O sorriso suave de Sophia se alargou enquanto o doce sabor do bolo de morango se espalhava por sua boca. Aquele momento era o seu refúgio: a cozinha silenciosa, o perfume adocicado do bolo recém-assado, e a quietude que lhe trazia paz. Ali, por breves instantes, ela conseguia acalmar seu coração e afastar os turbilhões de pensamentos que rondavam sua mente.
Entretanto, o som insistente do celular vibrando sobre a bancada de mármore quebrou a serenidade que ela havia encontrado. Um número desconhecido piscava na tela. Sophia hesitou, ponderando se deveria ou não atender. O aparelho parou de vibrar antes que ela decidisse. Suspirando aliviada, voltou a saborear o bolo, permitindo-se um pequeno sorriso ao perceber que seu momento de paz ainda podia continuar. Mas a tranquilidade foi rapidamente interrompida. O celular vibrou novamente, mais forte, mais urgente.
Com um suspiro frustrado e o olhar endurecido, Sophia pegou o aparelho. Assim que ouviu a voz do outro lado, quase encerrou a chamada na mesma hora.
— Sophia? – a voz chorosa do outro lado era dolorosamente familiar, e cada sílaba parecia se enrolar ao redor de sua paciência, apertando até quase sufocá-la — Por favor, não desligue.
— Me dê um bom motivo. – a frieza na voz de Sophia parecia cortar o ar ao seu redor como gelo.
— Eu só... por favor, me ouve. – suplicou a voz, agora trêmula e desesperada.
Fechando os olhos, Sophia respirou fundo, colocando o garfo de lado com mais força do que pretendia. Não era a conversa que queria ter, e muito menos a pessoa com quem desejava falar.
— Por que está me ligando? — a pergunta saiu gelada, carregada de amargura.
— Eu preciso da sua ajuda. — Ji Soo murmurou, a voz fraca, quase um sussurro. — Eu não tenho mais ninguém…
O coração de Sophia se apertou, mas não por compaixão. O simples fato de Ji Soo estar pedindo algo, depois de tudo o que aconteceu, a encheu de raiva. Como ela ousava? Ji Soo sumiu logo após o baile, deixou para Sophia todos os problemas relacionados ao pequeno apartamento que dividiam e por pouco Sophia teria ido morar na rua se não fosse por Eun Na.
— Você tem noção de quantos meses se passaram? – a voz de Sophia tremeu com raiva contida, seu peito subindo e descendo com cada respiração pesada — Cinco meses! Depois daquela maldita noite você simplesmente desapareceu! Me deixou sozinha para lidar com tudo.
Sophia sentiu o bebê se contorcer dentro dela, uma inquietação que a deixou desconfortável e a fez imediatamente levar a mão à barriga. Era um gesto instintivo, como se tentasse acalmar a vida que crescia ali, ao mesmo tempo em que buscava proteger a criança das tempestades emocionais que a envolviam. A ansiedade e a irritação a consumiam, mas seu instinto maternal prevalecia, guiando suas ações.
Quando finalmente ergueu o rosto, seus olhos se depararam com Jae Hyun, parado na entrada da cozinha. Um frio percorreu sua espinha, e seu coração deu um salto involuntário. Ele a observava com uma intensidade gélida. A expressão dele era um enigma que a deixava inquieta — uma mescla de raiva e algo mais profundo, algo que a fazia sentir-se exposta, como se todas as suas fraquezas estivessem à mostra. Ela retirou a mão da barriga rapidamente, como se tentasse esconder o gesto de Jae Hyun, um ato instintivo que a deixou um pouco mais ofegante.
— Senhor Kim? – a voz de Sophia saiu vacilante, surpresa ao ver a expressão sombria no rosto dele.
