ruiva o recebeu com um soco, atingindo-o e causando uma enorme explosão, que a envolveu por completa. 

-O quê?- Graça não entendeu nada -Ela é louca?!

-Ainda não acabou!- Glória afirmou 

-Como assim?- Surgindo de entre as chamas veio a ruiva, com os braço para trás, correndo baixo em direção à sua irmã, que não hesitou a preparar uma estocada -Venha!- Ela bravejou

A estocada foi forte, a lâmina foi em direção à face de Vitória, que com um sorriso, a bloqueou com o braço esquerdo. Faíscas voaram no momento em que a lâmina deslizou sobre o membro da garota, Graça não podia acreditar no que via, aquilo que cobria a área do impacto era sem dúvida magia. Do tipo terra, uma crosta negra de minerais protegiam a pele da pequena. Glória ficou impressionada, porém, o que realmente a chocou veio em seguida, quando a pirralha destacou seu braço direito, pronto para socar sua irmã. A camada negra estava em brasas após ter sido acendida pelo projétil.

Vitória cerrou seu punho e atingiu o estômago de sua oponente com toda sua força. Graça perdeu o fôlego com o impacto, seus órgãos foram pressionados pela força do golpe, e sua pele fora queimada pelo calor das chamas, que se concentraram na área de contado. A princesa golpeada nada pode dizer, caindo de quatro, perplexa com o milagre que acontecera, sem acreditar que sua irmã realmente a tenha ferido. Enquanto isso, pela primeira vez em sua vida, a ruiva assistia sua treinadora de cima, como superior, de pé enquanto ela estava no chão, e ao finalmente ter esse deleite, não pôde conter sua gargalhada.

Esperança havia acabado de chegar, e sem entender o que havia acontecido, ela observava com espanto, enquanto Vitória aproveitava esse rejúbilo,

-Incrível!- A pequena exclamava -Eu não sei o que tá acontecendo, mas eu tô gostando!- Observando suas mãos, Vitória via aquela grossa camada negra que a cobria -Eu preciso de um nome pra isso...

-Que tal "armadura de carvão"?- Glória deu seu palpite

-BREGA!... Mas a ideia é boa... Então...- A ruiva cerrou os punhos e exclamou o nome de seu feitiço -CARBO ARMOR!

-É A MESMA COISA, RETARDADA! Digo... Vitória!

-Errado, assim soa melhor!... Agora... Se levante, Graça!- A terceira princesa riu

Caída sobre os pés de sua irmãzinha ela ria, gargalhava aliviada, realmente alegre, pois pelo menos agora que Vitória havia desenvolvido seu talento, não havia mais motivo para se segurar. Armas eram desnecessárias, agora Graça usaria seu verdadeiro poder. Faíscas púrpuras voaram pelo ar e o som de estática se fez presente enquanto a princesa se levantava com um suspiro de alívio e descargas elétricas vazando de seus olhos, novamente, a terceira princesa viu a ruiva de cima.

-Vamos nessa!- Graça estava sorrindo, mesmo após ter sido acertada daquela forma, ela ainda sorria, e esse simples ato, tirou a ruiva do sério novamente

-Sim! Vamos!- Vitória bateu seus punhos um no outro, a armadura de carvão ainda os cobria, e isso a dava confiança.

A luta recomeçou com ambas desferindo uma combinação de socos, sendo que os de Graça eram os únicos a atingir seu alvo. Os punhos de Vitória era defletidos pelo da princesa, porém a descarga elétrica que eles carregavam era anulada pelo carvão, contudo, os que a atingiam em cheio cumpriam seu papel, descarregando a corrente elétrica diretamente no corpo da ruiva, que continuava a atacar, ignorando a dor.

Essa sequência de golpes durou poucos segundos, até que Graça interrompeu seus ataques abaixando seus punhos. Vitória contudo, não se conteve e continuou a tentar acertá-la, contudo, ao tentar erguer novamente a mão, seus joelhos se dobraram, seus braços perderam a força e ela acabou por vir ao chão, sem entender o que acontecia.

