O barco deslizava solenemente pelo rio, apenas o murmúrio da água rompendo o silêncio tenso que pairava entre o trio, cada um absorto em seus próprios pensamentos.
— Estamos próximos, já consigo ver as primeiras torres — murmurou Luiz, quebrando o clima incômodo.
— Vamos avançar só um pouco mais — comentou Ana, apoiada na lateral do barco. Seus olhos varriam a mata sem pressa, buscando o melhor lugar para o desembarque.
Foi então que, no limiar entre as árvores, vislumbrou um par de olhos amarelos brilhando na escuridão. Um lobo cinzento parecia tranquilamente beber alguns goles de água, quando de repente ficou imóvel como uma estátua, apreensivo com a aproximação da grande embarcação. A mercenária, notando sua tensão desnecessária, acenou levemente para chamar sua atenção, e um macabro sorriso acabou nascendo no rosto da criatura.
— Rai...nha... Ana... — as palavras saíam de forma distorcida, dançando entre o som de um rosnado e um sussurro quase humano.
Ana se surpreendeu, era raro encontrar um lobo que falasse diretamente com ela, e isso indicava que ele era um dos mais conscientes da matilha. Com uma ideia repentina, subiu ao leme e usou a mana para desacelerar o barco, se aproximando da margem. A inteligência que eles haviam desenvolvido era um dom que, principalmente nessa situação, se assemelhava a uma bênção.
Saltando para o solo, ela se aproximou do animal, avaliando a força das patas e seu porte robusto. Depois que começaram a ser cuidados pela cidade, perderam um pouco de seu aspecto raquítico, apesar de ainda serem uma visão assustadora. Deu algumas batidinhas em sua cabeça, e o lobo ficou estranhamente alegre com o pequeno gesto.
— Eu preciso que você e os seus carreguem alguns suprimentos, caixas pesadas. Conseguem fazer isso?
O lobo inclinou a cabeça, o olhar intrigado e quase confuso. Ele rosnou baixinho, claramente tentando compreender a ordem, mas sem sucesso.
— Cai…xas? Carregar? Nós... lutamos. Carregar...?
Ana suspirou, cruzando os braços. Seu olhar endureceu um pouco, mas sabia que precisava ser paciente.
— Lembre-se, garoto, vocês já me ajudaram com algo do tipo antes — ela tentou explicar novamente, abaixando-se para ficar ao nível dos olhos dele. — Essas caixas têm algo importante dentro. Vocês podem levá-las até o Gabriel?
Suas mãos simularam asas, tentando deixar mais claro que falava sobre o anjo. O lobo continuou hesitante, os olhos piscando em dúvida, como se não conseguisse assimilar o conceito. Ana suspirou mais uma vez.
— Escute — disse ela, tentando um tom ainda mais firme, embora sem perder a calma. — Ali — apontou para os baús presentes no barco. — Comida. Levar para Garm. Certo?
— Presente… pro líder?
— Isso! Quero que deem um presente para o líder! — com pressa e receio do lobo deixar de entender novamente, rasgou uma fina página de um bloco de notas que levava em seu bolso, dando orientações de que as caixas deveriam ser entregues para o anjo que gerenciava a cidade e levadas aos laboratórios subterrâneos, amarrando-a diretamente na perna do animal. — Chame sua matilha, temos muitos presentes para entregar.
O lobo pareceu finalmente captar o que a rainha desejava. Ele assentiu com um movimento de cabeça, e soltou um uivo alto e prolongado. Aos poucos, outros lobos começaram a emergir da escuridão, suas silhuetas se formando na penumbra, respondendo ao chamado de seu companheiro.
Com um leve sorriso satisfeito, Ana acariciou novamente o pelo do lobo, e em conjunto com Niala e Luiz, começou a amarrar cuidadosamente as caixas em suas costas. Ela calculou mentalmente quantas cada um poderia suportar e logo percebeu que, felizmente, o trabalho não seria tão demorado quanto pensava. Claro, desde que não explodissem pelo caminho.
— Luiz, irei me apressar para reunir os conselheiros. Quero que passe na cidade antes de partir. Se a rainha inseto desejar, não há problemas em levá-la junto.
Vendo o aceno do mentalista, Ana subiu nas costas de um dos animais. O pelo espesso e a estrutura óssea faziam o transporte se mover de forma inesperada, o que a fez ajustar rapidamente seu equilíbrio.
— Não é tão confortável quanto andar no Garm — murmurou, quase divertindo-se com a situação.
Assim que deu o sinal, o monstro partiu em disparada, e Ana sentiu o vento frio da noite cortando seu rosto. Os poucos quilômetros passaram em um instante, e ela podia ver os primeiros guardas observando o retorno deles com expressões de surpresa.
