Do outro lado do campo, Leandro corria com toda a força que seu corpo permitia. Seu coração batia como tambores de guerra, e sua mente trabalhava freneticamente. Ele sabia que a música de Nyx, a espinha dorsal da batalha, logo iria parar uma vez mais. Cada segundo contava.
À medida que avançava, os sons da guerra às suas costas pareciam se fundir em uma única onda. Três mil vozes, vivas e mortas, de puros e corrompidos, gritavam como uma única entidade, seu clamor ressoando pelo campo de batalha. Era uma sinfonia grotesca de esperança e desespero.
À sua frente, as flechas disparadas da mata eram como sombras mortais, cada uma encontrando seu alvo com precisão. Mesmo à distância, ele podia sentir a eficiência dos arqueiros que causavam o caos entre suas tropas.
Foi então que ele o viu.
Na clareira, em uma postura quase displicente, um único arqueiro destacava-se. Estava relaxado, alheio ao caos ao seu redor, como se estivesse em um mundo próprio. Parecia alguém apreciando as nuvens no céu, mas seus movimentos metódicos desmentiram essa ilusão. Ele não olhava ao redor. Apenas disparava, pegava outra flecha e disparava novamente.
As hastes pontiagudas disponíveis ao seu lado diminuíram rapidamente, até que, finalmente, sua mão tocou o solo sem encontrar nenhuma outra.
— Onde estão as novas flechas? Já mandei agilizarem, porra! — gritou o arqueiro, sua voz grave quebrando a serenidade que crescia no ambiente.
Com os gritos, veio o som de folhas farfalhando, anunciando passos apressados. Quatro escudeiros emergiram da mata, carregando dois grandes caixotes em conjunto. Seus passos eram rápidos, e seus rostos, concentrados, enquanto lutavam para não tropeçar em meio ao terreno irregular.
Leandro manteve-se estático, observando atentamente. Um dos escudeiros, um garoto que não devia ter mais de 15 anos, liderava o grupo. Ele parecia completamente focado em sua tarefa, até que olhou para o horizonte e seus olhos acidentalmente encontraram o do general escamoso.
A presença inesperada o fez congelar. Seus olhos arregalaram-se de medo e surpresa ao encarar a figura imponente parada a poucos metros de distância. A pele reluzente parecia refletir a luz do sol como uma armadura viva, seu olhar era frio e calculista e sua lança estava pronta, apontada em direção ao grupo. O escudeiro sentiu o peso daquele olhar e hesitou, os pés vacilando momentaneamente.
"Sem flechas, ele está fora do jogo."
Leandro sabia que atacar diretamente o arqueiro seria um risco alto, especialmente com os escudeiros protegendo o transporte de flechas. Mas também sabia que, sem suprimentos, ele não passava de um homem indefeso.
Com uma inspiração profunda, acompanhando a reação exagerada do garoto, ele começou a se mover, sua cauda oscilando atrás de si enquanto ajustava a arma em suas mãos. Sabia o que precisava fazer, não havia melhor momento.
A sua frente, em um movimento abrupto, o garoto, tomado pelo pânico, acabou por perder o equilíbrio. A caixa de madeira que ele carregava estourou ao atingir o chão, espalhando flechas por todos os lados, algumas rachando ao meio, outras mergulhando na terra úmida.
— Idiota! Idiota!
Matheus, o líder da Guilda dos Ventos Livres, avançou com passos firmes e furiosos. Antes que o garoto pudesse se levantar, recebeu um chute no flanco que o derrubou novamente.
— Já mandei agilizarem isso! Não conseguem nem carregar uma maldita caixa direito!
O jovem gemia de dor no chão, mal conseguindo se mover. Mesmo assim, reuniu forças para apontar com dificuldade na direção do invasor. Foi o suficiente para que os outros escudeiros olhassem todos ao mesmo tempo, notando o inimigo que avançava a passos largos.
A clareira ficou em silêncio por um instante, enquanto todos processavam a visão inesperada. Matheus, no entanto, não demonstrou medo. Ele estreitou os olhos, avaliando o oponente com uma expressão de curiosidade maliciosa.
— Recuem — vociferou finalmente, sua voz saindo firme e autoritária. — Eu cuido da aberração.
Sem sequer olhar para trás, os escudeiros obedeceram, deixando o líder e o general sozinhos na clareira.
Vendo o arqueiro rapidamente pegar uma das flechas pelo chão, Leandro desacelerou, preparando-se para um possível desvio. Os dois líderes se encararam por alguns instantes, como se tentassem medir a força um do outro apenas com olhares. O ar ao redor parecia vibrar com a tensão crescente.
O homem lagarto, já preparado, ergueu sua lança e ajustou sua postura, os pés firmes no chão e o corpo inclinado para a frente, pronto para disparar em uma nova investida assim que a corda do arco fosse solta.
