O impacto foi tão repentino quanto brutal. Um chute certeiro acertou seu estômago, lançando-o para trás como se fosse um boneco. A força o fez deslizar no chão, arrancando fragmentos de terra e sangue mesmo sob a proteção das escamas.
— Lucas?!
Apesar da dor ser real, Leandro percebeu rapidamente que o chute do homem à sua frente não tinha a intenção de machucá-lo. Antes que pudesse se levantar por completo ou mesmo questionar, sua atenção foi capturada por uma cena ainda mais surpreendente: o guerreiro bestial segurava no ar um pequeno punho feminino, o qual segurava firmemente um longo punhal prateado.
— Obrigado. Nem mesmo senti o ataque!
— Não me agradeça ainda — a voz grave de Lucas manteve-se fria, fitando a figura à sua frente.
Leandro franziu a testa, confuso, mas a explicação veio rapidamente. A mão que aparentava estar presa começou a escorregar como se fosse feita de fumaça, e, num piscar de olhos, a figura desapareceu. O ar estava pesado, mas nenhum som, sombra ou movimento denunciava a presença da estranha inimiga. Era como se ela nunca tivesse estado ali.
Foi quando um som baixo e constante o fez virar a cabeça. Ao seu lado, Lucas estava farejando o ar, seus sentidos bestiais tentando captar algo que os olhos não podiam ver. Antes que Leandro pudesse perguntar o que ele tinha descoberto, foi empurrado novamente com força, o impacto o jogou para o lado quando estava prestes a ser atingido pela lâmina que apenas brilhou brevemente no ar antes de voltar a desaparecer.
Lucas também se moveu, desviando do ataque que parecia invisível para qualquer outro. Leandro ajustou sua postura defensiva, girando sua lança para cobrir todos os ângulos possíveis.
— Invisibilidade! Uma manipuladora! — gritou o general, suas escamas brilhando enquanto a luz da batalha refletia nelas.
— Se fosse só isso, não seria um problema.
Os olhos de Leandro se estreitaram. Ele sabia que Lucas não era de falar em enigmas, e a seriedade em seu tom deixava claro que havia algo mais.
— Do que você está falando?
— Com esse nível de habilidade, não é uma assassina comum — o bestial rosnou, ainda farejando o ar e observando ao redor. — Deve ser a líder da Guilda dos Sombrios. Uma variante.
— Variante? — Leandro repetiu, ajustando a postura defensiva. — Não lembro de terem mencionado sobre isso nos relatórios.
— Isso porque você não leu os relatórios de verdade.
— Bem… eram meio longos.
Lucas soltou uma risada curta e seca, mas a diversão não durou. Ele farejou o ar novamente, enquanto explicava, a voz grave e firme.
— Se chama Rebeca. Tem veias completas tanto de fortalecimento quanto de manipulação. Não é uma variante de um caminho divergente, como mentalistas e encantadores, mas tem uma eficiência assustadora.
Leandro ergueu uma sobrancelha, curioso.
— Ho, isso parece útil. Quem me dera ter algo assim.
— É mais do que útil, mas também tem desvantagens — respondeu Lucas. — Só metade da mana que ela absorve vai para as veias de fortalecimento, o que ainda a torna forte, mas mais fraca que fortalecedores de mesmo rank. E, ao mesmo tempo, sua mana de fluxo contínuo também é menor, a limitando na intensidade das manifestações. É um equilíbrio difícil de lidar, mas se encaixa muito bem com o estilo de combate que escolheu.
Antes que pudesse continuar, o ar ao redor deles mudou.
— Salte!
Ambos se afastaram no último instante. Uma lâmina cortou o espaço entre eles, silenciosa e precisa como a mordida de uma cobra. Lucas rosnou, irritado, enquanto o escamoso se ajeitava.
— Ela está nos testando — Leandro murmurou, os olhos escaneando o vazio.
— Saia daqui. Eu ainda consigo rastrear o cheiro dela. Você só vai atrapalhar.
O general abriu a boca para retrucar, mas as palavras não saíram. Não conseguia de forma alguma prever de onde os ataques viriam, então ele não estava errado.
— Farei isso. Vou atrás dos desgraçados que estão matando nossos soldados de longe. Por sinal, fique de olho no céu!
Lucas acenou brevemente, sem desviar a atenção. Quando o escamoso começou a se afastar, o bestial saltou repentinamente em direção ao vazio, golpeando com suas garras.
— Não vou deixar você em paz tão facilmente.
O vazio não respondeu, mas Lucas continuou sua perseguição. Ele atacava cada vestígio de movimento ou cheiro, um jogo de paciência contra uma oponente que parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
— Droga… rápida demais…
A irritação era evidente em sua voz, mas ele não parou. Sua respiração estava pesada, seus músculos tensos, porém confiava que conseguiria aguentar mais do que ela, afinal, a mana não era infinita.
O que não contava era que a melodia de Nyx voltasse a soar justo nesse momento.
O som do alaúde começou fraco, quase como um sussurro, mas como sempre, foi crescendo, ecoando pelo campo com uma intensidade sombria. Os soldados de Insídia gritaram em coro, a música era uma promessa de que o equilíbrio da batalha voltaria, ao menos por um tempo.