Assim que cruzaram os portões, Ana saltou do animal, dispensando-o com um aceno. Notou, satisfeita, que os demais lobos seguiram corretamente para os túneis onde os baús seriam armazenados. Sem perder tempo, ela se dirigiu diretamente ao castelo, onde logo avistou Miguel, trabalhando em sua habitual pilha de relatórios. A pergunta saiu de forma direta assim que se aproximou do secretário.
— Todos estão cientes do exército se aproximando, certo?
Miguel assentiu, um brilho de preocupação percorrendo seus olhos.
— Sim, fui informado recentemente pelos guardas das divisas. Devem chegar até nós ao longo do dia de amanhã.
— Quantos são?
— Algo entre dois mil e quinhentos e quatro mil. Talvez mais, mas felizmente sem artilharia — suspirou Miguel. — Parece que vão confiar nos manipuladores para atravessar os muros.
— Bom, poderia ser pior.
— Poderia, mas a situação ainda não é boa.
— Não disse que era — brincou Ana. — Convoque todos os conselheiros. Quero vê-los na sala da távola redonda o mais rápido possível.
Miguel fez um gesto de entendimento e rapidamente partiu para reunir o conselho, enquanto Ana se dirigia aos aposentos. Mesmo para ela, a viagem de alguns dias no mar havia sido cansativa, precisava se recompor e estar pronta para o que vinha a seguir.
Ao entrar em seus aposentos, soltou um longo suspiro, tirou o manto de viagem com movimentos rápidos, jogando-o sobre uma cadeira, e retirou as botas empoeiradas. Com passos decididos, dirigiu-se ao canto do quarto, onde um pequeno cômodo com um ralo de escoamento e um chuveiro simples a esperavam.
Despiu-se, removendo cuidadosamente as bandagens que ainda estavam presas a sua pele, e entrou, sentindo a água quente escorrer por seu corpo, relaxando a tensão acumulada e lavando o peso da viagem. Ela inclinou a cabeça, deixando que caísse sobre seu rosto e ombros, e fechou os olhos por um momento. Sua mente vagou, e em meio ao confortável calor, pensou nos sacrifícios que todos teriam que fazer.
Os minutos passaram devagar, mas logo encerrou seu banho. Se secou e começou a vestir seu traje de batalha, o qual raramente utilizava, com atenção meticulosa a cada peça. O tecido negro reforçado, com adornos de metal nos ombros e o símbolo de Insídia bordado em prata no peito, conferia-lhe uma presença imponente. Se complementava por amarrações firmes, ligas reforçadas e uma capa curta, que lhe dava agilidade e, ao mesmo tempo, transmitia respeito. Não gostava de como pesava sobre o seu corpo, principalmente por, nesse mundo com mana, sentir que eram apenas adornos sem sentido.
"Bem, é uma ocasião especial, não custa nada parecer um pouco mais legal enquanto luto por aí".
Por fim, rindo de si mesma, ajeitou o cabelo, prendendo-o de modo a deixar o rosto completamente visível, permitindo que todos enxergassem a resolução fria em seus olhos cor de mel.
Pronta, saiu de seus aposentos e seguiu pelos corredores até a sala de reuniões. À medida que se aproximava, o murmúrio abafado das vozes dos conselheiros se tornava mais claro, cada um aparentemente discutindo algo em uma tonalidade melancólica compartilhada. Quando ela entrou, a sala silenciou-se instantaneamente.
Seus olhos percorreram cada rosto ao redor da mesa. Havia expressões de preocupação, cansaço e até um leve toque de medo em alguns olhares. Eles sabiam o que estava em jogo; sentiam o peso da responsabilidade e do momento, e a chegada dela só fazia que esse momento se tornasse ainda mais real.
Para sua surpresa, o general escamoso apresentado por Eva, Leandro, também estava presente, observando o cenário em um dos cantos, levemente mais afastado. Já Alex, que geralmente exibia um sorriso confiante e até brincalhão, parecia mais perturbado que os demais, com olhos baixos e sombrios, como se estivesse carregando um fardo invisível. Isso despertou a curiosidade de Ana, mas ela decidiu guardar para si a observação por enquanto.
Sem hesitar, ela caminhou até um lugar vazio próximo às grandes janelas. Os olhos de todos seguiram cada movimento seu, e o som da madeira sendo arrastada pelo chão ao puxar a cadeira ecoou ruidosamente na sala. Ela se sentou, e por um momento, permitiu que o silêncio pesasse sobre todos, até que enfim soltou sua declaração, o prelúdio de decisões da batalha que já se aproximava das portas de Insídia.
— Temos muito a conversar.
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