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Chapter 50 - XLIX. PRODÍGIO

No dia seguinte cheguei dez minutos antes do horário da aula de Hilme e me sentei na primeira fila. Tinha a esperança de abordá-lo antes que a aula começasse e, com isso, poupar-me de ter que assistir a outra de suas palestras.

Infelizmente, ele não chegou cedo. O anfiteatro já estava cheio quando entrou pela porta inferior da sala e subiu os três degraus do tablado de madeira. Percorreu os olhos pelo aposento à minha procura.

— Ah, sim, o nosso jovem prodígio. Levante-se, sim?

Sem saber ao certo o que estava acontecendo, pus-me de pé.

— Tenho uma notícia agradável para todos — disse. — O Sr. Vanitas aqui me assegurou de seu domínio completo dos princípios da simpatia. Ao fazê-lo, ofereceu-se para dar a aula de hoje.

Com um gesto largo, convidou-me a subir com ele ao tablado. Sorriu-me com um olhar duro.

— Sr. Vanitas?

Ele estava caçoando de mim, é claro, esperando que eu me afundasse na cadeira, acovardado e envergonhado. Mas eu já havia conhecido um número suficiente de valentões na vida.

Assim, subi ao tablado e apertei sua mão. Usando uma boa voz de palco, dirigi-me aos estudantes:

— Agradeço a Mestre Hilme por esta oportunidade. Só espero poder ajudá-lo a lançar alguma luz sobre este assunto importantíssimo.

Já que havia iniciado o joguinho, Hilme não podia interrompê-lo sem fazer papel de bobo. Ao apertar minha mão, deu-me o olhar que um lobo dirigiria a um gato trepado numa árvore. Sorrindo consigo mesmo, retirou-se do tablado e ocupou meu lugar recém-desocupado na primeira fila. Confiando em minha ignorância, dispôs-se a deixar o teatro prosseguir.

Eu nunca teria conseguido me safar, não fosse por duas incríveis falhas de Hilme. Primeiro, sua estupidez geral em não acreditar no que eu lhe dissera na véspera. Segundo, seu desejo de me ver constrangido da maneira mais completa possível.

Dito em termos simples, ele estava dando corda suficiente para que eu me enforcasse. Ao que parece, não se deu conta de que, uma vez atado, o laço tanto serve num pescoço quanto em outro.

Encarei a turma.

— Hoje apresentarei um exemplo das leis da simpatia. No entanto, como o tempo é limitado, precisarei de ajuda nos preparativos — declarei, e apontei ao acaso para um aluno. — Você pode ter a bondade de me trazer um fio do cabelo de Mestre Hilme, por favor?

Hilme o ofereceu com exagerada gentileza. Quando o estudante me entregou o fio, o professor sorriu com ar de quem se divertia sinceramente, certo de que, quanto mais pomposos fossem os meus preparativos, maior seria meu embaraço no final.

Aproveitei essa ligeira demora para dar uma olhada no equipamento de que dispunha para trabalhar. Havia um fogareiro num canto do tablado, e um exame rápido das gavetas da mesa revelou giz, um prisma, fósforos de enxofre, uma lente de aumento, algumas velas e uns blocos de metal de formato curioso.

Peguei três velas e deixei o resto. 

Recebi o fio de cabelo de Mestre Hilme e reconheci o estudante como Basil, o menino que ele havia intimidado na véspera.

— Obrigado, Basil. Pode trazer aquele fogareiro para cá e acendê-lo o mais depressa possível?

Quando o menino o trouxe para perto, fiquei encantado ao ver que era equipado com um pequeno fole. Enquanto Basil derramava álcool no carvão e o acendia com uma fagulha, dirigi-me à turma.

— Os conceitos da simpatia não são inteiramente fáceis de apreender; mas restam, por baixo de tudo, três leis simples. Primeiro, existe a Doutrina da Correspondência, que diz que a semelhança favorece a simpatia. Segundo, temos o Princípio da Consanguinidade, que afirma que parte de uma coisa pode representar a totalidade da coisa. Terceiro, temos a Lei da Conservação, que diz que a energia não pode ser destruída nem criada. Correspondência, Consanguinidade e Conservação. Os três "cês".

