O quarto ainda estava mergulhado nas sombras quando abri os olhos. O despertador sequer havia tocado, mas a sensação de inquietação me despertou antes do horário. Fiquei deitado por alguns segundos, encarando o teto, enquanto minha mente, ainda um pouco sonolenta, lentamente se ajustava à realidade do dia.
Era o dia da reunião com Shihei.
A ideia se instalou como um peso no peito. Mesmo depois de passar horas polindo o manuscrito, o nervosismo ainda estava lá, teimoso, recusando-se a desaparecer. Fechei os olhos e inspirei fundo. Já não havia mais nada a ser feito — o manuscrito estava pronto, os ajustes haviam sido feitos. Tudo dependia da reunião.
Me levantei, sentindo os músculos levemente rígidos, e segui até o banheiro. A água fria contra meu rosto foi suficiente para espantar os resquícios de sono, e quando ergui o olhar para o espelho, encarei minha própria expressão por um instante.
Ajeitei o cabelo rapidamente e voltei para o quarto, pegando uma roupa qualquer antes de descer para a cozinha.
O aroma familiar de café fresco preenchia o ambiente, e o leve barulho dos talheres ecoava suavemente enquanto minha mãe e Hana já estavam à mesa.
— Vai sair hoje, Shin? — minha mãe perguntou, levando a xícara de café aos lábios.
— Sim — respondi, pegando uma fatia de pão. — A reunião está marcada para daqui a pouco.
— Você anda bem ocupado ultimamente, mano — Hana comentou, me observando enquanto espalhava manteiga no pão.
— É, um pouco — murmurei, distraído. Minha mente ainda estava presa nos pensamentos da reunião.
O café da manhã passou voando. Assim que terminei, subi novamente para o quarto, pronto para pegar minhas coisas.
Minha mochila descansava no canto do quarto, ligeiramente aberta, como se já estivesse esperando por mim. Me aproximei e comecei a guardar o manuscrito refinado — aquele no qual passei a noite anterior trabalhando, lapidando cada detalhe.
Antes de fechar a mochila, meus olhos pousaram em duas folhas dobradas na mesa. Eram anotações que fiz logo depois de finalizar os pedidos de Shihei — ideias soltas, fragmentos de possíveis histórias.
Hesitei por um instante, pensando se deveria ou não levar elas junto comigo. No entanto, antes que pudesse pensar muito naquilo, acabei as colocando na mochila junto ao restante do material.
Fechei e joguei a mochila sobre o ombro, enquanto descia as escadas rapidamente.
— Volto mais tarde! — avisei ao passar pela porta.
O ar da manhã era fresco, trazendo uma leve brisa que tornava o início do dia mais agradável. As ruas ainda estavam tranquilas, com poucas pessoas caminhando ou abrindo suas lojas.
Enquanto seguia meu caminho, meus pensamentos vagaram para o dia seguinte. Eu, Seiji e Rintarou sairíamos juntos antes que os trabalhos do Festival Escolar começassem. Depois disso, estaríamos completamente imersos nos preparativos, sem tempo para mais nada.
Mas, antes de pensar mais sobre isso, havia algo mais importante a ser resolvido.
O prédio da Editora Kousei se erguia à minha frente, imponente como sempre. As amplas portas de vidro refletiam a luz suave da manhã, dando ao lugar um ar ainda mais profissional do que já tinha. Inspirei fundo antes de atravessá-las, sentindo a já familiar sensação de estar pisando em um espaço onde histórias ganhavam vida.
Segui até o balcão da recepção, onde a atendente me reconheceu de imediato.
— Bom dia. Tenho uma reunião com o editor Hajime Shihei.
Ela assentiu e pegou o telefone, fazendo uma breve ligação.
— Pode subir, ele já está esperando.
Agradeci com um leve aceno e me dirigi ao elevador. O caminho até a sala de reuniões já não me parecia tão estranho quanto na primeira vez, mas a atmosfera ainda tinha um peso diferente.
Era ali que decisões importantes eram tomadas, onde histórias encontravam seu caminho até os leitores.
Enquanto caminhava pelo corredor, não pude deixar de observar os pôsteres e capas de livros alinhados pelas paredes. Alguns eram de autores renomados, cujas obras haviam sido adaptadas para animes e filmes, enquanto outros ostentavam o título de best-sellers.
Eram testemunhos do impacto que a literatura podia ter, e do quanto aquele lugar era um celeiro de grandes narrativas.
