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Chapter 153 - A Balança da Guerra

— Pelo meio! Impeçam as flechas de chegarem nos bestiais!

A voz de Leandro cortava o ar como um trovão, sobrepondo os gritos e choques de armas ao redor. Seu comando ressoava com tanta força que até mesmo os inimigos podiam sentir a determinação por trás dele.

— Abram espaço para os lagartos, centralizem o combate!

Lucas, o líder da divisão bestial, não deixava por menos, gritando ordens quase tão alto quanto o general de Carapicuíba. Embora às vezes as vozes virassem uma confusão, eram absorvidas com precisão pelos soldados dos dois exércitos aliados.

Sem hesitar, dois esquadrões de vinte escamosos cada avançaram rapidamente, posicionando-se à frente dos guerreiros animalescos de Insídia. As flechas da Guilda dos Ventos Livres caíam como chuva, mas ricocheteavam nas resistentes escamas que reluziam sob a luz pálida do sol, e logo, com suas caudas longas e tridentes sendo usados com precisão letal, retalhavam de volta, formando uma parede viva que se revezava entre ataque e defesa.

No entanto, não eram poucos os momentos de vulnerabilidade. Quando os manipuladores adversários infundiam mana nos projéteis, as brilhantes flechas disparadas ganhavam poder suficiente para perfurar a carapaça externa, encontrando a carne até do mais resistente guerreiro.

Nessas situações críticas, os atingidos recuavam rapidamente, movendo-se com disciplina para receber primeiros socorros e um breve descanso. Pomadas e remédios feitos pelos mascarados eram aplicados, e, com exceção de casos mais graves, permitiam que retornassem à luta em questão de minutos. Um ciclo constante de resistência, recuperação..

Paralelamente, os alvos de suas proteções lutavam ferozmente contra os Sombrios. Para os bestiais, a ordem de Lucas para que recuassem enquanto defendiam parecia simples, mas relembrá-la continuamente era essencial. Estavam sendo obrigados a se mover em formações apertadas, protegendo uns aos outros de ataques furtivos, uma lição aprendida a duras penas no início da batalha.

Haviam subestimado os Sombrios, acreditando que suas próprias habilidades seriam suficientes. Foi assim que, em um piscar de olhos, três dezenas de corrompidos cairam, vítimas da estratégia insidiosa dos guerreiros encapuzados.

Enquanto alguns Sombrios haviam avançado de frente, simulando batalhas honradas, um grupo seleto se esgueirou pelas sombras, explorando pontos cegos. Com movimentos silenciosos, desembainharam finas adagas que encontraram os corações desprotegidos de seus alvos. 

Felizmente, apesar da dificuldade em enfrentar a agilidade dos inimigos, os bestiais que compunham a linha de frente adaptaram-se rapidamente. O treinamento intensivo com os conselheiros de guerra mostrou seu valor. Seus corpos moviam-se por puro instinto, aplicando as artes marciais que haviam praticado exaustivamente. Bloqueavam golpes com garras afiadas, desviavam de ataques com as poucas peças de armadura que utilizavam e, sempre que podiam, contra-atacavam.

Apesar do mesmo não se repetir com todos os outros soldados corrompidos, seus sentidos aprimorados permitiam antecipar movimentos, e logo começaram a equilibrar o confronto, resultando na formação "costa a costa" de agora, reduzindo drasticamente as baixas.

Os escamosos observaram a forma de luta de seus companheiros com sutil interesse, o qual não demorou para se tornar admiração. Eles sabiam valorizar a habilidade em combate, e mesmo orgulhosos de suas próprias capacidades, não hesitavam em reconhecer a destreza dos bestiais. Gritos de incentivo e respeito ecoaram entre ambos, fortalecendo a camaradagem no campo de batalha.

No entanto, em meio a esse cenário promissor, um problema persistia. A luta estava em um grande impasse. Flechas que não atingiam o alvo, ataques que eram bloqueados ou desviados. Havia mortos, claro, porém menos de cem guerreiros haviam caído de cada lado em mais de uma hora de luta. 

Não era uma situação tão desfavorável quando visto de fora, mas os comandantes de Insídia sabiam que, se Barueri ganhasse confiança em sua investida, as baixas cresceriam exponencialmente. A maré podia mudar a qualquer instante

Os exércitos estavam equilibrados em número, ambos com pouco mais de mil e quinhentos guerreiros. Contudo, a cidade mascarada contava apenas com sessenta guerreiros da elite bestial nesta batalha. Os escamosos já eram mais numerosos, somando pouco mais de seiscentos soldados, mas o restante das forças era composto por habitantes comuns, treinados às pressas em poucos meses. Embora tais habitantes demonstrassem bravura e habilidade, não eram páreo para as guildas que treinavam há anos.

