— É incrível te ver por aqui — disse Madame, com um sorriso caloroso no rosto, servindo duas canecas de cerveja azul e espumante e empurrando-as em direção aos visitantes inesperados.
— Digo o mesmo. Quem pensaria que você sairia do seu lugar de sempre? Tenho boas memórias daquela taverna... Afinal, foi onde minha história começou.
— Ah, também tenho, querida — Madame riu, relembrando com afeto. — Mas Insídia... Insídia é a realização de um mundo mágico. Não tinha como ficar longe por muito tempo. Além disso, as coisas andam bem desagradáveis por lá ultimamente. Achei melhor mudar de ares.
Natalya riu também, levando a caneca aos lábios e experimentando a bebida azulada. Ela observou o líquido por um instante, girando-o vagarosamente.
— Não posso negar que a cidade é a sua cara — comentou, dando outro gole. — Você realmente avançou em suas receitas nesses anos, isso aqui está muito bom.
— Pare com esses elogios desnecessários — a taverneira acenou a mão em um gesto despreocupado enquanto se voltava para o homem ao lado de Natalya. — E esse aí, quem é?
A Colecionadora lançou um breve olhar ao companheiro, ponderando como apresentá-lo antes de responder com simplicidade.
— Um aprendiz — respondeu por fim, dando uma batidinha no próprio peito metálico escondido por baixo de um pesado casaco preto. O homem, sem dizer uma palavra, ergueu a cabeça, cumprimentando brevemente Madame. O rosto sob o capuz exibia um olhar frio, atento, analisando a taverneira de cima a baixo.
— Achei que você seria uma loba solitária para sempre. Quem diria que acharia alguém tão louco... digo, com interesses tão semelhantes para te acompanhar…
Os olhos dela percorreram a armadura do suposto aprendiz com interesse, inicialmente assumindo que fosse apenas isso, uma armadura. Mas conforme olhava mais, notava detalhes sutis: fragmentos de carne artificial, mecanismos internos e um estranho reflexo que passava por trás das placas, semelhantes ao de Natalya, que revelavam que aquilo tinha um uso muito além da simples proteção, uma fusão complexa de modificações corporais.
— Coincidências da vida — murmurou Natalya, ironicamente, a voz carregada de um humor seco. Seu companheiro bufou levemente com a resposta e bebeu de sua caneca com uma expressão de aprovação, antes de começar a ajustar uma arma acoplada ao braço, desinteressado com o restante da conversa.
Natalya observou-o um segundo mais, então voltou-se para Madame.
— Mas e então? Como foi que este lugar cresceu tão rápido? Já conheci os mascarados de antes... Lutavam bem, mas eram pouco mais que estátuas vagando por aí.
— É uma longa história... mas, em resumo, a suposta rainha deles surgiu de repente e tomou as rédeas de tudo.
— Uma rainha? — Natalya arqueou uma sobrancelha, intrigada.
— Sim, uma incrível, por sinal. — Madame inclinou-se, falando em tom mais baixo. — Tudo aqui avança a passos rápidos. Mas não recomendaria que criasse problemas... ela não bate muito bem.
Natalya sorriu com uma expressão torta e virou mais uma vez o copo, sentindo o frescor passar por sua garganta..
— E quem bate bem hoje em dia, Madame? O mundo lá fora está um caos.
— Imagino — a taverneira respondeu, suspirando. — Vai ficar na cidade por um tempo? Adoraria ouvir algumas das suas novas histórias.
— Não tenho certeza... Soube que algumas coisas interessantes estão surgindo por aqui. Vim ver se consigo pegar algo da famosa cidade das máscaras para minha coleção.
— Oh, "famosa cidade"? Não sabia que as notícias se espalharam tanto. Mas, querida, você chegou em uma péssima hora. Insídia está à beira de uma guerra, o clima está cada vez mais tenso.
Antes que pudesse responder, Natalya sentiu uma leve pressão em sua cabeça, um zunido quase imperceptível que ecoou como um sussurro em sua mente. Sua expressão endureceu enquanto a familiar voz interior rompia a quietude de seus pensamentos.
"Inconsistências… pegue-as…"
Ela piscou, tentando clarear os pensamentos, mas seus olhos se estreitaram, e seu corpo entrou em alerta. Com a visão periférica, começou a analisar o ambiente ao redor, observando cada figura que preenchia o salão. De relance, seus dedos se contraíram, como se quisessem agarrar algo. Ela mordeu o lábio ao perceber uma dupla se aproximando, e a tensão no ar pareceu engrossar, carregada de uma antecipação estranha e palpável.
O primeiro, um homem de passos leves, usava uma máscara azul de aparência demoníaca e exalava um ar inegavelmente marcial, que contrastava com a energia leve e jovial da garota ao seu lado, uma ruiva com uma pequena máscara de raposa que falava animadamente sobre algo. O brilho rúnico do metal escuro reluzia em seus braços, e Natalya quase sentiu os dedos formigarem, uma ânsia de tocar aquela armadura que parecia mais um artefato vivo. Quando deu por si, eles já estavam ao seu lado no balcão.
— Boa tarde, Madame — cumprimentou o homem, acomodando-se em uma banqueta com um leve arquejo de cansaço.