Fiz uma pausa e ouvi o som de meia centena de penas anotando minhas palavras. A meu lado, Basil bombeava diligentemente o fole. Percebi que eu poderia vir a gostar daquilo.

— Não se preocupem se a coisa ainda não fizer sentido. A demonstração deverá deixar tudo abundantemente claro.

Olhando para baixo, vi que o fogareiro se aquecia esplendidamente. Agradeci a Basil, coloquei um tacho raso de metal sobre as brasas e joguei duas velas dentro dele para derreter.

Pus a terceira vela num suporte sobre a mesa e usei um dos fósforos de enxofre da gaveta para acendê-la. Depois afastei o tacho do calor e derramei cuidadosamente seu conteúdo já derretido na mesa, formando uma bolota de cera amolecida do tamanho de um punho. Tornei a olhar para os meus colegas de classe.

— Na simpatia, a maior parte do que se faz é redirecionar a energia. Os laços simpáticos são a maneira de a energia se deslocar — expliquei. Retirei o pavio e comecei a moldar a cera num boneco de forma aproximadamente humana. — A primeira lei que mencionei, a de que "a semelhança favorece a simpatia", significa simplesmente que, quanto mais as coisas se parecem umas com as outras, mais forte é a conexão simpática entre elas.

Levantei o boneco tosco para que a turma o examinasse.

— Este é Mestre Hilme — disse-lhes. Os risinhos baixos correram a sala de um lado a outro. — Na verdade, esta é minha representação simpática de Mestre Hilme. Alguém gostaria de dar um palpite sobre por que ela não é muito boa?

Houve um momento de silêncio. Deixei que se prolongasse um pouco; era uma plateia fria. Hilme os havia traumatizado na véspera e eles demoravam a reagir. Por fim, do fundo da sala, um aluno disse:

— É do tamanho errado?

Fiz que sim coma cabeça e continuei a correr os olhos pela sala.

— Ele também não é de cera.

Assenti:

— O boneco tem uma pequena semelhança com ele, na forma geral e nas proporções. Mas é uma representação simpática muito precária. Por isso, qualquer conexão simpática baseada nela seria muito fraca. Talvez uns 2% de eficiência. Como poderíamos melhorá-la?

Houve outro silêncio, mais curto do que o primeiro.

— Você poderia fazê-lo maior — alguém sugeriu.

Balancei a cabeça e esperei.

Outras vozes disseram "Você poderia entalhar nele o rosto do Mestre Hilme", "Pintá-lo", "Pôr uma toguinha nele". Todos riram.

Levantei a mão para pedir silêncio e fiquei surpreso com a rapidez com que ele veio.

— Deixando de lado as questões práticas, digamos que vocês tivessem feito todas essas coisas. Um Mestre Hilme de 1,80m, totalmente vestido e magistralmente entalhado, estaria aqui junto a mim. — Apontei para o boneco. — Mesmo com todo esse esforço, o melhor que vocês teriam a esperança de obter seria uma conexão simpática de 10 ou 15%. Não seria muito bom, não seria nada bom. Isso me traz à segunda lei, a da Consanguinidade — prosseguir. — Um modo fácil de pensar nela é "uma vez unidos, sempre unidos". Graças à generosidade de Mestre Hilme, tenho um fio do seu cabelo — acrescentei. Levantei-o e o prendi sem cerimônia na cabeça do boneco. — E, por mais simples que seja isso, temos agora uma conexão que funcionará com uma proporção de 30 a 35%.

Eu vinha observando Hilme. Embora tivesse parecido meio desconfiado a princípio, ele havia reassumido seu sorrisinho arrogante. Sabia que sem a conexão adequada e sem a concentração apropriada da Vileza nem toda a cera e fios de cabelo do mundo serviriam para coisa alguma.

Certo de que ele me tomara por um idiota, apontei para a vela e lhe perguntei:

— O senhor me permite, Mestre?

Ele fez um aceno magnânimo de concordância e se reacomodou na cadeira, cruzando os braços sobre o peito, confiante em sua segurança.

