Capítulo 1 ♥
Segredos
Liam:
Estou sentado à beira da piscina, olhando sem realmente ver o movimento que meus pés fazem na água. Algumas lágrimas escorrem de meus olhos e eu apenas deixo que caiam.
Três meses. Hoje fazem exatamente três meses que meus pais faleceram. A saudade que sinto é angustiante. A dor parece que não terá fim, ela não diminuiu nem um pouco no decorrer desses 90 dias.
As lágrimas aumentam e agora caem, embaçando minha visão. Tento controlar o choro, mas isso apenas me provoca uma sensação de falta de ar. Aperto meus braços em volta de mim mesmo, procurando inspirar e expirar devagar, mas a dor em meu peito me impede de qualquer coisa no momento. A imagem dos dois inertes e frios nos caixões, lado a lado, não sai da minha cabeça.
Me lembro de ter chorado muito nos primeiros dias após o acidente, mas nada se compara ao que está acontecendo comigo agora, nesse exato momento. Falta de ar, mãos frias e suadas, desespero. A visão nítida daqueles malditos caixões. Eu tentei ser forte por eles. Sei que não gostariam de me ver assim, mas não consigo fugir dessa dor sufocante que está tomando conta de mim nesse momento.
Não sei por quanto tempo fiquei nesse estado e muito menos me lembro de como fui parar no meu quarto. Acordei com uma leve dor de cabeça, deitado em minha cama e com apenas a luz do abajur acesa, que deixava uma claridade suave no ambiente. A porta estava entreaberta e pude escutar sussurros no corredor, do lado de fora do quarto.
— Doutor, ele irá precisar de alguma medicação para que essa crise não aconteça novamente? – Escuto Diva, a governanta, perguntar a alguém. Eu a considero como uma avó para mim.
— Se houver reincidência, teremos que tomar algumas providências sim, mas, por enquanto, vou receitar apenas um remédio para que ele consiga dormir melhor por esses dias. Entre em contato se a crise se repetir.
— Obrigada, doutor. Meu menino tem se mostrado forte por todos esses dias. Acho que todo esse esforço está cobrando seu preço agora. – A tristeza que escuto na voz dela faz com que eu tenha vontade de começar a chorar novamente. – Me acompanhe, doutor. Vou levá-lo até a porta.
Escuto seus passos se afastando do meu quarto. Fecho os olhos e tento dormir novamente. Esse é o único momento em que a dor parece dar uma trégua. Eu gostaria de poder dormir para sempre.
Théo:
— Você realmente está me dizendo que existe um moleque com direito a metade do que é meu?– Pergunto ao meu advogado, com uma raiva grotesca crescendo em mim. – Como isto é possível?
— A história toda ainda é um mistério, mas o que posso te dizer com certeza é que seu avô convocou alguns advogados, me parece que já estão à procura desse menino. – Ele se encolhe ao terminar de falar, percebendo meu estado. Soco a mesa com tanta força que meu pulso chega a doer. A raiva que sinto é tanta que chega a me deixar atordoado. Isso deve ser uma piada de mau gosto, não é possível.
— O que mais você sabe? – Exijo.
— Théo, você sabe que eu não posso falar mais que isso. Mesmo que eu soubesse, o que não é o caso, eu não poderia te dizer. – Ele percebe o erro ao terminar de falar e se levanta da cadeira, pronto para fugir. – Tudo o que posso dizer é que seu avô irá se reunir com vocês para explicar a situação pessoalmente.
Meu Deus do céu, isso não pode acontecer. Uma reunião familiar para anunciar a existência de um pirralho que saiu dos quintos dos infernos. O destino só pode estar querendo brincar comigo, só pode. Mas de uma coisa, eu sei: não vou ficar parado esperando um moleque tirar metade do que é meu.
— Pode se retirar. – Dispenso o advogado sem nem olhar pra ele. Preciso pensar.
Desabo em minha cadeira e tento me acalmar.
Sempre fui muito racional. Dificilmente me deixo levar pelas minhas emoções. Controlo cada detalhe da minha vida e saber que um estranho qualquer pode alterar tudo que já planejei para mim me deixa realmente enfurecido.
Meu celular começa a vibrar em cima da mesa, mas ignoro. Logo em seguida minha secretária me chama pelo ramal. Aperto o botão de auto-falante do aparelho.
— Liz, não estou para ninguém! – Digo rispidamente mas, antes que eu desligue, ela começa a falar.
— Sua mãe está tentando falar com o senhor, ela pediu para o senhor atender o celular.
Passo as mãos pelo meu cabelo, sentindo meu humor piorar.
— Obrigado. – Desligo e retorno a ligação para minha mãe.
— O que foi?
— Théo, você é sempre tão gentil.
— Mãe, não estou com humor e muito menos com tempo para suas gracinhas. Diga logo o que você quer.
— OK. Seu avô me pediu para retornar urgentemente da minha viagem. Disse que precisa conversar muito sério conosco. Você sabe do que se trata?
— Não, não sei. – Prefiro não comentar o que acabei de descobrir com minha mãe.
— Eu não quero voltar. – Ela faz aquela voz de manha que sempre me irrita, mas deixo passar. – Eu planejava ficar pelo menos mais uma semana nesse resort. Aqui é tudo tão maravilhoso e...
Ela começa a tagarelar e tenho que cortá-la:
— Mãe, tenho uma reunião agora. Apenas venha e veja por si mesma o que o vovô deseja. Boa tarde.
