Era muito fácil se acostumar com aquela cidade, pela janela do carro uma brisa fresca entrava e embriagava todo o interior do veículo, e podia-se observar raios de sol preguiçosos por entre as folhas das arvores, a cidade inteira parecia um bosque, era inebriante, a sensação que isso trazia também, algo como, liberdade? Ainda mais acompanhada das sempre perfeitas playlists da Lucy, Irmã mais velha de Emma, as duas ficaram mais unidas depois da morte da avó, Lucy se aproximou pois temia que a Emma estivesse reprimindo o Luto, Emma sabia disso, mas não era esse o caso.
O trabalho de Lucy sempre a obrigava a viajar bastante, já que era representante da empresa, ela sempre passava uma temporada em cada filial, foi então que ela teve a ideia de levar Emma com ela, para que se distraísse, mas acabou se tornando um hábito, pois já estavam assim a 5 anos, Emma parecia não querer mais ficar presa a lugar algum, e isso a preocupava.
Emma estava fixada olhando para o caminho, ela sabia que a melhor parte ainda estava por vir, para Emma, essa sempre era a melhor parte de todos os lugares que conhecera, o cair da noite, a penumbra, a transformação que os locais sofriam com a escuridão, doce, singela, acolhedora, e ao mesmo tempo esmagadora, tomando conta de tudo.
-Já me sinto em casa, dessa vez prometo ficar pelo menos 5 anos no mesmo lugar (risos) – Emma
-Você sempre diz isso, e sempre acaba enjoada do lugar em menos de 1 ano, gostaria de saber o que você procura, assim podemos colocar como solicitação para o próximo corretor, detesto essas mudanças, são cansativas. – Lucy
-Mas algo me diz que será diferente, essa era a cidade da nossa avó, é bizarro que nunca tenhamos nem ao menos visitado, é o último presente dela para nós, estou empolgada, me sinto estranhamente acolhida, como se estivesse voltando para casa.
Ao chegar na casa, ela era ainda mais linda do que Emma tinha visto nas fotos, era de tirar o folego, toda a frente da casa era feita de pedras irregulares, e tomada por arbustos e flores por todo redor, pregadas a parede como se tivessem se fundido, o encontro entre força e delicadeza, mas o que mais interessava a ela ficava atrás da casa, então Emma saiu correndo do carro e deu a volta na propriedade, para dar de encontro com uma densa floresta, a casa de sua avó dava direto para o coração da floresta de Whivile.
Ela sempre se sentiu atraída pela natureza, e nunca entendeu bem o porquê, o cheiro das folhas, a sensação em seus pés, é uma memória tanto antiga quanto surpreendente a cada vez que experienciava aquilo, em sua infância, antes de sua avó falecer, era comum leva-la para a floresta, ela se lembra de dançar, comer, fazer piqueniques ao ar livre, era sua segunda casa, após sua avó ser achada morta na floresta ela pensou que não poderia mais ter aquela sensação, era uma dor grande demais para ser ignorada, porém foi o extremo oposto, ela se sentia acolhida sempre que entrava na floresta.
Houveram muitas especulações sobre a morte de sua avó na época, mas após a autópsia foi constatado que a avó morrera de causas naturais, essa situação era para ter sido traumatizante, principalmente para Emma, já que foi ela quem a achou na floresta.
A avó de Emma ia todos os anos em Junho passar o mês com a família reunida, era o mês favorito de Emma, pois a avó sempre a levava a floresta, e tinham as fugas noturnas que Emma amava, sua avó se espreitava pelo corredor enquanto todos iam dormir e a acordava para que elas fossem passear na floresta, sua avo acendia uma fogueira, e elas passavam horas ali, contando histórias, rindo, conversando, cantando e dançando, e antes que todos acordassem, elas corriam para casa e entravam em silêncio, cochichando e rindo baixinho, mas um dia a avó não a acordou a noite, Emma despertou de madrugada e estranhou a avó não ter vindo chama-la, já eram 3:00 da manhã "Será que ela dormiu demais?" Emma pensou, então foi até o quarto da avó, mas ela não estava lá, ela ficou magoada de imediato, " Como assim ela foi sem mim? " Emma desceu as escadas com cuidado e foi até o lugar secreto, uma clareira no coração do bosque, o lugar que as duas iam todas as noites, e ao chegar ela sentiu todo o ar sair de seu peito, deitada no chão, com uma camisola branca estava sua avó, " Por favor esteja dormindo" ela pensou, mas ao toca-la na testa, ficou claro que não era o caso.