-Ei!- Glória protestou -Você usou aquilo nela?! Você não tem mesmo piedade! Podia dar uma chance para ela pelo menos!

-Quieta!- A terceira princesa se irritou -Eu disse que não pegaria leve!- A princesa se afastou, apanhou um cantil e tomou um gole de água, enquanto respirava fundo -Mas, até que ela me deu um cansaço!

-Isso já não é o suficiente?

-Claro que não!

Durante o tempo em que Graça descansava, Esperança tentava acudir sua irmãzinha, que no momento não conseguia mover um músculo sequer. Vitória começou a se acalmar, ao poucos, o feitiço que ela havia conseguido no momento de desespero estava desaparecendo, até que, uma voz familiar soou no seu ouvido, a voz de um amigo.

-Ainda não acabou!- Ghost exclamou ao lado dela 

-Ghost?...- A princesa buscava o rosto da garotinha, girando seus olhos, incapaz de virar sua cabeça

-Eu tô aqui!- A garota colocou a cabeça na frente de Vitória -Você consegue fazer aquela parada com o fogo de novo?

-Não... Eu acho que não posso acender por conta própria... Pra falar a verdade, eu não faço ideia de como isso funciona

-Nesse caso... Você precisa fazer ela acender para você!

-Como?

-Ela usa eletricidade... Talvez dê pra usar isso. Veja bem: Por se achar superior, em algum momento ela vai vacilar, é normal abaixar a guarda quando você acha que já venceu!- Esperança assistia enquanto o garoto desconhecido dava conselhos a sua irmã, "ela fez um amiguinho? Que fofa", foi o que pensou

-Impossível! Eu tô travadona... Eu não sei o que ela fez, mas me pegou de jeito

-Você está desistindo?! Que vergonha! Essa não é a Vivi que eu conheço!

-A Vivi que você conhece é uma garota que deu uma surra num pedreiro, só isso

-Mesmo assim! Só por aquela surra eu já soube! Você não foi feita para cair aqui!- A anãzinha ficou surpresa ao ouvir isso

-Heh! Ainda bem que sabe!- Vitória riu -Gostei ainda mais de você. Pode ser minha subordinada se quiser, que tal?

-Não, obrigado!

Vitória forçou sua testa quando o chão, tentando se levantar rangendo seus dentes e se esforçando ao máximo, enquanto Esperança e Ghost a incentivavam. "Você consegue, Vitória!" ,A princesa gritou, "Isso aí, Vivi!", Ghost completou, e então a ruiva os respondeu, "Silêncio! Eu to tentando concentrar!". Porém, não importa o quanto tentasse, seu corpo não se movia.

-É inútil!- Graça entoou -Meu feitiço é certeiro! Você não vai conseguir mais andar por algumas horas. Que tal se eu te disser uma coisa: Alguém que só pensa em força bruta como você não tem chance lá fora! Lutas entre usuários de magia são comuns, e alguém que acabou de despertar o seu talento como você não tem chance! Um feitiço simples como esse seu não pode vencer uma magia complexa. Cai na real Vitór-

-CALA A BOCA! TODOS VOCÊ FALAM DEMAIS!!!- Vitória exclamou -ME DEIXEM PENSAR PELO MENOS!- Seus esforços mais pareciam inúteis, o corpo da princesa estava completamente dormente

-Então deixe eu explicar como meu poder funciona

-EU NÃO ME IMPORTO!

-Escute bem: Esse feitiço tem afinidade elemental, do tipo raio

-VOCÊ AO MENOS TÁ ME OUVINDO?

-Ele é dividido em duas habilidades principais: A primeira é: "Thunderforce"; Ela consiste em usar a eletricidade para estimular meus músculos a superarem seus limites. O lado ruim é que eles ficam doloridos no dia seguinte...

-Isso até que é legal...- Vitória ficou interessada 

-A segunda é a seguinte: "Thunderfreeze"; Essa que causou esse efeito em você.- A ruiva atentou seus ouvidos -Você sabe o que acontece com seus músculos quando um corrente elétrica passa pelo seu corpo? Eles se contraem e congelam. Ou seja, ficam paralisados! Então, o que eu fiz foi largar um pouco da minha energia em você. Não se preocupe, ela ainda vai demorar para se esvair!

