— Por favor, eu não quero morrer! Socorro!
— Cale-se, maldita! Ou terei que costurar sua boca?! — bradou um dos guardas com um chicote em punho para a criança na carruagem.
— Esconda-se, Falkkor, pode ser perigoso — disse Yivor assustado. Mas ao olhar para o lado, Falkkor havia sumido.
— Falkkor?! — Yivor olhou na direção da carruagem e lá estava Falkkor, bloqueando a estrada.
— Vocês não vão passar! Libertem a criança agora!
Os cavalos pararam imediatamente, desobedecendo seus condutores.
— Vamos garoto, saia da estrada, você está obstruindo a passagem.
— Por que estão prendendo-a?! Não posso ignorar um pedido de socorro!
— Haha! Então quer brincar de herói? — zombou um dos cavaleiros, descendo da carruagem. Ele se posicionou diante de Falkkor, enquanto Yivor se aproximava, ficando atrás dele.
— Saia daí, Falkkor!
Com mãos trêmulas, Falkkor sacou um pequeno machado da cintura.
— Corajoso, o garoto — riu o cavaleiro, desembainhando a espada e desferindo um golpe em Falkkor, que desviou e contra-atacou, arranhando apenas a armadura do adversário.
— Maldito moleque — o cavaleiro revidou com um chute, lançando Falkkor ao chão. Yivor, assustado, correu, deixando Falkkor caído.
— Hahaha! Seu amigo fugiu com o rabo entre as pernas. Saia da estrada antes que eu o mate. A garota é um demônio, ela será queimada em nome de Deus.
— Socorro! Por favor, eu não quero morrer! — a voz da garota ressoou da carruagem.
Falkkor se levantou, furioso, os olhos agora semelhantes aos de uma serpente.
— Esses olhos… espera, tenha cuidado, esse garoto não parece ser um humano normal. — alertou um dos cavaleiros ao companheiro, apertando a espada com mais força.
— Vou acabar com vocês, malditos! — Falkkor avançou sobre os cavaleiros e atingiu o braço de um deles com o machado, amassando sua armadura e quebrando seu braço.
— Aaaaah! Maldito! — gritou o cavaleiro, largando a espada de dor.
— Ictus lux! — o outro cavaleiro lançou vários cortes luminosos em direção a Falkkor, que, incapaz de esquivar-se, foi atingido e caiu ao chão sem forças com vários cortes no corpo sangrando.
— Impressionante, ainda está vivo após tantos golpes.
— Mate-o logo, ele quebrou meu braço!
O cavaleiro se aproximou de Falkkor erguendo a espada para o golpe final, mas a lâmina foi detida por dois dedos que a quebraram em pedaços.
— Mestre Yang — murmurou Falkkor, contorcendo-se de dor no chão.
Yang agarrou o cavaleiro pela cabeça e o levantou no ar.
— Espere, eu posso expli… — Antes que o cavaleiro terminasse, Yang esmagou o capacete e a cabeça do homem.
— Aaaaah! Socorro! — o outro cavaleiro começou a correr, aterrorizado, segurando o braço ferido.
— Ictus fulgur — Yang apontou o dedo para o soldado, e um raio branco desceu sobre ele, matando-o instantaneamente. Seu corpo caiu ao chão sangrando por todos os orifícios da armadura.
Yang se aproximou de Falkkor e colocou a mão sobre sua cabeça.
— Regentio aqua — gotas de água caíram sobre as feridas de Falkkor curando-as.
— Você está bem, Falkkor?
— Obrigado, mestre. Salve a garota… — Falkkor desmaiou. Yivor e Yorn chegaram logo em seguida.
— Falkkor! O que aconteceu com ele?! — perguntou Yivor, preocupado com o amigo.
— Calma Yivor, ele vai ficar bem. Apenas desmaiou, perdeu muito sangue. Yorn, tire a garota da prisão e leve-a com Falkkor para minha casa na montanha, por favor. Dê comida a ela e coloque Falkkor na cama, vou limpar essa bagunça.
— Ok, Yivor, venha comigo… Yivor? — O garoto estava paralisado, olhando para o corpo do cavaleiro no chão, ensanguentado.
Yorn se aproximou de Yivor. — Tudo bem, filho?
— Sim, pai, Yang é muito forte.
— Sim, ele é, sempre ajudava eu e Allgur quando a coisa ficava feia. Agora vamos, precisamos salvar a garota.
Yorn forçou a porta de aço, quebrando o cadeado. A garota loira, olhos amarelos com marcas vermelhas envolta, com pequenos chifres e um kimono vermelho rasgado, estava encolhida no canto, chorando. Yivor estendeu a mão para ela, oferecendo ajuda.
— Venha, não vou machucá-la.
Ela, tremendo, segurou a mão de Yivor, que a ajudou a se levantar, magra e gelada.
— Yivor, ajude-a a andar. Vou carregar Falkkor.
— Tá bom, pai!