Ela despencou, caiu ao lado do corpo da avó, de joelhos, sentiu suas pernas fracas e começou a ficar zonza, mas foi ai que ela reparou, a avó parecia estar sorrindo, como se estivesse feliz, "Menos mal" ela pensou, ao menos a avó partiu em paz, em um lugar que ela amava, Emma agora só se ressentia por não ter podido se despedir, mas o semblante da avó agora a acalmou, então ela desceu o olhar e viu o punho de sua avó fechado, ela tocou em sua mão e viu um colar com uma pedra, ela sabia que pedra era aquela, era a pedra da Lua, sua avó sempre disse que era a pedra favorita dela, a noite, com a luz da lua atingindo diretamente a pedra, ela parecia reluzir, e ao mesmo tempo absorver toda a luz, ao olhar atrás, a emoção transbordou de seu peito e escorreu pelos olhos, estava escrito "Emma", ela pegou o colar, então se levantou e caminhou vagarosamente até em casa, e acordou seus pais...
Essas memórias parecem tão distantes agora.
-Ok, volto aqui a noite, primeiro as malas ...
A casa havia sido a parte da Emma na herança da avó, já havia sido passada a 5 anos, mas Emma não sabia se estaria pronta para isso ainda, ela não podia deixar de sentir que estava invadindo a intimidade de sua avó, ela sempre as visitava, mas nunca deixou que a visitassem, porém um dia ela chegou a uma conclusão, se a avó não quisesse que ela conhecesse essa sua parte, não teria deixado a propriedade para ela.
Foi fácil fazer a escolha do quarto, já que Lucy detesta insetos, ela quis o quarto na direção contrária a floresta, o que Emma agradeceu em silêncio.
Ela conseguia ver a avó em cada pedacinho dali, a coleção de pedras em cima do móvel do quarto, a janela ampla que dava a sensação de se estar no meio da natureza, os desenhos das fazes da lua no teto, a cama com dossel coberta com uma renda delicada, hoje era um dia extremamente melancólico para ela.
Ao sentar na cama para respirar um pouco, viu que o chão rangeu, " Terei que trocar esse piso depois " pensou.
- Emma, desce para o jantar, terminamos de arrumar isso amanhã, tô exausta!
Ela nem percebeu que tantas horas haviam se passado, já estava escuro lá fora, desceu correndo e foi a cozinha jantar com Lucy, mal terminou de comer, pegou um casaco e saiu correndo.
- Já vai para a floresta? Está escuro Emma, va durante o dia!
-Vou também, são duas florestas diferentes. (risos)
Ao entrar na floresta era fácil perceber o caminho traçado entre a mata densa, dava para perceber que era usado com frequência, então ela seguiu por ele, a lua estava linda hoje, era lua cheia, estava tão claro quanto o dia, ela conseguia ver claramente a cor das folhas no chão.
- Espera, o colar! Ele está brilhando mais que o normal, será que é por a lua estar mais clara aqui? Nas outras cidades as luzes dos prédios atrapalhavam a visibilidade do céu, como essa cidade é pequena, se pode ver perfeitamente o brilho das estrelas... Deve ser por isso.
Pra sua surpresa o caminho levava até uma grande clareira, devem ter usado para algum acampamento pois tinham troncos colocados em círculo e algo que pareciam ser restos de uma fogueira.
- Vó, esse era seu lugar? - Emma pensou em voz alta.
-Nosso.
" Eu falei em voz alta? " Pensou. Uma voz, que estava distante demais para que ela pudesse ver a quem pertencia a respondeu, mas sabia que era uma mulher.
-Desculpe, estou atrapalhando algo? Qual o seu nome?- Emma
-Voce não deveria estar aqui, não é a hora.
-Como? - Emma
-Vá para casa!