Encerro a ligação sem esperar por sua resposta. Me levanto e vou olhar minha vista favorita do escritório: uma parede toda de vidro que me permite ter uma visão privilegiada do lado de fora do prédio de 22 andares. Mas, hoje, o céu está cinzento, o que espelha meu humor.
Preciso me acalmar. Me preparei psicologicamente, porque vou precisar de todo meu autocontrole para a guerra que está por vir. Ninguém irá tirar um centavo do que é meu. Ninguém!
Liam:
Acordei bem melhor depois de dormir a noite toda sob os efeitos do remédio para insônia que o médico me deu. Quando desci para o café, Diva já me esperava sentada à mesa.
Era uma visão que me trazia várias lembranças. Sempre que eu descia para o café da manhã, encontrava meus pais e ela já sentados à mesa, lendo seus jornais ou simplesmente implicando um com o outro. A sensação de aperto no peito começou a se esgueirar lentamente, mas me forcei a agir normalmente na frente dela.
— Bom dia, meu amor. Está se sentindo melhor hoje? – Ela me pergunta com seus olhos bondosos e sinto tanto amor que me dá vontade de chorar. Sei que não estou sozinho no mundo. Vou direto para ela e a abraço. Ela se levanta, me abraçando de volta.
— Obrigado por tudo. Por ser o apoio que eu e essa casa precisamos durante todos esses dias. – Sei que ela está se esforçando ao máximo cuidando da casa, dos empregados e da manutenção da fazenda sozinha, quando eu deveria estar ajudando também.
— Meu amor, você não precisa me agradecer. Você e essa fazenda são minha vida, faço porque amo. Você sabe disso, não é? – Vejo seus olhos marejados e tento sorrir para que ela não chore.
— Claro que sei. Mas quero agradecer mesmo assim.
Me sento e começo a escolher algo para comer. Não estou realmente com fome, mas sei que se não comer ela ficará preocupada.
— Liam. O advogado... – Ela começa, hesitante. – Bom, o advogado de seus pais ligou hoje de manhã, querendo marcar um horário para conversar com você.
— Advogado?
— Sim, ele disse que é importante e perguntou se era possível marcar um horário para conversarem ainda hoje.
— Tudo bem. Se ele quiser vir mais tarde, estarei disponível. Agora de manhã vou dar uma olhada em como estão as coisas na fazenda.
Ela sorri. Sei que ela gostaria de me ver voltar à ativa, então irei me esforçar. Sei que é isso o que meus pais iriam querer também. Depois do café, crio coragem e vou fazer a ronda que fazia toda semana com meus pais.
Temos uma fazenda onde cuidamos e treinamos animais que participam de competições. Nossa reputação é uma das melhores nesse ramo e, apesar de não nos considerarmos ricos, ganhamos o suficiente para sustentar a fazenda, os seis empregados e ainda conseguimos financiar um pequeno projeto que ajuda animais abandonados.
Enquanto percorria a fazenda e verificava como estava o andamento dos treinamentos de cada animal, as lembranças vinham a todo vapor. A Fazenda Recanto da Paz é um santuário para animais que meus pais criaram juntos. Foi através do amor em comum pelos animais que eles se apaixonaram. Meus dois pais, gays. Isso me fazia ter tanto orgulho deles. Lutaram contra uma sociedade doentia e preconceituosa para viverem um grande amor. Fui adotado por eles quando tinha 7 anos de idade e fui criado com tanto amor e carinho, que me sentia a criança mais feliz do mundo.
A manhã voou. Depois de um tempo, voltei pra casa para tomar um banho e almoçar. Logo, o advogado chegaria, então queria estar pronto para recebê-lo. O que será que ele quer falar comigo?
— Liam, não vou fazer muito mistério. – Assim que fomos para o escritório, o advogado já começou dizendo. – O que você sabe sobre a família do Léo?
— Família do Léo? Que eu saiba, meu pai não tinha outra família além de mim e do Alex. – Eu o respondi, confuso.
— Na verdade, seu pai tinha sim uma família. Um pai, uma irmã e até um sobrinho.
— O quê? – Eu estava realmente surpreso. Em todos esses anos, nunca soube nada sobre isso.
— Sim, parece que eles também não sabiam da sua existência. Os advogados do pai do Léo entraram em contato comigo para agilizarmos um encontro entre vocês.
— Como assim, os advogados dele? – Que história maluca.
— Liam, você conhece a família Mhalison? Estou falando da família dona da rede televisiva Mhalison.
— Claro que conheço. Quem não conhece, não é mesmo? – Dei um sorriso forçado, começando a entender aonde ele queria chegar. – Você está querendo dizer que...
— Sim. Seu pai tinha parentesco direto com essa família.
— Será que não está havendo um engano? Isso é impossível. – Meu coração começou a bater disparado. – O sobrenome do meu pai é diferente e…
— Não há engano, Liam. A mãe do Léo, quando se separou, voltou a usar o sobrenome de solteira. E seu pai preferiu não divulgar que também é um Mhalison, adotando somente o sobrenome de sua mãe. Além disso, o pai do Léo está realmente empenhado em te conhecer.
Fiquei estático, sem reação. Que história sem pé nem cabeça. Por que Léo esconderia algo assim por tantos anos? Por que esconder que fazia parte de uma das famílias mais ricas do país? E por que ninguém o procurou antes, quando ele ainda estava vivo?