-Ha! Você é tapada mesmo, né?- A pequena riu -Eu tive uma ideia!

"Queime!", foi o que ela pensou, "queime as memórias daquele dia!", seguindo os concelhos da voz que atormentou sua cabeça, Vitória usou seus sonhos como combustível, para lhe dar forças o suficiente para revestir seu corpo inteiro em carvão. "Não só a pele, preciso ir mais fundo!", cada célula, cada pedacinho da garota foram cobertos pela crosta negra, o que resultou em uma explosão que faíscas roxas que foram expelidas de seu corpo. A ruiva então bateu seu punho contra o chão e se levantou novamente, só para logo em seguida cair de novo, rolando de dor.

-AI, AI, AI, AI! QUE DIABOS?- Ela estava confusa. "Foi só por um segundo, mas mesmo assim eu senti como se meu corpo fosse ser partido ao meio!", pensou. -MAS!... Eu tô de volta!- A ruiva se levantou fingindo que nada aconteceu.

-Aqui, Vitória!- Esperança jogou algo para sua irmã. Um cinto com as bainhas de suas armas.

-Valeu!- Vitória as envolveu na cintura, mas então se lembrou das palavras que a voz havia lhe dito -Foi mal... Mas eu vou te empunhar de qualquer forma!- Disse ela, ao olhar para a Crimson Oak

-... Você ta falando com a espada?

-ME DEIXA, TÁ?- Ao sacar suas armas, Vitória novamente se virou para Graça -É hora de acertar as contas!- E em seguida, ela virou seu olhar para Ghost -Tem algum plano?- a ruiva chamou por sua amiga, e sorriu, ao vê-la vir sussurrar em seu ouvido -Hm, entendo... Uh-huh... Sei... Saquei. Pronto! Aqui vou eu!

Com suas lâminas em mãos, Vitória avançou, contra Graça, que fez questão de mais uma vez apanhar a velha lança e ir ao encontro de sua oponente. As duas trocaram rápidos golpes, sendo que, a ruiva se concentrou na defensiva o tempo inteiro, bloqueando o pesados ataques que sua irmã, e se esquivando quando podia, sem nunca revidar.

-O que foi?- Graça perguntou ao aumentar o ritmo, empurrando a princesa para trás com a força de suas estocada

-Eu só estava pensando em algo... Você... Realmente me odeia, né?- A anãzinha de cabelos vermelhos a perguntou

-Hã?- A terceira princesa ficou confusa, e Vitória se aproveitou para atacar, trocando para ofensiva. "Parte um do plano: ataque psicológico! Eu achei seu ponto fraco!", ela até fez seu monólogo

-Errado!- Graça acabou sendo pressionada pelos ataques da pestinha enquanto tentava se explicar. As versatilidade das armas da ruiva a deram um vantagem, seus golpes combinados não deram espaço para sua irmã mais velha se recuperar -Não é isso... Eu não odeio você!

-Mentirosa! Desde o começo desse treino tudo o que você tem feito foi me bater e pisar nos meus sonhos!- A sexta princesa não estava mentindo, mas ainda assim ela sabia que estava pegando pesado

-Eu só estava...- "O que eu estava fazendo?", por um momento, a princesa soldado realmente duvidou de suas ações, porém -EU TENHO MEU MOTIVOS! PODE ME ODIAR SE QUISER! MAS EU NÃO ME ARREPENDO DE NADA!

-GUARDA BAIXA!- Vitória encaixou um chute lateral em sua irmã, se aproveitando do momento sentimental que ela teve -Que droga!- A anãzinha se frustrou, "Eu queria ter usado o carvão. Por que não funcionou?", era o que se perguntava

-EU...- Graça segurou a perna de Vitória -SINTO MUITO... MAS NÃO POSSO TE DEIXAR IR!

-Por quê?! Por que você me subestima tanto?