Jae Hyun manteve os olhos fixos nela por mais alguns segundos, o silêncio entre eles se tornando insuportável. Sua mandíbula estava visivelmente tensa, os músculos pulsando sob a pele, enquanto os punhos cerrados ao lado do corpo revelavam sua frustração contida. E sem dizer uma palavra, Jae Hyun virou-se, oferecendo-lhe apenas suas costas, um ato que a deixou desolada. Ele estava indo embora, e a imagem dele se afastando a fez sentir um vazio crescente em seu peito.
Sophia, sentindo a urgência e o medo crescerem dentro de si, encerrou a ligação abruptamente e largou o celular na bancada. Seus pés a levaram imediatamente atrás dele, quase sem pensar.
— Senhor Kim! – chamou com mais força, tentando acompanhá-lo enquanto ele se movia com passos largos e decididos.
Ele não parou. Jae Hyun caminhou até o sofá, pegou o sobretudo com um movimento firme e seguiu em direção à saída. Ele estava chateado, a raiva dançando nos seus movimentos, e tudo o que ele queria naquele momento era distância. Distância dela.
— Kim Jae Hyun! – a voz de Sophia cresceu, quase um grito desesperado, enquanto ele alcançava a porta.
Ele parou. Sua mão descansou sobre a maçaneta por um breve segundo, mas ele não se virou. O silêncio entre os dois parecia ainda mais sufocante naquele momento. Sophia prendeu a respiração, esperando que ele dissesse algo, qualquer coisa. Mas Jae Hyun não disse nada. Com um movimento decidido, ele abriu a porta e saiu, deixando-a para trás sem nem ao menos olhá-la uma última vez.
Quando a porta se fechou com um som seco e definitivo, o mundo de Sophia pareceu se desmoronar. O eco daquele estalo reverberou em seu coração, amplificando a sensação de perda. As lágrimas, quentes e salgadas, começaram a descer por seu rosto, escorrendo como um rio de desespero que ela não conseguia controlar. O peso da solidão a envolveu como um manto pesado, e ela se sentiu sufocada, como se estivesse presa sob a pressão de um oceano de emoções.
Ela se sentou no sofá, a cabeça entre as mãos, a mente em um turbilhão de pensamentos. Se eu tivesse sido corajosa e pedido o divórcio antes dele descobrir a gravidez... O pensamento a torturava, um mantra cruel que a fazia sentir-se ainda mais presa. E se ao menos tivesse contado a ele sobre o bebê, talvez as coisas não estivessem tão ruins agora. Cada possibilidade que passava por sua cabeça era um lembrete da oportunidade perdida, da chance de evitar essa dor.
Tudo estava acabado. O peso da realização era quase insuportável. O coração de Sophia se partia em pedaços tão pequenos que ela se perguntava se seria capaz de se recuperar. O que antes parecia uma vida com momentos doces agora se transformava em um labirinto de arrependimentos e medos. Ela sentia o vazio se expandir dentro dela, uma ferida aberta que não sabia como curar.
[...]
A madrugada envolvia o apartamento em um manto de silêncio profundo, quase opressor, enquanto o choro abafado de Sophia preenchia o espaço. As luzes distantes da cidade piscavam do lado de fora, mas dentro daquele pequeno mundo de dor e escuridão, tudo parecia suspenso. Apenas o fraco brilho de um abajur projetava sombras suaves pelas paredes, criando um contraste tênue entre luz e escuridão — como o turbilhão de sentimentos no coração de Sophia.
Ela estava deitada no sofá, a manta enrolada ao redor do corpo, como se tentasse se proteger de tudo que acontecia à sua volta. Mas o verdadeiro peso estava dentro dela. Os soluços vinham em intervalos descompassados, rasgando sua garganta, enquanto sua respiração permanecia irregular, cada vez mais marcada pela angústia.
Eun Na estava ao seu lado, silenciosa, mas presente. Com delicadeza, seus dedos corriam pelos cabelos de Sophia, em um gesto maternal e cheio de ternura. Ela queria oferecer algo, qualquer coisa que pudesse aliviar o sofrimento da amiga, mas sabia que, naquele momento, não havia palavras capazes de curar um coração tão ferido.
