Parte 1
O porto de Applekird fervilhava com a atividade usual do início da manhã. Marinheiros carregavam caixas e barris, mercadores negociavam suas mercadorias e viajantes preparavam-se para embarcar em suas jornadas. William e Ed caminhavam pela doca de madeira, observando o movimentado cenário com atenção.
"Você está pronto para isso?" William perguntou ao filho, seus olhos avaliando a determinação de Ed.
Ed assentiu, segurando firmemente o cabo de suas cimitarras. "Estou. Vamos fazer isso."
Enquanto caminhavam em direção ao navio que os levaria à ilha de Fen, avistaram Wilde se aproximando. O homem de manto negro tinha uma expressão resoluta e um leve sorriso nos lábios.
"Bom dia, Billy. Ed." disse Wilde, cumprimentando-os com um aceno.
"Decidi que também irei até Fen com vocês. Esse monstro é uma ameaça grande demais para ser ignorada."
William sorriu e apertou a mão de Wilde. "Fico feliz em ter você conosco. Sua experiência será inestimável."
Ed observava a interação, surpreso. A presença de Wilde significava que a situação era realmente grave, mas também significava que teriam mais ajuda na batalha que os aguardava.
O navio que os aguardava era um escuna robusta, com velas brancas prontas para serem içadas ao vento. Os marinheiros estavam ocupados preparando o barco para a partida, mas interromperam suas atividades ao ver os três se aproximando.
Um homem alto e musculoso, com uma barba grisalha e olhos astutos, se destacou do grupo e caminhou até eles. "Bem-vindos a bordo do Falcão do Mar. Eu sou o capitão Basil Ford. Ouvi dizer que vocês são os Mercenários que se juntarão a nós na viagem para a Ilha de Fen."
William apertou a mão do capitão. "Isso mesmo. Sou William Haver, e este é meu filho, Ed Haver. Você já deve conhecer o Wilde."
Basil assentiu para Wilde. "Sim, conheço. É prazer em conhecê-los. Vamos fazer essa viagem o mais rápida e segura possível."
Wilde sorriu de volta. "Agradecemos, Basil. Já estamos prontos para ir."
Basil fez um gesto para os marinheiros. "Homens, venham conhecer nossos novos companheiros de viagem!"
Os marinheiros se aproximaram, curiosos e amigáveis. Wilde fez as apresentações, descrevendo brevemente as habilidades de William e Ed. A resposta dos marinheiros foi acolhedora, com muitos cumprimentando os novos passageiros e oferecendo ajuda para acomodar suas coisas.
Enquanto William e Wilde conversavam com Basil sobre os preparativos para a viagem, Ed explorava o navio. Foi então que ele avistou outro jovem, da sua idade, carregando um saco de mantimentos para o porão. Ed se aproximou e ofereceu ajuda.
"Posso dar uma mão com isso?" Ed perguntou.
O jovem olhou para ele, surpreso, mas depois sorriu. "Claro! Sou Peter. Trabalho aqui."
"Prazer, Peter. Eu sou Ed." disse ele, pegando o outro lado do saco e ajudando a carregá-lo até o porão.
Enquanto trabalhavam juntos, os dois jovens começaram a conversar sobre suas vidas e hobbies. Peter contou histórias sobre as viagens que o navio havia feito, os portos exóticos que havia visitado e as tempestades que enfrentaram no mar. Ed, por sua vez, falou sobre suas experiências como Mercenário, as criaturas que havia caçado e como era treinar ao lado de seu pai.
"Você realmente luta com cimitarras?" Peter perguntou, os olhos brilhando de interesse.
"Sim, é minha arma favorita." Ed respondeu, sorrindo.
"Meu pai me ensinou tudo o que sei."
Peter parecia impressionado. "Espero poder ver você em ação algum dia. Deve ser incrível!"
Depois de acomodar os mantimentos, os dois subiram de volta ao convés, onde encontraram William, Wilde e o capitão Basil finalizando os preparativos. As velas estavam prontas e os marinheiros aguardavam a ordem para zarpar.
"Estamos prontos para partir." anunciou Basil.