-Eu estou ciente da sua força... MAS... O MUNDO LÁ FORA É BEM MAIS PERIGOSO!!!

-EU NÃO TENHO MEDO DE MONSTROS! DESENCANA, MULHER!

-OS MONSTROS NÃO SÃO O PROBLEMA AQUI!... Você é uma princesa... Indo para território inimigo assim...

-Eu era uma princesa. E além disso ninguém vai me reconhecer! Eu não sou famosa como vocês!

-Mas... Você é manchada!- Ghost se assustou ao ouvir isso, enquanto as outras princesas desviavam o olhar

-E daí? Eu nem sei o que isso significa! Eu vou morrer por acaso?

-Não!... É bem pior...- Vitória tentou ligar os pontos e entender o que estava acontecendo

-Eu... Vou crescer chifres ou algo assim?- Ela riu, como sempre

-Sim. Imbecil, você vai

-CARAI- Vitória arregalou os olhos

-Chifres, asas, escamas, e tudo que tiver direito!- Graça largou a perna da garota

-Que maneiro~- A ruiva não podia deixar de imaginar o quão divertido seria voar e cuspir fogo pela boca

-Não é maneiro, Vitória... Você provavelmente vai deixar de ser você mesma!

-Isso é mais motivo! Vocês todas sabiam disso? E no final nenhuma de vocês confiou em mim?

-Não é questão de força de vontade! Não da pra resolver tudo gritando e dando cabeçadas!

-Dá sim! Não questione meus métodos! O problema aqui não é esse. "Provavelmente"? Você quer me prender aqui e me vigiar até que eu vire um monstro para que você tenha que me matar? Desculpa mas eu não vou deixar nenhuma de vocês passar por isso! Eu prefiro mil vezes sair por aí e procurar um cura, ou um jeito de reverter isso!

-E se der errado?! E aí, o que você vai fazer?

-... Se eu for virar um monstro, pode deixar que eu mesmo acabo comigo! Eu arranco meu coração do peito se for preciso, mas até lá... EU ME RECUSO A FICAR PRESA EM QUALQUER QUE SEJA O LUGAR!- A garota embainhou suas espadas e destacou seu punho -O MUNDO É GRANDE DEMAIS PARA EU PERDER TEMPO AQUI!

-SUA IDIOTA CABEÇA DURA!- Graça afastou sua mão, puxando a lança para trás, preparando sua estocada

"Funciona, por favor!", Vitória exclamou em sua mente, ao socar contra a ponta eletrificada da arma de sua irmã. Nesse instante, todos puderam ver claramente, o momento em que várias placas negras emergiam da pele da jovem, embora juntas elas parecessem uma espécie de cobertura, ao vê-las se formando podia se notar o seu formato peculiar, aqueles pedaços de carvão eram idênticos a escamas. 

Os ataques se chocaram, e nesse momento, ao ver as faíscas voando, Vitória sorriu enquanto tinha seus segundo monólogo, "Parte dois: conseguir calor usando a eletricidade dela, completo!". A ruiva podia sentir, a energia que se concentrou na ponta da arma, se chocando contra a crosta negra e a aquecendo, porém, para sua surpresa, ao invés do som das chamas se acendendo, o que ela ouviu foi o rachar de sua armadura.

Uma enorme fissura se abriu sobre o punho negro de Vitória, e logo mais rachaduras apareceram, no fim, a ruiva se desesperou, pois parecia que seu braço seria feito em pedaços, contudo, das rachaduras surgiu o que ela esperava, uma nuvem de fogo que fora acesso pelo calor lhe dado por sua irmã. Tamanha era a força das chamas, que a mão fechada da anãzinha destruiu não só a lâmina como a lança inteira, entortando seus metais e os destruindo com um soco.

A luz avermelhada encheu os olhos de Graça, que testemunhou o poder daquela nuvem de fogo carmesim, de um vermelho tão intenso quando os olhos e cabelos de sua irmãzinha, que agora, novamente destacava seu punho negro engolfo pelo carvão incandescente, e desferia outro soco. 