Nos corredores, o fluxo de pessoas era constante. Editores passavam apressados, segurando manuscritos e relatórios, alguns trocavam ideias de pé, enquanto outros analisavam documentos com expressões concentradas. O ambiente era vivo, dinâmico. Cada conversa, cada página folheada, contribuía para o processo de criação de algo maior.
Por fim, atravessei a entrada da ampla sala de trabalho. O espaço estava repleto de funcionários, todos imersos em discussões sobre projetos, revisando páginas e ajustando detalhes.
E, perto da grande janela que oferecia uma vista panorâmica da cidade, Shihei acenava para mim, indicando o mesmo lugar onde havíamos nos sentado da última vez.
— E aí, Shin! Chegou cedo hoje.
Shihei me recebeu com seu tom casual, mas seu olhar carregava aquela atenção profissional de quem esperava algo importante.
— Bom dia — respondi, me aproximando da mesa. — Não queria chegar atrasado.
Nos sentamos no mesmo lugar da reunião anterior. Sobre a mesa, duas xícaras de café já haviam sido servidas. O aroma forte e familiar se misturava ao ambiente silencioso da sala, onde apenas o murmúrio distante dos outros funcionários trabalhava como pano de fundo.
Shihei entrelaçou os dedos sobre a mesa e me observou com um olhar avaliador.
— Então… finalmente terminou?
Sem hesitar, abri a mochila e tirei o manuscrito revisado. O peso das páginas parecia maior do que realmente era, carregado não apenas pelas palavras, mas pelo esforço dos últimos dias.
— Sim... aqui está.
Entreguei as folhas para ele, que as pegou sem pressa, então, começou a ler.
O silêncio que se instalou rapidamente foi sufocante.
Observei atentamente cada pequena mudança em sua expressão enquanto ele virava as páginas, concentrado. Meu coração batia mais rápido a cada segundo que passava. Minutos se arrastaram enquanto ele analisava cada trecho reescrito, sem demonstrar nenhuma reação clara.
Então, após um último olhar para o manuscrito, ele pegou sua xícara de café, tomou um gole e soltou um leve suspiro.
— Bom trabalho, Shin.
Senti um alívio imediato, mas me mantive atento, esperando que ele continuasse.
— Você seguiu bem os conselhos. — Ele folheou novamente algumas páginas. — A diferença é notável. Agora, as decisões dos personagens carregam mais peso, o ritmo está mais equilibrado, e a imersão... — Ele assentiu para si mesmo. — Melhorou bastante.
— Então...
Shihei ergueu o olhar para mim, um brilho animado nos olhos.
— Sim, estou satisfeito. E mais do que isso… estou animado.
Ele apoiou o manuscrito sobre a mesa e me lançou um sorriso discreto.
— Esses trechos definitivamente vão ganhar um espaço de destaque na revista. Isso significa que sua história terá uma grande visibilidade.
Apertei a alça da minha xícara de café, sentindo meu rosto esquentar, e a informação se acomodar lentamente na minha mente. Meu trabalho iria aparecer para inúmeros leitores. O meu nome... estaria ali.
Esse era o primeiro grande passo.
— Isso quer dizer que... está tudo decidido?
Shihei assentiu, um sorriso discreto surgindo em seu rosto.
— Sim. Seu trabalho será publicado numa edição especial da revista da Editora Kousei. No Natal, quando há um grande número de leitores atentos a novidades.
O peso daquela afirmação me atingiu em cheio. Meu peito se apertou, e por um instante, senti meu rosto corar novamente.
Minha história seria publicada. Não como um rascunho compartilhado entre amigos, não como algo que apenas eu lia e relia, mas como uma obra real, impressa, disponível para inúmeras pessoas. Era uma oportunidade gigantesca — e ao mesmo tempo, assustadora.
Houve um breve momento de silêncio. Ele girou a xícara de café entre os dedos antes de erguer o olhar para mim novamente.
— Agora que isso está resolvido… já pensou no que conversamos antes?
Pisquei, confuso.
— Hm? O que exatamente?
— Hein? Não é óbvio? Sua próxima obra!
Shihei recostou-se na cadeira, soltando um suspiro quase teatral.
— Como eu disse antes, Shin… grandes nomes da literatura começaram assim, com uma única história. Mas o que realmente os consolidou foi o que veio depois.