— Soph, você não está sozinha. – murmurou Eun Na, a voz baixa, quase como um sussurro que flutuava na quietude da noite. A força em suas palavras contrastava com a tristeza que seus olhos carregavam ao ver Sophia tão destruída — Eu estou aqui com você. Vamos passar por isso juntas.
Por um longo instante, Sophia não respondeu. Ela apenas olhava para a aliança em seu dedo, o aro dourado que cintilava fracamente à luz do abajur. Observá-la agora parecia uma tortura silenciosa, cada brilho refletindo a dor profunda que pulsava em seu peito. O símbolo de uma união que parecia desmoronar diante de seus olhos.
— Eu deveria ter contado para ele... – as palavras finalmente saíram de seus lábios, frágeis, quase inaudíveis. Sua voz estava embargada pelo choro, como se falar fosse tão doloroso quanto o que ela sentia por dentro — Se eu tivesse sido honesta sobre o bebê... se eu...
Ela não conseguiu terminar a frase. As lágrimas retornaram, enchendo seus olhos e escorrendo em um fluxo constante. Sophia levou a mão instintivamente à barriga, num gesto quase automático de proteção, como se quisesse resguardar o bebê de sua própria dor. Mas a inquietude que ela sentia dentro de si, provocada pela agitação do bebê, só aumentava a culpa que a esmagava.
— Não se culpe assim, Soph – disse Eun Na, com a voz carregada de compaixão, mas firme — Você estava com medo. E tinha razões para isso.
Sophia suspirou profundamente, um suspiro tão pesado que parecia roubar-lhe o ar. Seus olhos inchados estavam perdidos, vazios, refletindo a imensa tristeza que preenchia cada fibra de seu ser.
— Eu o perdi, Eun Na... – murmurou, e sua voz quebrou como vidro, fragmentando-se em pedaços tão pequenos quanto seu coração naquele momento — Ele nunca vai me perdoar. Está tudo acabado.
O desespero em suas palavras era palpável, e a dor que emanava delas atingia Eun Na como um golpe. Ela apertou os olhos por um momento, tentando conter as próprias lágrimas que ameaçavam cair. Era difícil ver Sophia assim, tão desfeita, tão vulnerável. O apartamento ao redor parecia mais vazio do que nunca, quase como se estivesse refletindo a solidão de sua amiga.
— Nada está acabado. – insistiu Eun Na, sua voz suave como um sussurro reconfortante — Você tem o bebê, e você tem a mim. Nós vamos resolver isso, de alguma forma... eu prometo.
Sophia fechou os olhos, exausta. As lágrimas ainda deslizavam por seu rosto, mas a intensidade havia diminuído. A dor, no entanto, permanecia lá, aninhada em seu peito, uma presença constante e esmagadora. O silêncio, agora apenas quebrado pelos últimos soluços, se instalava de novo no ambiente.
— Obrigada... por estar comigo. – murmurou Sophia, sua voz tão baixa que mal era audível. O cansaço emocional e físico a estava dominando, e ela não conseguia mais resistir.
Eun Na continuou a acariciar os cabelos da amiga, o único conforto que podia oferecer naquele momento de fragilidade.
— Durma, Soph. – sussurrou, a voz suave, mas cheia de afeto — Eu estou aqui, não vou a lugar nenhum.
Sophia, aos poucos, sentiu o sono tomar conta de seu corpo. Estava exausta, e o peso da dor parecia ter drenado todas as suas forças. A presença de Eun Na era uma âncora, a única coisa que a mantinha conectada à realidade. Finalmente, ela se entregou ao sono, suas lágrimas secando silenciosamente no rosto, enquanto o coração ainda carregava o peso daquilo que havia perdido.
No silêncio da madrugada, o mundo continuava lá fora, indiferente à dor que Sophia sentia. E, naquele momento, a única coisa que restava era o som suave de sua respiração, enquanto o relógio avançava lentamente para o amanhecer.