É claro que eu conhecia a conexão. Dissera isso a ele. E Marcy me ensinara sobre a Vileza — a convicção do rebenque —, quando eu tinha 8 anos.

Mas também não me importei com isso. Pus o pé do boneco na chama da vela, que estalou com a cera derretida e soltou fumaça.

Houve um silêncio tenso, de respiração presa, no qual todos se espicharam em seus assentos para dar uma olhada em Mestre Hilme.

Ele encolheu os ombros, fingindo espanto, mas seus olhos tinham a expressão de uma armadilha prestes a se fechar. Um sorrisinho surgiu-lhe no canto da boca e ele começou a se levantar.

— Não estou sentindo nada. O que...

— Exatamente — interrompi, estalando a voz como um chicote e, no susto, atraindo novamente a atenção dos alunos. — E por que será? — indaguei, olhando com expectativa para o anfiteatro. — Por causa da terceira lei que mencionei — eu mesmo esclareci —, a da Conservação. "A energia não pode ser destruída nem criada, apenas encontrada ou perdida." Se eu segurasse uma vela sob o pé do nosso estimado professor, pouquíssima coisa aconteceria. E, visto que apenas 30% do calor são transmitidos, não obteríamos nem mesmo esse pequeno resultado.

Fiz uma pausa para deixá-los pensarem por um momento.

— Esse é o problema fundamental da simpatia. Onde obter a energia? No caso presente, entretanto, a resposta é simples.

Apaguei a vela com um sopro e a reacendi no fogareiro, murmurando entre dentes as poucas palavras necessárias.

— Se acrescentarmos uma segunda conexão simpática entre a vela e um fogo mais substancial... — prossegui, dividindo minha mente em duas partes, uma para conectar Hilme e o boneco, outra para ligar a vela e o fogareiro — ...obteremos o efeito desejado.

Movi displicentemente o pé do boneco de cera para o espaço situado uns 2 centímetros acima do pavio da vela, que é a parte mais quente da chama. Houve uma exclamação de susto no lugar em que Hilme estava sentado. Sem olhar na direção dele, continuei a me dirigir à turma no mais seco dos tons:

— E parece que desta vez tivemos êxito.

À turma riu.

Apaguei a vela.

— Este é também um bom exemplo do poder que tem nas mãos o praticante inteligente de simpatias. Imaginem o que aconteceria se eu jogasse este boneco no próprio fogo. — E o ergui acima do fogareiro.

Como que pegando a deixa, Hilme correu tablado acima. Talvez fosse minha imaginação, mas me pareceu que ele estava poupando um pouco a perna esquerda.

— Parece que Mestre Hilme quer retomar a nossa instrução neste momento — comentei. As risadas percorreram a sala, dessa vez mais altas. — Agradeço a todos vocês, estudantes e amigos. E assim se encerra minha humilde aula.

Nesse ponto, usei um dos meus truques de palco. Há uma certa inflexão da voz e da linguagem corporal que dá à plateia o sinal para aplaudir. Não sei explicar exatamente como isso acontece, mas surtiu o efeito que eu pretendera. Curvei a cabeça para a turma e me virei de frente para Hilme, em meio a aplausos que, embora estivessem longe de ser ensurdecedores, provavelmente eram mais fortes do que ele jamais havia recebido.

Quando o professor deu os últimos passos em minha direção, quase recuei. Seu rosto exibia um vermelho assustador e uma veia pulsava na sua têmpora, como que prestes a explodir.

De minha parte, a formação teatral me ajudou a manter a compostura. Retribuí o olhar com firmeza e estendi a mão para que ele a apertasse. Não foi pequena a minha satisfação ao vê-lo dar uma olhada rápida para a turma, que continuava a aplaudir, engolir em seco e apertar minha mão.

O aperto foi doloroso como um soco. Talvez tivesse sido pior se eu não houvesse feito um pequeno gesto acima do fogareiro com o boneco de cera. O rosto de Hilme passou da raiva rubra para uma palidez fantasmagórica mais depressa do que eu imaginaria ser possível. Seu punho começou a ficar mais gentil aos poucos e recuperei minha mão.

Acenando mais uma vez para os estudantes sentados, retirei-me da sala de aula sem olhar para trás.