"Que os ventos estejam a nosso favor."
Com uma última olhada para a costa, William, Ed e Wilde se acomodaram enquanto o navio começava a se mover. As velas se encheram de vento, e o Falcão do Mar deslizou suavemente para fora do porto, deixando a cidade de Applekird para trás.
Parte 2
A noite envolvia o navio em uma escuridão tranquila, quebrada apenas pelo som ritmado das ondas e o ocasional canto dos marinheiros. A brisa suave trazia consigo o aroma salgado do mar e o frio úmido que fazia os homens se aconchegarem mais perto do fogo improvisado na proa do navio. William, Ed, Wilde, e os marinheiros sentavam-se ao redor das chamas, suas faces iluminadas pelo brilho intermitente do fogo.
"Essa é a melhor hora para uma boa história." disse Caspian, um dos marinheiros mais velhos, com uma voz rouca que carregava anos de vida no mar. Ele olhou ao redor, certificando-se de que tinha a atenção de todos.
"Vamos lá, senhor Caspian, o que você tem pra nós hoje?" perguntou Peter, sua curiosidade evidente. Ele estava ansioso para ouvir uma das muitas histórias que os marinheiros contavam durante suas viagens.
Caspian sorriu, mostrando dentes amarelados pelo tempo. "Vou contar a vocês sobre uma criatura que poucos têm a coragem de mencionar: o Demônio d'água."
"O Demônio d'água?" perguntou um dos marinheiros mais jovens.
"Nunca ouvi falar."
Caspian assentiu lentamente. "Ah, mas você vai ouvir agora. Esse Demônio d'água é uma conhecida lenda das terras do leste. Dizem que ele é metade homem, metade peixe, e um verdadeiro terror das águas."
Os olhos de todos se voltaram para Caspian, enquanto ele começava a história.
***
"Há muitos anos, nas águas escuras de um dos litorais do leste, vivia um pescador. O pescador era um homem destemido e experiente, conhecido por sua habilidade em capturar os maiores peixes. Ele era amado pela vila, sempre trazendo sustento para as famílias.
Uma noite, o pescador decidiu ir pescar mais longe do que nunca. 'Hoje trarei o maior peixe de todos', prometeu ele à sua esposa antes de partir. O mar estava calmo, e as estrelas brilhavam intensamente no céu. Ele remava em seu pequeno barco, sentindo a promessa de uma grande captura.
À medida que avançava, a lua cheia iluminava a superfície do mar, criando um reflexo prateado que hipnotizava o pescador. Ele lançou suas redes, esperando pacientemente. No entanto, ao invés de peixes, ele sentiu um puxão poderoso. Algo enorme estava preso à rede.
Com esforço tremendo, o pescador começou a puxar. Quando finalmente viu o que estava preso, seu sangue gelou. Emergiu das águas uma criatura imensa, com o corpo de peixe, mas com rosto e braços humanos. Seus olhos brilhavam com uma malícia sobrenatural.
'Demônio d'água!' exclamou o homem, aterrorizado. Ele tentava libertar-se da rede, mas a criatura era rápida. Com um movimento ágil, o demônio agarrou o pescador, puxando-o para a água. O pescador lutava com todas as suas forças, mas as garras do Demônio d'água eram firmes.
As lendas dizem que o Demônio d'água não apenas afogava suas vítimas, mas também as devorava. O pescador, em um último esforço desesperado, conseguiu cortar a rede e nadar para a superfície. Ele nadou como nunca antes, seu coração batendo freneticamente no peito. Ao alcançar seu barco, remou de volta para a vila com o pouco de força que lhe restava.
Ao chegar, contou sua história aos outros pescadores, que ficaram horrorizados. Ninguém mais ousou pescar naquelas águas à noite. E sempre que a lua cheia iluminava o mar, lembravam-se da lenda do Demônio d'água, e de como o pescador sobreviveu por pouco."
***
Caspian parou, observando os rostos dos ouvintes à luz do fogo. Todos estavam silenciosos, absorvidos pela história.
"Então, é verdade?" perguntou um marinheiro mais jovem, com os olhos arregalados.
"Existe mesmo uma criatura assim?"