Yorn pegou Falkkor no colo, e Yivor apoiou a garota. Juntos, seguiram para a casa de Yang.
— Estou te esperando, Yang.
— Obrigado Yorn. Até mais tarde. E Yivor, obrigado por buscar ajuda. Falkkor às vezes é meio impulsivo.
— De nada, senhor Yang. Até logo.
Yang parou e observou o horizonte da estrada. — Maldita Igreja do Sol. Melhor avisar o rei de Dawvark que estão invadindo suas terras para matar demônios. Mas agora, vou arrumar essa bagunça. Preguiça danada…
No dia seguinte, Falkkor acordou pela manhã com o corpo todo enfaixado. Caminhou até a cozinha de sua casa e viu a garota à mesa com Yang, devorando o café da manhã.
— E aí, Falkkor, melhorou? Venha, arrumei uma nova cadeira para você. — Falkkor se aproximou, olhando fixamente para a garota, e se sentou.
— Mestre Yang, quem é essa diaba aí? — A garota parou de comer e encarou Falkkor.
— Diaba é você, seu inútil, que não conseguiu vencer dois cavaleiros. — Ela voltou a comer, ignorando Falkkor.
— O que essa menina está fazendo aqui, Yang?!
— Falkkor, esta é Akani, a garota que estava presa na carruagem. — Falkkor olhou para a garota com desgosto.
— Devia ter deixado ela lá, ingrata!
— Calma, você vai ter que se acostumar. Ela vai morar aqui a partir de hoje.
Falkkor bateu a mão na mesa. — O quê?!
Enquanto isso, na mansão de Yorn, Yivor lia seu livro sentado à mesa de jantar. Subitamente, o som do ranger da porta o fez levantar-se para verificar. Ao chegar, encontrou seu pai acompanhado por uma mulher e uma menina.
— Bom dia filho. Tudo bem? Desculpe minha ausência, estava resolvendo algumas coisas em Valmyr.
— Estou bem, pai. Quem são elas?
— Yivor, estas são as novas empregadas da casa, Marta e sua filha, Lya. O antigo mestre delas faleceu, então as contratei.
Yivor cumprimentou-as educadamente. — Prazer em conhecê-las.
— O prazer é nosso, mestre.
— Yivor, Lya tem seis anos, a mesma idade que você. Ela será sua empregada particular. Trate-a com educação.
Encantado com a beleza e simplicidade da garota, Yivor caminhou em direção a Lya, e com um gesto gentil, beijou sua mão. — Será um prazer contar com seus serviços.
— Muito obrigada, mestre! — respondeu a garota, curvando-se timidamente.
— Excelente. Vocês duas, troquem-se. Suas roupas estão no quarto número cinco, subam as escadas — instruiu Yorn.
— Certo mestre. Agradecemos pela oportunidade. — E assim, as duas se dirigiram aos seus aposentos.
Yorn e Yivor acomodaram-se no sofá. — Pai, como está Falkkor?
— Yang disse que ele está se recuperando aos poucos, sofreu muitos cortes, mas tem sorte de ter a pele resistente.
— Nunca imaginei que seria amigo de um dragão, muito menos filho de um aventureiro cruz de platina.
— O pai de Falkkor foi um grande amigo meu. Sempre o acompanhei em suas aventuras. Ele era impulsivo e tarado, mas era uma boa pessoa e um aventureiro incrível. — disse Yorn com um sorriso orgulhoso.
— Pai, poderei brincar com Falkkor?
— Claro filho. Assim que ele se recuperar, vocês poderão brincar juntos. Permitirei que vá ao vilarejo com ele para brincar com as outras crianças.
— Obrigado pai! — Yivor abraçou seu pai com força.
— Filho, nunca te perguntei isso, desculpe por nunca ter sido um pai muito presente, mas qual é o seu sonho?
Yivor levantou-se e caminhou até a janela. Observando o horizonte com os vastos campos e o belo nascer do sol, respirou fundo e disse:
— Quero ser um aventureiro como você foi pai. Mas irei além, até me tornar um cruz de platina.
Yorn retirou um livro da bolsa e aproximou-se de Yivor.
— Para você filho, um presente de sua mãe. Ela pediu para entregá-lo quando chegasse esse dia. Ela sabia que você tomaria essa decisão.
Yivor pegou o livro preto com capa de couro, adornado com um símbolo prateado e um cristal no centro que lembrava o céu estrelado à noite. Ao abri-lo, viu que todas as páginas estavam em branco.
— Pai, mas não tem nada escrito nele.
— Não olhe para mim. Se sua mãe te deu, é porque ele tem algum propósito. Você vai descobrir, tenho certeza.
— Bem, obrigado pai. De qualquer forma, é um presente da minha mãe, então é importante para mim.
Yorn sorriu com os olhos marejados de lágrimas.
— Está bem filho. Agora vamos tomar café. Marta começará a trabalhar só depois do almoço, então venha me ajudar a preparar o café para as duas.
— Está bem, pai.
Yivor seguiu para a cozinha para ajudar seu pai.