O salão do trono estava longe de ser um ambiente formal. Era espaçoso, mas ainda cru e marcado pelo desgaste do tempo e pela falta de reparos adequados, sem o esplendor que um dia poderia ter. No entanto, para o grupo reunido ali, aquele lugar era o centro do poder recém estabelecido, e as decisões que seriam tomadas nele moldariam o futuro de todos.
Ana se posicionou no centro da sala, de pé, com os braços cruzados. Ela observou atentamente cada um dos membros do Punição Divina que, ao invés de adotarem posturas sérias, encontravam-se espalhados de maneira descontraída. Alguns estavam encostados nas colunas de mármore, braços cruzados e expressões serenas, enquanto outros optaram por se sentar no chão, dispersos em seus próprios pensamentos. Era uma cena curiosa: mesmo com a seriedade das circunstâncias, a conversa entre eles era leve, quase como uma reunião de velhos amigos.
— Pretendo revitalizar esta cidade, não só por ser o único lugar que tenho para ir, mas também como parte de um plano maior que nos levará a alcançar a vingança que todos buscamos — começou Ana, sua voz clara e decidida cortando o murmúrio das conversas. — No entanto, não irei mentir, isso pode demorar. Irei entender se preferirem seguir por outros caminhos na busca pela Colecionadora. Podemos nos reunir novamente quando houver progresso nesse sentido.
As palavras pairaram no ar, e por um momento, o silêncio tomou conta da sala. Ana observou enquanto os membros do grupo trocavam olhares, comunicando-se sem palavras, uma habilidade desenvolvida pela convivência e batalhas compartilhadas, mesmo no curto período juntos. Por fim, um a um, todos negaram com a cabeça, sem hesitar.
— Estamos com você, Ana — disse Alex, sua voz firme abafada pela demoníaca máscara azul. — Não pretendemos ir a lugar algum. Acho que já nos acostumamos com a sua companhia, sabe?
Um sorriso leve surgiu nos lábios de Ana, e ela assentiu.
— Ótimo, porque teremos muito trabalho pela frente.
Ela deu alguns passos ao redor, e a tensão em seu corpo relaxou um pouco ao sentir o apoio de seu grupo.
— Precisamos de uma estrutura mais organizada se quisermos ter sucesso — continuou Ana. — Há muitas formas de fazer isso, mas por enquanto estabeleceremos um conselho. Vamos dividir as responsabilidades para que todos saibam exatamente o que precisam fazer.
Ela olhou para Alex, cuja expressão era uma mistura de curiosidade e apreensão.
— Quero uma força militar forte. Você ficará encarregado do treinamento, mas não fará isso sozinho.
Ela gesticulou para um dos mascarados que se destacava entre os demais. Ele tinha uma presença imponente, um porte físico que denunciava um corpo treinado e preparado para o combate. Sua máscara era vermelha e carregava uma expressão rabugenta, que combinava de forma curiosa com a máscara de oni azul que Alex havia escolhido.
Ana parou por um momento, refletindo sobre o segundo conselheiro de guerra. Embora sua constituição fosse notável, ela sabia que isso não tinha relevância real. Afinal, ela o havia criado assim, não era como se ele tivesse construído aquele corpo através de esforço próprio.
— Qual é o seu nome? — perguntou, esperando que ele se apresentasse.
— Eu não tenho um nome, minha senhora — respondeu ele, sua voz grave e firme, como se não houvesse necessidade de mais explicações.
Ana arqueou uma sobrancelha, surpresa pela resposta direta.
— E por que não tem um nome?
— Não há necessidade de nomes entre nós — respondeu o mascarado com simplicidade, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Tenho certeza já ter visto algumas estátuas nomeadas.
— Os que assim desejam, os tem, minha senhora.
Ana suspirou, sentindo uma leve dor de cabeça se aproximando. Era sempre um desafio lidar com essas criaturas.
— Certo, nova regra: a partir de agora, todos devem pensar em um nome. Quero uma lista completa com o nome de cada habitante, assim como sua máscara característica. Além disso, nada de minha senhora, é cansativo.
Além de Gabriel e do grande homem de máscara vermelha, outros dois mascarados encontravam-se na sala, todos assentindo silenciosamente, aceitando a nova ordem sem protestar, mas era evidente que não viam muita utilidade na regra. Ignorando-os, Ana então se voltou para Eva, que estava sentada no chão, balançando as pernas de forma distraída.
— Eva, você é uma criança. Pode continuar treinando e fazendo… o que crianças fazem.
A garota ruiva imediatamente cruzou os braços, e Ana quase podia imaginar suas bochechas infladas por trás da máscara de raposa. Havia uma leve irritação na postura de Eva, que não gostou nada da sugestão de ser deixada de lado.
— Não é justo! Como pode me considerar uma criança depois de tudo?
— Nah, estou só te enchendo o saco, claro que vai ter que trabalhar, eu não alimentaria alguém que ficasse vagabundeando o dia todo. Você vai cuidar dos assuntos da cidade, ver a logística de cada área e ajudar na comunicação entre elas. Acha que consegue fazer isso?