Matheus, por sua vez, acompanhou o movimento, puxando lentamente a flecha para o ataque. Porém, para a surpresa do general, as mãos, antes rápidas e experientes, agora tremiam tanto que a flecha escorregou de seus dedos.
— Não… Não! — sibilou o arqueiro, enquanto suas mãos falhavam em mais uma tentativa de ajustar o encaixe.
O suor escorria por sua testa, e seus olhos esbugalhados denunciavam o pânico que crescia dentro dele. Foi então que, com o coração disparado, ele derrubou não apenas a flecha, mas também o arco.
— Eu me rendo!
O grito surgiu naturalmente assim que viu Leandro, sem esperar nem mesmo um segundo, voltar a correr em sua direção. Ergueu sem hesitar as mãos acima da cabeça, encarando a massa de músculos como se suplicasse.
— Por favor! Eu só quero ir embora!
Parecia genuinamente desesperado, tão patético que qualquer outro poderia sentir pena. Ele não era mais o líder confiante de antes. Parecia quebrado, incapaz de reagir.
"Não é hora para piedade."
Apesar de não gostar da situação, o general não parou. Ele não era apenas Leandro, o guerreiro. Ele era parte da esperança de cada soldado que lutava ao seu lado. Ele sabia o estrago que aquele homem era capaz de causar, mas não era apenas sobre vingança. Era sobre proteger algo maior que si mesmo.
— Realmente não vai me deixar ir? — dessa vez, o grito se tornou um sussurro.
Matheus abaixou o rosto lentamente, virando-se para o chão como se estivesse derrotado. Mas, quando o levantou novamente, um sorriso gélido curvou seus lábios.
— Espero que lembre que eu tentei evitar essa luta, aberração imunda.
As palavras atingiram Leandro como uma lâmina fria. Seu instinto berrava que algo estava errado, mas a velocidade com que a situação mudava o pegou de surpresa. Suas pernas ainda estavam impulsionando-o para frente, e sua lança já estava preparada para o golpe.
Só precisava terminar com aquilo de uma vez.
Mas agora era tarde demais.
O toque estranho contra seu peito chegou de forma súbita, como o beijo frio de algo que não deveria estar ali. Por um instante, ele não entendeu. A dor veio logo depois, uma onda que queimava e pulsava, espalhando-se como fogo por suas costelas.
Seus olhos baixaram, e ele viu o fio. Não, viu o sangue; o fio era quase invisível, exceto pela trilha carmesim que o marcava. Era uma linha fina, tão afiada que parecia cortar não apenas carne, mas também a alma. Sua respiração ficou presa na garganta enquanto tentava processar o que acontecia. Ele não havia visto, não havia sentido até que fosse tarde demais.
Seu corpo ainda impulsionava-o para frente com a força de sua corrida, e o fio, tenso entre duas árvores, deslizou contra suas escamas como uma navalha contra pedra. O som sutil do atrito foi acompanhado por um estalo úmido, quando ele começou a penetrar mais fundo. O general sentiu as fibras musculares cederem, o calor de seu sangue escorrendo pelas laterais.
"Se eu fosse menor, já estaria morto."
Essa ideia o atingiu como um soco. Estava posicionado exatamente na altura do seu peito, mas teria decapitado qualquer homem de estatura comum. Por sorte, para ele, que era uma muralha de músculos e escamas, uma resistência foi wncontrada em seus duros ossos.
Tentou recuar, mas o movimento apenas piorou as coisas. Outro fio, este na altura da cintura, cortou a lateral de sua armadura natural, atravessando como se ela fosse feita de papel. O choque o fez perder o equilíbrio momentaneamente, e ao tentar se estabilizar, seu tornozelo esquerdo encontrou mais uma das linhas, que deslizou até os tendões como uma serpente traiçoeira.
— Maldição... — murmurou, mais para si do que para o mundo ao seu redor.
Seu braço esquerdo foi o próximo a sofrer, o movimento involuntário de erguer a lança atingindo outra armadilha. Dessa vez, ele sentiu a carne sendo cortada antes de ver o sangue. A dor era excruciante, mas ele não tinha tempo para gritar ou hesitar.
Estava preso em um emaranhado. Cada fio parecia ter sido posicionado estrategicamente, como se o campo fosse construído por um arquiteto insano. Não eram meras armadilhas; eram engenhocas mortais, criadas para capturar e retalhar qualquer um que ousasse entrar.
Sua visão começou a ficar turva enquanto o sangue manchava o chão ao seu redor. Com um movimento desesperado, passou a lança para a mão livre, ajustando-a para um arremesso. Analisou rapidamente o ponto onde o fio que havia penetrado seu peito estava ancorado e lançou a arma com toda a concentração que lhe restava.
A lança cortou o ar, atingindo pesadamente o dispositivo de ferro preso à árvore. O impacto foi suficiente para quebrar a âncora, soltando-o de sua amarra mais perigosa.
Assim, ele caiu de joelhos imediatamente, mas os outros fios ainda estavam lá, e a gravidade trouxe uma nova explosão carmesim.
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