A morte chama a todos', era isso que passava na cabeça de Melklan. Procurava por sinais de seus companheiros. Dez haviam deixado o acampamento próximo ao rio, mas nenhum havia retornado. A floresta ao redor, oferecia uma forma de se entremear, sem chamar atenção dos albinos.
'Todos devem ter atendido seu chamado, deveríamos ter sentado ao redor do fogo há tempos'. O sentimento lhe trazia tristeza, confiava naqueles que estavam ao seu lado. Mas sabia melhor que todos, Drakens não deixavam homens vivos, apenas os ossos.
Por outra vez tornou a tocar em sua espada partida, a lâmina mesmo quebrada era afiada o suficiente. Buscou conforto, a aproximando do peito enquanto esgueirava entre as grandes raízes que surgiam da terra.
Estava descalço e sentia a dor na planta do seu pé, parando um tempo para lavar o sangue que começava a formar. Não sabia quantas horas haviam passado, mas por um momento imaginou que nem mesmo uma deveria. O ataque havia sido repentino, pegando a todos de surpresa. Ouviu os guinchos e grunhidos das criaturas, o tintilar dos metais, o cheiro do sangue jorrado e por fim, um silêncio mais tenebroso que os comedores.
Melklan então se viu sozinho, ao fim da floresta, com uma planície a sua frente e o luar sobre sua cabeça. Continuou a caminhar, para qual direção não tinha certeza, apenas que deveria continuar, até os pés se despedaçarem, as forças esvairem e sobrar nada além de paz.
'Quem diria seu merda' disse a si mesmo, não havia quem conversar, zombar ou mesmo abraçar, algo que não era muito disposto a fazer. Seus pés deviam ser lavados percebeu, uma infecção seria tão letal quanto uma adaga no peito. Procurou correr em direção ao leste, em busca do rio, assim poderia acompanhar seu percurso e retornar ao acampamento.
A terra estava calma, se ouvia sons de corujas e gatos sombrios, mas não havia um sequer inimigo. Sua única companhia era a espada, e a segurava próximo ao peito a todo instante, procurando segurança nela. Não é jovem para chorar ou pedir por sua mãe, se sentia velho demais também para tirar a própria vida, ainda que tivesse seus vinte e poucos, viveu muito, nascido nas Terras Antigas.
'Continue, viva, deve isso a eles', seus pensamentos lhe recordando de uma noite similar, quando ainda tinha família. Antes do expurgo, antes do abandono e antes de se tornar um mercenário. 'Ganância, ela envenena a alma de todos os homens, assim como fez com a minha'
Após um tempo encontrou o rio. A correnteza estva forte, formando espumas pela margem e nas rochas cravadas em seu fundo. As águas desaguariam em uma imensa cachoeira, essa por sua vez, era algumas milhas de Durian, a cidade esmeralda.
Melklan porém seguiu na direção oposta, seus pés em chamas mas não mais o incomodando. Se acostumou com a dor, devia isso a suas desaventuras, cicatrizes no corpo e diversos inimigos que caíram sobre seus pés. Além disso, tinha dores por toda caixa torácica. Sua cabeça latejava e sentia o gosto de sangue na boca, como poderia seus pés o incomodarem, se tudo seriam responsáveis por revelar aos albinos por onde estaria caminhando e seu destino final.
Encontrou uma grande pedra fincada na grama após algumas milhas, não as contou. Se preocupava em não permitir rastros, e sabia a direção a seguir para encontrar ajuda.
O acampamento estava próximo a margem como recordava. Estava intocado, todos os pertences de seus companheiros e os próprios permaneceram aonde foram deixados. 'Drakens não se importam com coisas, apenas com carne' suspirou. Olhou o entorno, não havia uma alma, uma boa e péssima notícia.
Onde a fogueira havia sido feita era agora apenas cinzas, o fogo há muito havia se extinguido. Melklan recolheu sua bolsa de viagem, dentro estavam o caximbo, uma bolsa com folhas de fumo, carnes e frutas secas, suficientes para alguns dias e um saco com moedas de cobre. Por fim encontrou um machado, jogando mais para o lado, a lâmina estava afiada, junto a pedra de amolar.
Antes de partir se sentou com as pernas cruzadas. Realizou uma prece aos Doze Deuses, assim como a mãe lhe havia instruído desde pequeno. Terminou reverenciando o vento, sentido a brisa soprar seus longos cabelos negros, coçou sua barba e calçou a bota ainda nova que comprara de um viajante.
Mas antes mesmo de ser por de pé ouviu um assovio. Uma seta com a ponta de metal atingiu uma árvore ao seu lado. Se levantando rapidamente já estava de espada e machado em punhos.