Cada vez mais conscientes dessa desvantagem, haviam enviado mensageiros urgentes para as outras divisões. Qualquer soldado disponível deveria ser enviado imediatamente, pois a maior parte das forças de Barueri estava concentrada ali, e o equilíbrio pendia por um fio.

Foi nesse cenário de tensão crescente que uma comoção distante chamou a atenção de todos. Um som que misturava gritos, explosões e um estranho ribombar. Sem explicação, as tropas de Barueri começaram a recuar de forma desordenada.

— Persigam-nos! Ganhem terreno! — Leandro gritou com força renovada, e os soldados avançaram como uma onda impetuosa.

Não demorou muito para que a perseguição revelasse o motivo do recuo.

Na parte de trás do campo de batalha, uma criatura colossal saltava e rolava, espalhando destruição por onde passava. Sua aparência era quase irreconhecível: a pele estava coberta por centenas de flechas, um mosaico grotesco de madeira e sangue seco. A cada impacto contra o solo, arqueiros eram esmagados como formigas, e a densa neblina negra que o acompanhava parecia cobrir o campo em um abraço sombrio.

— Estão lutando entre si? — Lucas murmurou, confuso com a visão à distância. O monstro saltante claramente, não era parte de Insídia. Mas então, seu faro aguçado captou algo inconfundível. Aquele cheiro rançoso, de carne velha e podre, misturado com o ferro do sangue escuro, não combinava com as mortes recentes que o cercavam. Ele franziu a testa, farejando o ar com mais atenção, antes de deixar escapar um rosnado baixo. — Cadáver…

A palavra mal havia deixado seus lábios quando um sorriso selvagem surgiu em seu rosto. Ele ergueu a voz, rugindo ordens para as tropas próximas.

— Parem de persegui-los! Aproveitem a confusão para cercar os oponentes!

O comando era inesperado, e os soldados hesitaram. Leandro, que havia acabado de cravar sua longa lança em mais um dos assassinos encapuzados, girou a arma para livrar-se do corpo antes de se aproximar, a voz grave cheia de incredulidade.

— Que tipo de ordem é essa?

— Vamos reorganizar as forças. Manter uma postura defensiva — Lucas respondeu, sem tirar os olhos do campo.

— Não é hora disso. Temos que matar o máximo que conseguirmos enquanto estão fugindo. 

— Se fizermos isso, eles vão se espalhar ainda mais.

— Isso não é algo bom? — retrucou Leandro, a voz carregada de dúvida.

— Normalmente, sim. Mas vai dificultar as coisas para Nyx.

Leandro piscou, confuso.

— Nyx? A conselheira de… entretenimento?

— Isso mesmo. — Lucas apontou para a criatura ao longe. — Não tá ouvindo ela tocar?

Leandro se esforçou por um momento, tentando entender o que o líder da divisão bestial estava insinuando. Então, ele ouviu. Uma melodia que parecia pairar sobre a névoa negra, carregada de uma energia quase sobrenatural. Era desconcertante, uma música que oscilava entre um lamento profundo e um chamado irresistível.

— E que merda ela veio fazer aqui?

Lucas respondeu apenas com um grunhido, indicando novamente com o queixo a figura saltitante da criatura envolta na névoa negra. Leandro seguiu o olhar e, mesmo contra sua vontade, seus olhos arregalaram-se com o que viu. A neblina, que antes parecia um véu de escuridão, agora estava desaparecendo lentamente, dissolvendo-se no ar. Mas o que emergia dela era ainda mais perturbador.

Os gritos já agonizantes se transformaram em pânico puro quando mãos dos soldados caídos começaram a agarrar as pernas de seus antigos companheiros. Era uma cena que parecia saída de um pesadelo. Rostos pálidos e vazios, cheios de um ódio silencioso, começaram a levantar-se entre os vivos.

O campo foi tomado por um terror absoluto. Soldados tropeçavam, tentando fugir das garras dos mortos, enquanto outros se debatiam em vão enquanto eram arrastados para o chão.

— Como isso é possível…? — Leandro murmurou, o horror transparecendo em sua voz enquanto observava o que parecia impossível. Ele já havia ouvido rumores de mortos que voltavam a andar, mas sempre como casos isolados, raridades encontradas em lugares esquecidos do mundo. — Essa mulher… ela faz parte da Igreja?

Lucas riu, mas a risada não tinha humor. Era baixa e gutural, quase inaudível.

— Não… Nyx… Sombra… Conselheira… Insídia… Só… — suas palavras saíram de forma desconexa, e foi então que Leandro percebeu algo errado. Os olhos do homem estavam ficando negros, como se algo estivesse consumindo o brilho natural de suas íris. Sua respiração estava pesada, animalesca.

***

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