Eva endireitou-se, como se tivesse acabado de receber uma missão de extrema importância, e assentiu vigorosamente. Ana sorriu antes de se levantar e virar-se para Luiz, que estava observando a troca com uma expressão divertida nos olhos, percebida mesmo através de sua máscara simples.
— Luiz, você será responsável por lidar com outros povos. Entende o motivo, certo? — disse a mercenária, batendo de leve com o dedo na própria têmpora.
— Claro, certamente não tem ninguém melhor para a "diplomacia" do que eu — respondeu ele de forma orgulhosa.
Ana então voltou sua atenção para Gabriel, que estava pronto para apresentar os outros dois mascarados.
— Como solicitou, trouxe alguns dos que considero capazes. São mais que o suficiente para integrar o conselho inicial do reino — começou o anjo, apontando para uma mulher esbelta cujo porte sugeria agilidade e destreza. Sua máscara era adornada com detalhes finos, lembrando um pássaro de rapina, dando-lhe um ar de alerta constante. — Ela é uma especialista nos terrenos circundantes, conhece cada detalhe da geografia da região.
Ana estudou a mulher por um momento antes de voltar-se para o segundo mascarado, um homem robusto, com ombros largos e mãos que pareciam feitas para segurar um martelo. Sua máscara era simples, mas funcional, com linhas que lembravam engrenagens e ferramentas, uma representação clara de sua área de atuação.
— Este aqui tem um vasto conhecimento em engenharia. Será fundamental para a reconstrução da cidade.
Ana assentiu, satisfeita com as escolhas iniciais de Gabriel.
— Ambos trabalharão diretamente sob sua supervisão. Na verdade, você será o supervisor geral de todos os conselheiros. Facilitará a comunicação entre eles e garantirá que todos estejam trabalhando em harmonia.
O anjo de pedra inclinou a cabeça em concordância, aceitando o papel com a habitual calma e dedicação. Em seguida, Ana chamou Miguel, um dos poucos que haviam se apresentado, e que a levou ao falso pensamento sobre os nomes.
— Você tem se mostrado competente em tudo que faz. A partir de agora, será meu assistente direto. Espero que não seja apenas uma estátua que fica na porta, quero opiniões relevantes e um suporte eficaz.
Miguel, cuja máscara sorridente havia se tornado um rosto familiar para todos ali, fez uma reverência profunda.
— Farei o meu melhor, minha sen…
— Sem essa merda de minha senhora — disse Ana, parando o homem em meio a sua frase. Sem dar tempo para que ele respondesse, voltou-se para a Sombra, cuja presença era quase etérea na penumbra da sala. — E você? O que quer fazer?
A Sombra, que estava relaxada contra a parede, ergueu o olhar preguiçosamente, um brilho indiferente em seus olhos amarelados.
— Sei lá... tanto faz — respondeu com um desdém calculado. — Tenho deixado a vida me levar, um dia de cada vez, não costumo fazer planos desse tipo….
Ana soltou um suspiro, balançando a cabeça em um misto de frustração e diversão.
— Bom, então você está no comando do entretenimento — Ana respondeu, deixando um leve riso escapar por detrás da máscara. — Cante, dance, ou faça o que te vier na cabeça. A verdade é que não pensei muito sobre o cargo de ninguém, siga seu coração.
— Bem, posso fazer isso — disse a Sombra, com uma leve satisfação em sua voz.
— Mas você não vai fugir das regras. Escolha um nome!
A Sombra soltou um leve bufar, mas depois de uma breve pausa, murmurou.
— Nyx... Pode ser Nyx.
— Nyx? De onde veio isso? — questionou Ana, curiosa com a escolha.
A Sombra ergueu os olhos, um brilho que era difícil de decifrar iluminando seus olhos amarelados.
— Era meu nome original. É meio estranho na boca depois de tanto tempo, mas vai servir.
Por um momento, o ar entre elas pareceu ficar mais denso, carregado de histórias não ditas. Ana percebeu que havia mais na Sombra do que qualquer um ali poderia imaginar, mas sabia que não era o momento para aprofundar essas questões.
— Certo, então será Nyx — disse a rainha, com uma firmeza renovada. — Agora, vamos falar sobre os habitantes. Temos quinhentos mascarados disponíveis. Quero que definam um esquema de rotação. É importante que todos conheçam todas as partes da cidade e saibam como funciona cada área. Não quero ninguém isolado em uma única tarefa por muito tempo.
Os líderes ao redor da sala assentiram em concordância. Era visível que cada um deles já começava a formular planos em suas mentes, considerando a melhor maneira de lidar com suas novas responsabilidades.
— Deixarei que se organizem como acharem melhor nesta primeira semana. Iremos fazer ajustes com o tempo, conforme aprendermos o que funciona e o que não funciona.
Ela fez uma pausa, permitindo que as palavras afundassem nas mentes de seus conselheiros.
— Bom, agora vamos para o próximo tópico — disse Ana, finalizando a primeira parte da reunião. Ela sentiu que a base havia sido estabelecida, mas ainda havia muito a ser discutido.