— Boa tarde! — respondeu a mulher, sorrindo enquanto pegava mais uma caneca. — Dia livre? Não costumo te ver por aqui neste horário.
— Livre? — Alex soltou uma risada seca, que mais parecia um grunhido abafado pela máscara. — Está sendo um dia de matar, isso sim. Vim relaxar um pouco.
— Então perfeito! — riu Madame, enchendo o recipiente de cerveja enquanto, com destreza, servia uma taça de vidro com um líquido amarelo aromático e refrescante para a jovem ao lado. — Para a mocinha, um suco de outono.
Eva aceitou a bebida com um aceno e um sorrisinho resignado, que parecia desmoronar lentamente em uma expressão contrariada.
— E a cerveja de mana? — murmurou a garota, os olhos faiscando com uma expectativa frustrada.
— Não pra você — respondeu Madame, rindo baixinho.
— Vocês têm algo... realmente intrigante — comentou Natalya, de repente e sem rodeios, com a curiosidade explícita. — Também são aficionados por implantes? — perguntou, indicando os braços blindados de seu aprendiz.
— É uma armadura… — Eva foi a primeira a responder, adotando um tom sombrio que contrastava com sua usual vivacidade. Sentia arrepios sempre que recordava que aquilo estava em seu corpo.
Em conjunto com seus resmungos, seus olhos examinaram o estranho corpo do homem apontado pela mulher, e não pôde deixar de exclamar ao notar suas características incomuns.
— Você é um robô? Que incrível! Como nunca te vi por aqui antes?
— Quase isso. Digamos que… ele gosta de melhorias — respondeu Natalya no lugar do homem calado. — Acabamos de chegar à cidade, é um prazer conhecê-la, jovem.
— Eu me chamo Eva!
— Ótimo, então é um prazer, Eva. Eu me chamo Na…
Um estalo alto interrompeu a apresentação. Todos se voltaram para Alex, que segurava a mão trêmula sobre o balcão, onde cacos de vidro espalhados refletiam a luz em fragmentos reluzentes. Ele olhava para Natalya com uma intensidade estranha, quase perturbadora.
— Ei, tonto, presta atenção! — Eva passou a mão em frente aos olhos dele, estalando os dedos algumas vezes até que ele finalmente despertasse do transe.
— Me… me desculpem. Como eu disse, o dia está difícil hoje... — Alex pareceu se recompor, mas ainda sem desviar o olhar de Natalya. — Você acabou de chegar na cidade? Mesmo com os portões fechados?
Natalya inclinou a cabeça levemente, um sorriso enigmático brincando em seus lábios enquanto colocava um dedo sobre eles, num gesto de segredo.
— Admito que mexi uns pauzinhos com meu status... mas não contem para ninguém.
Alex riu roucamente, sua voz saindo em um estranho som contido.
— Certo… — Ele lançou um olhar para a taverneira, que já estava com a velha vassoura e a pá em mãos, varrendo os cacos com a prática de quem já viu inúmeras cenas assim. — Madame, desculpe pela bagunça. Acabei de lembrar de uma reunião urgente.
Madame fez um gesto com a mão, dispensando as desculpas enquanto continuava a varrer.
— Voltarei mais tarde para pagar as bebidas e o estrago. Eva, precisamos ir.
— Mas estou no meio de uma conversa! — protestou a garota.
— Vamos agora. Você também precisa participar.
Resmungando, a menina virou o suco em um único gole e saltou do banco.
— A gente se fala depois! — disse para os três que a observavam, seguindo Alex, que dava passos anormalmente apressados até a porta.
"Inconsistência… busque-as."
— Calem a boca… — sussurrou a Colecionadora de forma quase inaudível para si mesma, fechando os olhos por um instante. Ignorando as ordens doloridas, se virou para a taverneira com uma expressão cansada.
— São interessantes, esses dois.
— Eu vi seu olhar. Não se deixe levar pela ganância em relação aos equipamentos dos conselheiros — murmurou Madame, sem sequer olhar para ela. — Os itens que carregam são presentes da rainha. Você não vai querer problemas com eles.
— Conselheiros? Esses jovens? — Natalya arqueou as sobrancelhas, surpresa.
— Sim, eles gerenciam tudo por aqui. Mas ignore as idades. Ninguém sabe o que existe atrás das máscaras… nem mesmo se são pessoas como nós.
Natalya estreitou os olhos, batucando a mesa devagar.
— E... quantos conselheiros exatamente fazem parte desta cidade?
— Conselheiros temos muitos, um cuidando de cada área. Mas, pelo que sei, apenas cinco compõem o grupo principal... embora eu só conheça três pessoalmente.
Natalya assentiu, pensativa.
— Entendo… Bom, prometo que vou tentar me controlar.
A taverneira lançou um olhar de soslaio, um sorriso cético curvando o canto de seus lábios. Seu gesto foi quase imperceptível, mas dizia tudo. Depois de anos lidando com mercenários e aventureiros, aprendera a reconhecer quando faíscas estavam prestes a incendiar uma fogueira. Para certos tipos de pessoas, o controle era apenas uma promessa vazia.
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