Deixei que suas palavras ecoassem na minha mente por um instante. Na noite anterior, depois de finalizar os refinamentos, algumas ideias haviam surgido. Nada concreto, apenas fragmentos. Mas o suficiente para me fazer pensar que talvez houvesse algo a mais ali.
Mordi o lábio levemente, ponderando. Eu tinha algo em mente. E, pela primeira vez, a ideia de escrever uma nova história não parecia um salto tão impossível.
— Pensei sim. Ah, mas ainda não é nada concreto!
Shihei ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.
— É mesmo? Então me mostre.
Hesitei por um instante antes de abrir a mochila e pegar a folha onde havia anotado algumas ideias soltas. Passei o papel para ele, que o pegou sem pressa e começou a ler.
O silêncio se instalou enquanto seus olhos percorriam cada linha.
— Essa aqui… — ele apontou para uma das ideias. — Não funcionaria muito bem. O público para esse tipo de história é muito nichado.
Passou para a próxima, balançando a cabeça.
— Essa já foi explorada demais. Está saturada.
Continuei observando enquanto ele analisava cada anotação. Apesar de serem apenas ideias soltas, não pude deixar de ficar um pouco triste com cada rejeição que ele dava.
Ele passou para a última folha. E então, de repente, Shihei parou.
Seus olhos se estreitaram levemente, e sua expressão se tornou mais séria. Ele pareceu reler a linha à sua frente, e, por um momento, ficou completamente imóvel.
Tentei decifrar sua reação, minha ansiedade crescendo a cada segundo.
— O que achou? — perguntei, quebrando o silêncio.
— Espere um momento… — Shihei inclinou-se para trás na cadeira, olhando na direção de outra mesa. — Ei, Ichiro! Vem aqui um instante!
Um homem que estava analisando alguns documentos ergueu o olhar, visivelmente confuso.
— Precisa de algo?
Shihei não respondeu de imediato. Em vez disso, apenas estendeu a folha com minhas anotações. Ichiro pegou o papel, franzindo a testa enquanto lia a ideia que Shihei havia destacado.
O silêncio durou alguns segundos. Então, ele murmurou:
— Isso é…
Ele não completou a frase de imediato, o olhar ainda fixo no papel. Shihei riu, cruzando os braços com um ar satisfeito.
— Não é?
Ichiro finalmente ergueu os olhos, fixando o olhar em mim com uma intensidade desconcertante.
— Foi você que escreveu isso?
Um arrepio gelado percorreu minha espinha, deixando-me paralisado. Será que eu havia cometido algum erro? Escrevi algo tão terrível assim?
— S-sim... — gaguejei, ainda tentando processar o que estava acontecendo.
Shihei colocou a folha sobre a mesa e me encarou com um sorriso que se alargava lentamente.
— Shin... se você conseguir expandir essa ideia e desenvolvê-la bem... pode se tornar um fenômeno!
Minha respiração parou por um instante. Um fenômeno? Isso não era um exagero?
— ...Você acha mesmo? — perguntei, tentando controlar a surpresa. — Foi apenas uma ideia solta... nada muito elaborado.
Ele apoiou os cotovelos na mesa, falando com firmeza.
— Não estou exagerando nem um pouco. Essa ideia tem um potencial absurdo!
Meu coração disparava. Era apenas uma ideia qualquer, um rascunho sem forma… mas que, de repente, parecia carregar um peso muito maior do que eu imaginava. Eu não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir.
Shihei se levantou, ainda segurando a folha com minhas anotações, e me encarou com um olhar firme.
— Bom, a reunião termina por aqui. Por enquanto, foque na publicação da sua história. Mas quando tiver tempo, desenvolva essa ideia com calma. — Ele sorriu de lado. — Estou realmente ansioso para ver o que você pode trazer na próxima reunião.
Assenti, sentindo o peso daquela responsabilidade, mas, ao mesmo tempo, um orgulho crescente dentro de mim.
— Certo! Eu vou pensar mais sobre isso — respondi, sorrindo.
— Ótimo. — Ele pegou sua xícara de café e recostou-se na cadeira. — Nos falamos na próxima reunião. Me envie uma mensagem quando sentir que está pronto.
Nos despedimos com um aperto de mão firme.
Ao sair do prédio da editora, o vento fresco da manhã soprou contra meu rosto. Dei um longo suspiro, sentindo a tensão da reunião se dissipar aos poucos. Olhei para o céu límpido acima dos prédios altos e deixei um pequeno sorriso escapar.
Minha história seria publicada. E talvez… uma nova estivesse prestes a nascer.