Caspian deu de ombros, um sorriso misterioso nos lábios. "Quem pode dizer? O mar guarda muitos segredos. Mas uma coisa é certa: há coisas nas profundezas que o homem ainda não compreende."
Outro marinheiro, chamado Fergus, um homem corpulento com uma barba espessa e ruiva, bufou e cruzou os braços. "Essa história do Demônio d'água não é nada. Vocês querem uma lenda realmente assustadora? Deixem-me contar sobre o Kraken."
Os olhos de todos se voltaram para Fergus, alguns com curiosidade, outros com ceticismo. Fergus deu um gole em seu caneco de rum antes de começar.
***
"Vocês acham que já viram monstros? Acham que um Demônio d'água é o pior que existe? Pois bem, o Kraken faz qualquer demônio parecer um peixe dourado. Há muitos anos, quando eu ainda era um jovem marinheiro, servia em um navio mercante que cruzava os mares do sul.
Em uma noite escura, sem lua, estávamos navegando por águas profundas. O mar estava calmo, mas havia uma sensação de inquietação no ar. De repente, a água começou a borbulhar, e um cheiro de enxofre encheu o ar. Do nada, surgiu uma enorme sombra sob o navio.
E então, ele apareceu. Tentáculos gigantescos, cada um mais grosso que o mastro principal, emergiram das profundezas. O Kraken. Seu corpo era uma massa disforme de carne e ventosas, com olhos que brilhavam como brasas no escuro. A fera envolveu o navio com seus tentáculos, apertando com uma força descomunal.
Os homens gritavam e corriam em pânico. Tentamos cortar os tentáculos com nossas espadas, mas era inútil. A fera era imensa e sua pele, grossa como o couro de um rinoceronte. A cada movimento, o navio rangia e estalava, prestes a ser partido ao meio.
Eu me agarrei ao que pude e rezei para qualquer deus que estivesse ouvindo. O Kraken puxava o navio para baixo, arrastando-nos para as profundezas geladas. De repente, meu antigo capitão, um homem corajoso e experiente, teve uma ideia. Ordenou que jogássemos barris de pólvora no mar, perto dos tentáculos da criatura.
Com esforço tremendo, fizemos isso. E então, com um tiro certeiro de um mosquete, o capitão detonou os barris. Uma explosão ressoou, iluminando a noite e fazendo o mar ferver. O Kraken soltou um rugido ensurdecedor e recuou, seus tentáculos se soltando do navio.
A criatura desapareceu nas profundezas, deixando o mar calmo novamente. Estávamos vivos, mas aterrorizados. Desde então, tenho evitado aquelas águas. O Kraken é real, meus amigos. E ele espreita nas profundezas, esperando por sua próxima vítima."
***
Fergus terminou a história, e um silêncio pesado caiu sobre o grupo. Alguns dos marinheiros trocaram olhares inquietos, enquanto outros tentavam esconder seu desconforto.
Ed, olhou para o pai. "Você acha que realmente existe um monstro assim?"
William colocou a mão no ombro do filho e sorriu. "Histórias de marinheiros sempre têm um pouco de verdade e um pouco de exagero. Mas é sempre bom estar preparado para o inesperado."
A noite avançou com mais histórias, risadas nervosas e olhares furtivos para o mar escuro. Quando a lua estava alta no céu, um a um, os homens começaram a se dispersar, voltando para suas camas.
"Vamos descansar, Eddy. Amanhã será um longo dia," disse William, puxando o filho para longe do fogo. Ed assentiu, ainda absorto nas histórias que ouvira.
Enquanto caminhavam para suas cabines, o som das ondas e o balanço suave do navio eram os únicos companheiros. O fogo agora era apenas um brilho distante, e a noite engolia o navio em um manto de escuridão.
"Durma bem, Eddy" disse William, antes de entrar em sua cabine.
"Boa noite, pai." respondeu Ed, deitando-se em sua cama, os pensamentos ainda navegando nas profundezas das histórias que ouvira. Ele fechou os olhos, esperando que seus sonhos não fossem assombrados pelo Kraken ou pelo Demônio d'água.