Se acaso perguntasse para Vitória, "O que você acha que a maior de todas as magias seria?", sua resposta seria a seguinte: "Um flecha de chamas, não... Uma lança, a mais forte de todas, que atravessa mares e perfura montanhas, em uma linha reta, de forma imparável, inalcançável! A maior de todas as armas!". Assim como sua descrição, era o seu ataque; Um punho envolto em fogo, que seguia direto ao alvo, que sabia que não o podia defender, o maior de todos os golpes que a pequena poderia realizar no momento.

Graça recuou, porém, sem esperança de se esquivar, sua irmã estava perto o suficiente para se tornar impossível errar, a princesa não teve escolhas exceto fechar seus olhos, enrijecer o abdômen e esperar pelo impacto, e foi enquanto fazia isso, que a voz de sua irmãzinha alcançou seus ouvidos, dizendo: "Obrigado, irmã...", essas simples palavras foram proferidas pela boca de Vitória no momento anterior ao impacto do ataque que ela ainda estava para batizar, contudo, com o término dessa frase, as energias da anãzinha também se esvaíram.

A terceira princesa ficou esperando pelo ataque, porém, ele não veio. Vitória estava no chão, suas chamas se apagaram e o carvão que cobria seu braço direito estava cinza como brasas.

-... Vitória?...- Esperança estava incrédula, ela não conseguia acreditar que no fim a ruiva havia perdido -Então esse foi o fim do sonho...?- Ela se perguntou.

-Como??!- Graça também não havia entendido -Você chegou tão perto... Mentira...

Nenhuma das princesas ali conseguia aceitar esse resultado, e com exceção de Glória, nenhuma entendia o que havia ocorrido. A Quarta princesa se aproximou e checou o estado da pequena, e então concluiu.

-Como eu pensei!- Ela dizia -Parece que ela queimou os caminhos dela!

-O que isso quer dizer?!- Esperança perguntou ao vir ao socorro de sua irmã, acompanhada de Isabela

-Você sabe que a mana tem que percorrer um caminho, certo? Ela vem do coração e corre por nossas veias, músculos e nervos. Porém, esse caminho no começo é estreito e... "Virgem". O que aconteceu é que: Ela forçou tanto esses caminho que... Acabou machucando eles... Durante a luta ela usou tanta mana de uma só vez que ficou... "Arrombada"

-VOCÊ QUER PARAR COM ESSES TERMOS?

-ESSES SÃO OS TERMOS TÉCNICOS, O QUE QUER QUE EU FAÇA?

-Então foi auto-destruição... Que pena... Parece que ela perdeu- Esperança disse isso com pesar, ela realmente acreditou na ambição de Vitória, porém, Graça protestou.

-Errado!- Ela dizia -A Vivi ganhou!

-Graça...?- A segunda princesa ficou surpresa ao ouvir isso

-Aquele ataque... Teria sido fatal... 

-"Eh"?- Ambas as princesas (Glória e Esperança) responderam em coro

-Eu estava sem armadura... O punho dela teria atravessado o meu abdômen. Eu teria morrido!

-"EI, VIVI!"- Elas gritaram juntas, "VOCÊ QUASE MATOU SUA IRMÃ!"

-Provavelmente ela não sabia o quão forte seria o soco... Assustador... De qualquer forma, já que eu perdi. Vou realizar um dos desejos dela...- Graça apanhou algo em seu bolso -Aqui: Oitenta pratas! A taxa de inscrição. 

Esperança apanhou o dinheiro com algo em mente: "Por que carregar o dinheiro se você tinha certeza que ganharia?", pensar nisso a fez sorrir, "Você tem boas irmãs, Vitória. Contando comigo, claro.". 

Com isso os preparativos estavam prontos, Vitória demorou um pouco para se recuperar, porém, assim que se curasse de seus ferimentos, ela e Esperança partiriam em sua jornada. O destino delas já havia sido escrito, a próxima parada seria o Coliseu em Pohsilga, só de pensar nisso o sangue da ruiva já fervia de empolgação.