Claro, as mortes de Barueri diminuíram desde a primeira apresentação da conselheira de entretenimento, haviam aprendido, recuavam instintivamente na primeira nota tocada. Mas isso não era um problema para Nyx, os corpos de insídia ainda repousavam pelo solo, aguardando seu doce chamado. Não existia palco melhor para ela do que uma guerra.
Desta forma, tudo ia bem na batalha, no entanto, enquanto o exército aliado ganhava terreno, Lucas caiu em um problema completamente diferente.
— Dro…ga…
Ele mal conseguia manter os pensamentos alinhados. Estava dando tudo de si para continuar perseguindo Rebeca, mas a influência da música voltou a afetá-lo. Em qualquer outro momento seria uma benção, poderia usar o máximo de seu corpo, mas na atual situação podia sentir a assassina se distanciar rapidamente, indo em direção ao general que a pouco havia se afastado.
Foi então que, em uma das últimas farejadas desesperadas para evitar perder o rastro da mulher, Lucas percebeu algo estranho. Ela havia parado.
O alarme disparou em sua mente. Cada fibra do seu corpo ficou em alerta, um arrepio subindo por sua espinha como uma onda gélida. Ele não sabia por quê, mas sentiu algo errado, profundamente errado. Então, uma risada suave ecoou pelo vazio, bem próxima ao seu ouvido. Não era apenas uma risada comum; era encantadora, quase hipnótica, mas carregada de algo perigosamente cruel.
— Parece que o cachorrinho cansou de brincar. Acho que é minha vez de me divertir.
Lucas arregalou os olhos quando viu, na direção do som, Rebeca se materializando como um fantasma surgindo do nada. Em um movimento rápido e quase imperceptível, ela começou a atacar os soldados de Insídia que protegiam o novo cerco.
Sua lâmina prateada cortava carne, rasgava gargantas e perfurava peitos como se os corpos fossem feitos de papel. Não havia hesitação em seus movimentos, apenas a brutal eficiência de alguém que havia transformado a morte em seu próprio estilo de arte. Quando notada, simplesmente desaparecia novamente, ressurgindo atrás de outra vítima a poucos metros de distância. Um por um, os guerreiros tombavam, sem resistência, como se já estivessem condenados.
O bestial tentou gritar, tentou alertá-los, mas sua voz ficou presa na garganta, seu corpo o traía. Sua frustração crescia conforme sua visão escurecia, e logo o pânico chegou como um soco ao notar que seus aliados simplesmente desapareceram do cenário. Era como se algo o tivesse sufocando, e assim como antes, o induzindo a parar de pensar.
A melodia ordenava que corresse ao centro da batalha. Tudo que parecia existir eram manchas vermelhas das quais, de alguma forma, entendia que deveria se livrar. Apesar do desespero, sentia certa sensação de liberdade. Não existiam mais problemas, guerra ou sofrimento, tinha só uma tarefa simples, e até divertida. O que precisava fazer era matar.
Assim, sem outra opção, ele obedeceu.
O suave riso soou novamente às suas costas, cheio de escárnio desinibido ao ver o corrompido que imponentemente a caçava começar a se afastar, selvagem como um reles animal.
***
Pessoal, esta semana estou enfrentando crises de enxaqueca intensas, o que tem dificultado bastante minha capacidade de escrever ou revisar capítulos. Hoje, felizmente, consegui enviar este, mas talvez haja atrasos nos próximos dias. Aproveito para comentar sobre um ponto que um leitor beta mencionou: talvez eu não tenha deixado tão claro o conceito de variantes.
De forma bem resumida, existem dois padrões principais de humanos puros no universo da história: fortalecedores e manipuladores.
Fortalecedores possuem veias que nasceram de forma a impregnar mana na carne, tornando-os fisicamente superiores. Manipuladores têm veias onde a mana flui continuamente, permitindo que produzam manifestações de mana.
Embora ambos apresentem traços do outro, essa quantidade é mínima. Por exemplo, manipuladores são mais fortes que humanos comuns, mas ainda são fisicamente mais fracos que fortalecedores. Da mesma forma, fortalecedores conseguem realizar manifestações simples, mas apenas se a mana não estiver fluindo intensamente (como acontece com as pessoas do abismo).
Além desses dois padrões, existem as variantes, que são pessoas com veias que nasceram com deformidades, resultando em habilidades ou limitações específicas. Alguns exemplos de variantes na história:
Madame, uma leitora que enxerga fluxos de mana, mas não manipula ou se fortalece. Luiz, um mentalista. Brayner, um encantador, que aprimora outras pessoas recitando palavras (essa habilidade, admito, não foi muito explorada, mas talvez alguns lembrem que ele conseguia impulsionar os outros dessa forma). Rebeca, com veias equilibradas, um caso raro.
Como as variantes são um tema que será aprofundado mais à frente na história, não quero me alongar muito agora. Mas percebo que deixei essas informações talvez um pouco sutis demais nas entrelinhas e espero ter esclarecido.
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