'Me esperaram, malditos', o primeiro Draken caiu sobre Melklan, com uma espada longa com o punho feito de ossos. Seu corpo com carapaças que surgiam da própria pele. Melklan se defendeu com golpe e rapidamente desferiu o próprio, cortando-lhe a garganta.
Sangue esguchou, e um segundo surgiu das sombras com um punhal pronto. Melklan girou a meia espada e se defendeu, desviando o punhal para longe de sua cabeça. Uma seta o atingiu nas costas, lhe infligindo dor e fazendo seu sangue escorrer.
O homem então cravou o machado com força, sentindo o crânio e a carapaça do segundo Draken se partirem, o machado não se moveu e o albino guinchou alto. 'Merda' gritou em sua mente, aquele grito poderia atrair os demais. Outras seta o atingiu, dessa vez em seu peito. Seus olhos fitaram um terceiro, escondido atrás de uma árvore. Melklan caiu sobre ele, utilizando uma das raízes das árvores como impulso e atingindo o terceiro albino em seu peito.
A espada cravou e a lâmina se partiu uma última vez, agora pequena demais para ser utilizada. Melklan partiu em disparada correndo em direção ao rio. Pouco a pouco mais pareciam surgir de entre as árvores e ao chegar novamente a pedra, pelo menos vinte estavam em seu encalço.
As criaturas corriam em quatro patas. As poucas que possuiam armas, deixavam-as em suas costas, as demais procuravam utilizar das garras e dentes afiados. Melklan parou um momento, se abaixando para desviar de uma das garras.
Outra passou próxima de sua perna, até demais, suficiente para rasgar sua calça e deixar um fio de sangue se formar. O homem então novamente disparou, sem olhar para suas costas, outros assovios passaram por sua cabeça, as setas atigindo o chão a sua frente.
Pegou uma delas e cravou em uma das criaturas que o alcançou, atingindo o olho e perfurando a nuca. Outra também foi atinginda por ele, mas conseguiu lhe morder o ombro, fazendo-o sentir o doce calor de sua ferida aberta. Não parecia ter mais escapatória, sua sorte havia terminado.
Os Drakens os cercou de ambos os lados, usando de sua velocidade para ultrapassa-lo. Guinchavam e tentavam se aproximar, o homem tentado os afastar com suas próprias mãos. 'É o fim' lamentou em sua mente, ali sua promessa estaria sendo quebrada. Havia prometido matar cada um daqueles miseráveis, não Drakens, eles eram um obstáculo, mas aqueles que destruíram sua casa, queimaram toda a vila, violentaram sua irmã e mãe para dar seus corpos as feras.
'Realmente um fim, a menos que', com pensamento rápido Melklan se atirou para a correnteza. Os albinos gritaram ao perder sua presa, alguns tentavam perseguí-lo mas sem sucesso. A forte correnteza o empurrou rio abaixo, por duas vezes esfolou seu corpo nas pedras ásperas do rio, e então viu um fim, a cachoeira estava mais próxima do que imaginou.
Longos galhos estavam presos a terra no fundo e a encosta. Com mãos hábeis ele se segurou a eles, a água caindo em direção as pedras no fundo. Melklan se segurou com todas as forças que ainda restavam, mas acabou sentindo seu abdômen ser perfurado por um dos galhos.
'Sorte maldita', urrou de dor, sangrando agora mais do que tinha durante toda a noite. Os Drakens não mais o perseguiam, desistindo da presa em busca de outras mais fáceis. 'Não morrer para albinos, para morrer por um galho, mil vezes merda'. Um sorriso abriu em seu rosto, imaginando o que Jackal torto, ou os gêmeos Larys e Lars diriam de sua situação. 'Nosso líder, morto impalado por um maldito galho, eu os amaldiçoo', então gargalhou cuspindo sangue.
Suas mãos escorregavam, seja por estar perdendo força ou pela água, em pouco tempo estaria caindo nas pedras. 'Uma morte mais digna, mas o que há de digno em morrer, há mais que devo fazer em vida, devo matar a todos eles', buscando uma última vez força em seu corpo, Melklan se esforrçou em se livrar do galho pontudo que o perfurava.
Urrou outra vez, agora mais alto que antes. Sua camisa antes branca agora era vermelha pura. Melklan deixou seu corpo cair um pouco, se sustentando pelos braços abaixo dos galhos. Então passou a balançar para frente e para trás, e então se atirou para frente. O fundo do rio pareceu desaparecer de sua mente, e tão rapidamente a água retornou, o atingindo como um martelo. Se não havia quebrado as costelas antes, agora tinha certeza que se partiram. Então nada mais viu, tudo se tornou escuro.