Acordei sem me lembrar de quando tinha adormecido.
Alys me sacudia de leve:
— Não se mexa muito depressa. A descida é longa.
Desenrosquei-me devagar, com quase todos os músculos do corpo reclamando do tratamento recebido na véspera. As coxas e as panturrilhas pareciam nós apertados e duros de dor.
Só então me dei conta de que estava de novo usando minha capa.
— Eu a acordei? Não me lembro...
— De certo modo, sim. Você cochilou e caiu bem em cima de mim. Nem mexeu as pálpebras quando o xinguei para se afastar... — disse, mas sua voz foi morrendo à medida que ela me via ficar de pé lentamente. — Santo Ardonai, você parece um vovô com artrite.
— Sabe como é, a rigidez é sempre maior quando a gente acorda.
Ela deu um risinho desdenhoso.
— Nós, mulheres, não costumamos ter esse problema — comentou. Sua expressão foi se fechando ao me observar. — Você está falando sério, não é?
— Cavalguei uns cem quilômetros ontem, antes de encontrar você. Não estou realmente habituado a isso. E à noite, na hora em que pulei, bati na pedra com bastante força.
— Está machucado?
— Com certeza. Especialmente em todas as partes do corpo.
— Ah! — ela exclamou, levando as mãos à boca. — As suas lindas mãos!
Baixei os olhos e percebi o que queria dizer.
Eu devia tê-las machucado bastante na tentativa louca de trepar no monólito na noite anterior. Meus calos de músico haviam poupado a maior parte da ponta dos dedos, mas as articulações estavam muito arranhadas e com uma crosta de sangue. Outras partes de meu corpo doíam tanto que eu nem tinha notado.
Meu estômago deu um nó quando vi minhas mãos, mas, ao abri-las e fechá-las, percebi que só estavam dolorosamente raladas, sem ferimentos graves. Como músico, eu sempre temia que acontecesse alguma coisa com elas, e meu trabalho de artífice havia redobrado essa ansiedade.
— Parece pior do que é — acalmei-a. — Há quanto tempo o dracus foi embora?
— Ah, faz pelo menos umas duas horas. Saiu andando pouco depois do nascer do sol.
Contemplei a paisagem do meu elevado posto de observação no arco de monólitos. Na tarde anterior, o alto do morro consistira numa vastidão uniforme de capim verde. Nessa manhã parecia um campo de batalha. A grama fora pisoteada em alguns pontos e queimada até virar cinza em outros. Havia sulcos fundos nos lugares em que o lagarto havia rolado ou arrastado o corpo pela terra.
A descida do monólito foi mais difícil que a subida. A parte superior do arco ficava a uns quatro metros do chão, alta demais para que um pulo fosse conveniente. Em condições normais, eu não me preocuparia com isso, mas, em meu estado enrijecido e machucado, tive medo de cair de mau jeito e torcer um tornozelo.
Acabamos conseguindo, usando a alça de meu saco de viagem como uma corda improvisada. Enquanto Alys se firmava e segurava uma ponta, deixei-me descer. O saco rasgou-se todo, é claro, e espalhou meus pertences, mas consegui chegar ao chão sem nada mais sério do que uma mancha de terra.
Depois Alys se pendurou na beirada da pedra e segurei suas pernas, deixando-a escorregar devagar até o chão. Embora estivesse todo machucado na parte da frente, essa experiência contribuiu muito para melhorar meu estado de humor.
Recolhi minhas coisas e me sentei com agulha e linha para costurar o saco de viagem. Passado um momento, Alys voltou de sua ida ligeira ao meio das árvores e fez uma pausa rápida para apanhar o cobertor que havíamos largado. Ele exibia diversos rasgões feitos pelas garras do dracus ao pisoteá-lo.
— Você já viu uma destas antes? — perguntei, estendendo a mão.
Alys ergueu uma sobrancelha.
— Quantas vezes já terei ouvido essa pergunta?
Sorrindo, entreguei-lhe o pedaço de ferro negro que tinha recebido do criaferro. Ela o examinou com curiosidade.
— E uma pedra-luden?
— Muito me admira que você a reconheça.
— Conheci um sujeito que usava uma delas como peso de papel — disse-me, com um sorriso desdenhoso. — Fazia questão de frisar que, apesar de se tratar de uma pedra muito valiosa e excepcionalmente rara, ele a usava como peso de papel. Era um bobalhão — acrescentou com uma bufadela. — Você tem algum pedaço de ferro?
— Pesque aí — sugeri, apontando para a misturada de meus pertences. — Tem que haver alguma coisa.
Alys sentou-se num dos monólitos baixos e se pôs a brincar com a pedra-luden e um pedaço quebrado de uma fivela de ferro. Remendei devagar a sacola e depois tornei a prender a alça, costurando-a várias vezes para que não viesse a se soltar.
Alys ficou totalmente absorta com a pedra-luden.
— Como funciona? — perguntou, afastando a fivela e deixando-a grudar-se de novo. — De onde vem o puxão?
— É uma espécie de força galvânica — respondi e depois hesitei. — O que é um modo de dizer que não faço a mínima ideia.
— Fico pensando se ela só gosta do ferro por ser de ferro — refletiu Alys encostando o anel de prata na pedra, sem o menor efeito. — Se alguém achasse uma pedra-luden de bronze, ela gostaria de outras peças de bronze?
— Talvez atraísse o cobre e o zinco. É disso que é feito o bronze — respondi.
Virei a sacola do lado direito e comecei a guardar minhas coisas. Alys me devolveu a pedra-luden e saiu andando em direção aos restos destruídos do braseiro.
— O bicho comeu a madeira toda antes de ir embora — disse.
Também fui dar uma olhada. A área em torno do braseiro era uma bagunça revolvida, como se toda uma legião de cavalaria a tivesse pisoteado. Com a ponta da bota, examinei um torrão coberto de grama, virado de cabeça para baixo, e me curvei para pegar uma coisa.
— Veja isto.
Alys chegou mais perto e segurei o objeto para ela ver. Era uma escama do dracus, negra e lisa, aproximadamente do tamanho da palma da minha mão e em formato de gota. Tinha uns seis milímetros de espessura no meio e se afinava nas pontas.
Estendi-a a Alys.
— Para a senhora, milady. Uma lembrança.
Ela a balançou na mão, comentando:
— É pesada. Vou procurar uma para você... — E voltou a vasculhar os restos do braseiro. — Acho que ele comeu umas pedras junto com a madeira. Sei que ontem juntei mais do que estas para cercar a fogueira.
— Os lagartos vivem comendo pedras. É assim que digerem a comida. As pedras moem o alimento em suas entranhas — expliquei. Alys me olhou com ar cético. — É verdade. As galinhas também fazem isso — completei.
Ela abanou a cabeça e desviou os olhos, revirando a terra remexida.
— Sabe, no começo eu tinha certa esperança de que você transformasse este encontro numa canção. No entanto, quanto mais você fala dessas coisas, menos certeza tenho. Vacas e galinhas. Onde está seu pendor para o dramático?
— Ele funciona bastante bem sem os exageros. Essa escama é quase puro ferro, se meu palpite não está errado. Como posso tornar isso mais dramático do que já é?
Alys levantou a escama, examinando-a de perto:
— Você está brincando.
Dei-lhe um sorriso.
— As pedras daqui são cheias de ferro. O dracus come as pedras e, aos poucos, elas são moídas em seu bucho. O metal vai se filtrando lentamente para os ossos e as escamas — expliquei, pegando a escama e me aproximando de um dos monólitos cinzentos. — Ano após ano, ele se desfaz da pele e depois a come, mantendo o ferro no organismo. Passados 200 anos... — Bati com a escama na pedra. Ela produziu um som agudo e retinido, a meio caminho entre o de um sino e o de um pedaço de cerâmica esmaltada.
Devolvi-lhe a escama e prossegui:
— Antes da mineração moderna, é provável que eles fossem caçados por causa do ferro. Ainda hoje imagino que um alquimista pagasse um bom dinheiro por suas escamas ou seus ossos. O ferro orgânico é uma verdadeira raridade. É provável que se possa fazer toda sorte de coisas com ele.
Alys olhou para a escama em sua mão.
— Você venceu. Pode escrever a música — disse. Em seguida seus olhos se iluminaram com uma ideia. — Deixe-me ver a pedra-luden.
Catei-a no saco de viagem e a entreguei. Alys colocou-a perto da escama e as duas aderiram com firmeza, produzindo o mesmo tilintar estranho de louça. Ela sorriu e voltou à fogueira, onde começou a aproximar a pedra-luden das sobras, à procura de mais escamas.
— Detesto ser portador de más notícias — eu lhe disse, fitando os penedos ao norte e apontando para uma vaga mancha de fumaça que subia das árvores —, mas há alguma coisa queimando por lá. Os marcadores que eu tinha fincado se foram, mas acho que foi naquela direção que vimos o fogo escuro ontem à noite.
Alys movimentava a pedra-luden de um lado para outro sobre as ruínas do braseiro.
— O dracus não pode ter sido responsável pelo que aconteceu na fazenda dos Mathen — comentou, mostrando a terra e a relva bastante revolvidas. — Não havia nenhum desses estragos por lá.
— Não estou pensando na fazenda. Acho que o mecenas de alguém andou fazendo uma festa ontem à noite com uma fogueirinha animada...
A expressão de Alys endureceu:
— E o dracus a viu.
— Eu não me preocuparia com isso — apressei-me a dizer. — Se ele é esperto como você diz, é provável que esteja tão seguro quanto são as casas.
— Mostre-me uma casa que fique a salvo daquela coisa — retrucou ela em tom soturno, devolvendo-me a pedra-luden. — Vamos dar uma olhada.